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Estreou em Moscovo uma coligação sino-russo-iraniana contra a NATO?

08-05-2015 - Mahdi Darius Nazemroaya

A Conferência de Moscovo sobre Segurança Internacional, em Abril, foi usada como local para comunicar aos EUA e NATO que outras potências mundiais não os deixarão fazer o que quiserem.

As conversações sobre esforços conjuntos entre China, Índia, Rússia e Irão contra a expansão da NATO foram ampliadas com os planos para conversações militares tripartidas entre Pequim, Moscovo e Teerão.

Ministros da Defesa e oficiais militares de todo o mundo reuniram-se em 16 de Abril, em Radisson Royal ou Hotel Ukraina, uma das melhores peças de arquitectura soviética em Moscovo, conhecida como uma das “Sete Irmãs,” construídas durante o período de Josef Stalin. O evento de dois dias, organizado pelo Ministério da Defesa russo, foi a quarta Conferência Anual de Moscovo sobre Segurança Internacional (MCIS).

Autoridades civis e militares de mais de setenta países, incluindo membros da NATO, compareceram. Quinze ministros da Defesa participaram do evento. No entanto, além da Grécia, demais ministros da Defesa dos países da NATO não participaram da conferência.

Ao contrário de anos anteriores, os organizadores MCIS não enviaram um convite à Ucrânia. De acordo com o vice-ministro da Defesa russo Anatoly Antonov, “nesta etapa de brutal antagonismo nas informações em relação à crise no sudeste da Ucrânia, decidimos não inflamar a situação na conferência e, nesta fase, tomamos a decisão de não convidar nossos colegas ucranianos para o evento”.

Numa nota pessoal, como um assunto de interesse, tenho acompanhado esses tipos de conferências há anos, porque declarações importantes sobre política externa e de segurança tendem a sair deles. Este ano eu estava ansioso pelo início desta conferência de segurança em particular. Afora estar ocorrendo em um momento onde a paisagem geopolítica do mundo está mudando rapidamente, eu estava interessado em ver o que a conferência iria produzir, uma vez que me perguntaram em 2014, através da Embaixada da Rússia no Canadá, se eu estava interessado em participar da IV MCIS [na sigla em inglês].

O restante do mundo fala: ouvindo as preocupações de segurança não-euroatlânticas

A conferência de Moscovo é o equivalente russo à Conferência de Segurança de Munique, realizada no Hotel Bayerischer Hof, na Alemanha. Há, no entanto, diferenças essenciais entre os dois eventos. Enquanto a Conferência de Segurança de Munique é estabelecida em torno da segurança euro-atlântica e vê a segurança global do ponto de vista “atlantista” da NATO, o MCIS representa uma perspectiva global muito mais ampla e diversificada. Ela representa as preocupações de segurança do restante do mundo não-euroatlântico, particularmente do Oriente Médio e da Ásia-Pacífico. Abrangendo desde Argentina, Índia e Vietname até o Egipto e África do Sul, a conferência no Hotel Ukraina trouxe uma variedade de grandes e pequenos atores à mesa, cujas vozes e interesses de segurança são de uma maneira ou outra minados e ignorados em Munique por líderes dos EUA e da NATO.

O Ministro da Defesa russo Sergey Shoigu, que detém a patente de um oficial-general equivalente a de um general de quatro estrelas na maioria dos países da NATO, abriu a conferência. Também falando e sentados juntos a Shoigu estavam o Ministro do Exterior russo Sergey Lavrov e outros funcionários de alto escalão. Todos eles abordaram a guerra multi-espectral de Washington, que tem se utilizado para a mudança de regime de revoluções coloridas, como o EuroMaidan na Ucrânia e a Revolução das Rosas na Geórgia. Shoigu citou Venezuela e a Região Administrativa Especial chinesa de Hong Kong como revoluções coloridas falhadas.

O Ministro do Exterior Lavrov lembrou aos participantes que as possibilidades de um perigoso conflito mundial são crescentes, devido à falta de preocupação dos EUA e NATO pela segurança dos outros e a ausência de diálogo construtivo. Quando estava a argumentar, Lavrov citou o presidente norte-americano Franklin Roosevelt, dizendo: “Não pode haver meio-termo aqui. Teremos de assumir a responsabilidade para a colaboração mundial, ou teremos de arcar com a responsabilidade de outro conflito mundial.” “Eu acredito que eles formularam uma das principais lições do conflito global mais devastador da história: só é possível enfrentar desafios comuns e preservar a paz através do colectivo, de esforços conjuntos baseados no respeito pelos interesses legítimos de todos os parceiros,” explicou sobre o que os líderes mundiais aprenderam com a segunda Guerra Mundial.

