O desafio do Syriza
30-01-2015 - Binoy Kampmark
O Syriza tem uma grande montanha para escalar: as questões de austeridade e dívida não podem ser divorciadas da governação política.
“A tese escandalosa de Marx de que os governos são agentes de negócios para o capital internacional é hoje um fato óbvio com o qual ‘liberais’ e ‘socialistas’ concordam.”
Ao redor da Europa, e mais especificamente, na zona do euro, um espectro não somente assombrou mas se materializou na forma de Alex Tsipras e do Partido Syriza. A Grécia acordou com um novo partido que nunca nem tinha visto um cargo. Qualquer partido europeu teria salivado com tal resultado - coalizões tendem a ser uma questão, é claro, e maiorias normalmente associadas com tipos autoritários. No caso grego, a ordem estabelecida durante o período pós-junta tinha sido anulada - ao menos em papel eleitoral.
Tsipras, aquém do número de 151 requerido para formar o governo, procurou apoio de seus parceiros em potencial. Até hoje, parece que o partido da ala de direita ANEL Gregos Independentes concordou em se unir. Ambos têm uma posição comum contra a política de “resgate”, e ainda assim deve ser revisto o que mais ambos têm em comum.
Isso imediatamente deixou os incumbentes remanescentes especulando que a união não duraria, uma tentativa desesperada de uma Schadenfreude prematura. Metros Doukas, ex- ministro representante de finanças, ponderou que, “Será muito mais difícil descobrir exactamente sobre quais políticas irão concordar.”
Uma mistura de euforia e terror se sucedeu ao resultado. A última reacção é típica dos agentes de mercado que vêem ganhos sendo reduzidos em especulação e a petrificação do sector financeiro. O mercado, em tal linguajar, é uma divindade santificada que deveria ser protegida. Não é algo que se controle, muito menos dirigida pela mão humana. Tem seu próprio moralismo impenetrável.
Considerando o trabalho de Nick Squires (The Telegraph, 26 de Janeiro), enquanto monitorizava os números: “A aliança surpresa entre dois partidos firmemente ’anti-resgate’, amedrontou os mercados e despontou uma perda de quase 4% na Bolsa de Valores de Atenas assim como em outros lugares na Europa.”
Mas a vitória do Syriza é mais significativa em outro sentido: o desafio que impõe à democracia na zona do euro. As questões de austeridade e dívida não podem ser divorciadas da governação política. Onde, dada a vitória do Syriza, isso se encaixa na rubrica