Shoigu teve mais de dez reuniões bilaterais com os diferentes ministros da Defesa e chefes que chegaram em Moscovo para a MCIS. Durante uma reunião com o Ministro da Defesa sérvio Bratislav Gasic, Shoigu disse que Moscovo considera Belgrado um parceiro confiável na cooperação militar.

Coligação sino-russo-iraniana: pesadelo de Washington

O mito de que a Rússia está internacionalmente isolada foi derrubado novamente durante a conferência, que também resultou em alguns anúncios importantes.

O Ministro da Defesa cazaque Imangali Tasmagambetov e Shoigu anunciaram que a implantação de um sistema conjunto de defesa aéreo cazaque-russo tinha começado. Este não é apenas um indicativo da integração do espaço aéreo da Organização do Tratado de Segurança Colectiva [(OTSC)], mas parte de uma tendência. Foram feitos outros anúncios contra o escudo de defesa antimísseis da NATO.

A declaração mais vigorosa, no entanto, foi a do Ministro da Defesa iraniano Hussein Dehghan. O General de brigada Deghan disse que o Irão queria China, Índia e Rússia permanecendo unidos na oposição conjunta à expansão para o leste da NATO e à ameaça para a sua segurança colectiva representada pelo projecto de escudo antimísseis desta aliança.

Durante uma reunião com o Ministro da Defesa chinês Chang Wanquan, Shoigu enfatizou que os laços militares de Moscovo com Pequim são a sua “prioridade absoluta”. Em outra reunião bilateral os chefes de defesa do Irão e da Rússia confirmaram que a sua cooperação será parte dos pilares de uma nova ordem multipolar e que Moscovo e Teerão estavam em harmonia na sua abordagem estratégica em relação aos EUA.

Após Dehghan e a delegação iraniana se reunirem com Shoigu e os seus homólogos russos, foi anunciado que uma cimeira tripartida pode ocorrer entre Pequim, Moscovo e Teerão. A ideia foi posteriormente endossada pela delegação chinesa.

O ambiente geopolítico está mudando e não é nada simpático aos interesses norte-americanos. Não somente uma União Económica Eurasiana foi formada pela Arménia, Bielorrússia, Cazaquistão e Rússia no coração pós-soviético da Eurásia, mas Pequim, Moscovo e Teerão – a Tríplice Entente Euro-asiática – estão em um longo processo de aproximação política, estratégica, económica, diplomática e militar.

A harmonia e a integração eurasiana desafiam a posição dos Estados Unidos em seu “quintal ocidental” e em sua cabeça-de-ponte na Europa e ainda orienta aliados dos EUA a agir de forma mais independente. Este é um dos temas centrais explorados por meu livro A Globalização da NATO.

O ex-manda chuva de segurança dos EUA, Zbigniew Brzezinski, advertiu as elites norte-americanas contra a formação de uma eurasiana “coligação que poderia, eventualmente, procurar contestar a primazia dos Estados Unidos.” De acordo com Brzezinski tal aliança eurasiana surgiria como uma “coligação sino-russo-iraniana” com Pequim como seu ponto focal.

“Para os estrategistas chineses, confrontando a coalizão trilateral da América, Europa e do Japão, o mais eficaz contrapoder geopolítico poderia muito bem ser tentar e moldar uma tríplice aliança própria, ligando China com o Irão na região do Golfo Pérsico/Oriente Médio e com a Rússia na área da antiga União Soviética”, Brzezinski adverte.

“Ao avaliar as futuras opções da China, deve-se considerar também a possibilidade de que uma China economicamente bem sucedida e politicamente auto-confiante – mas que se sente excluída do sistema global e que decide se tornar o advogado e líder dos Estados carentes do mundo – pode decidir apresentar não só uma doutrina articulada, mas também um poderoso desafio geopolítico para o mundo trilateral dominante”, explica.

Mais ou menos, essa é a trilha que os chineses estão a seguir. O Ministro Wanquan categoricamente disse no MCIS que era necessária uma ordem mundial justa.

A ameaça para os EUA é que uma coalizão sino-russo-iraniana poderia, nas palavras do próprio Brzezinski, “ser um ímã poderoso para outros Estados insatisfeitos com o status quo.”

Contrapondo o escudo antimísseis dos EUA e OTAN na Eurásia

Uma nova “Cortina de Ferro” está sendo erigida por Washington em torno da China, Irão, Rússia e aliados através da infra-estrutura de mísseis dos EUA e da NATO. Esta rede de mísseis é ofensiva e não defensiva em intenção e motivação.

A meta do Pentágono é neutralizar quaisquer respostas defensivas da Rússia e outras potências da Eurásia a um ataque norte-americano com mísseis balísticos, que poderia incluir um ataque nuclear inicial. Washington não quer permitir que a Rússia ou outros tenham a capacidade de um segundo ataque ou, em outras palavras, ter a capacidade de responder a um ataque pelo Pentágono.

Em 2011, noticiou-se que o Vice-Primeiro-Ministro russo, Dmitry Rogozin, então enviado de Moscovo para a NATO, estaria visitando Teerão para falar sobre o projecto de escudo antimísseis da aliança atlântica. Diversas notícias foram publicadas, inclusive pelo Tehran Times, alegando que os governos da Rússia, Irão e China estavam a planejar a criação de um escudo antimísseis comum contra os EUA e a NATO. Rogozin, no entanto, refutou as notícias. Ele disse que a defesa de mísseis foi debatida entre o Kremlin e seus aliados militares da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC).

A ideia de cooperação em defesa entre a China, Irão e Rússia contra o escudo antimísseis da NATO manteve-se à tona desde 2011. Desde então, o Irão se torna mais próximo de se converter em observador na OTSC, tal como já são o Afeganistão e a Sérvia. Pequim, Moscovo e Teerão se aproximaram todos também devido a questões como a Síria, o EuroMaidan e o “Pivô para a Ásia” do Pentágono. Deghan apela a uma abordagem colectiva de China, Índia, Irã e Rússia contra o escudo antimísseis e a expansão da OTAN juntamente com os anúncios nos MCIS sobre conversações militares tripartidas entre China, Irão e Rússia apontando nesse sentido também.

Os sistemas de defesa aérea S-300 e S-400 da Rússia estão a ser implantados em toda a Eurásia, da Arménia e Bielorrússia a Kamchatka como parte de um contra movimento de última geração à nova “Cortina de Ferro”. Estes sistemas de defesa aérea fazem os objectivos de Washington de neutralizar a possibilidade de uma reacção ou segundo ataque muito mais difícil.

Mesmo responsáveis da NATO e do Pentágono, que se referiram tanto ao S-300 como ao sistema SA-20, admitem isso. “Nós estudamos e treinamos para combater isso há anos. Apesar de não termos medo dele, nós respeitamos o S-300 enquanto o que é: um sistema de mísseis muito móvel, preciso e letal”, escreveu o Coronel da Força Aérea dos EUA Clint Hinote para o Conselho de Relações Exteriores com sede em Washington.

Muito embora se tenha especulado que a venda dos S-300 ao Irão marcaria o início de uma bonança de vendas internacionais de armas em Teerão, como resultado das conversações de Lausanne, e que Moscovo está tentando ter uma vantagem competitiva em um mercado iraniano que se reabre, na realidade a situação e as motivações são muito diferentes. Mesmo que Teerão compre diferentes quantidades de equipamento militar da Rússia e de outras fontes estrangeiras, tem uma política de auto-suficiência militar e fabrica principalmente suas próprias armas. Toda uma série de equipamentos militares – que vão desde tanques, mísseis, aviões de combate, detectores de radar, rifles e drones a helicópteros, torpedos, morteiros, navios de guerra e submarinos – são feitos domesticamente no Irão. As forças armadas iranianas ainda alegam que seu sistema de defesa aérea Bavar-373 é mais ou menos o equivalente ao S-300.

A entrega de Moscovo dos S-300 para Teerão é mais do que apenas um negócio despretensioso. Destina-se a cimentar a cooperação militar russo-iraniana e de reforçar a cooperação eurasiana contra o cerco pelo escudo antimísseis de Washington. É mais um passo para a criação de uma rede eurasiana de defesa aérea contra a ameaça de mísseis colocada pelos EUA e a NATO contra nações que se atrevem a não se ajoelhar à Washington.

Mahdi Darius Nazemroaya é cientista social, escritor premiado, colunista e pesquisador. Suas obras são reconhecidas internacionalmente em uma ampla série de publicações e foram traduzidas para mais de vinte idiomas, incluindo alemão, árabe, italiano, russo, turco, espanhol, português, chinês, coreano, polaco, arménio, persa, holandês e romeno. Seu trabalho em ciências geopolíticas e estudos estratégicos tem sido usado por várias instituições académicas e de defesa de teses em universidades e escolas preparatórias de oficiais militares. É convidado frequente em redes internacionais de notícias como analista de geopolítica e especialista em Oriente Médio.

Tradução do inglês de Carlos Serrano Ferreira.

Este artigo foi publicado originalmente em inglês na RT, em 23 de Abril de 2015, tendo sido publicada sua tradução em português em Europa Hoje. A reprodução da tradução ao português publicada aqui é livre para fins não comerciais, contanto que se cite a fonte da mesma e o tradutor, bem como a fonte original.

 

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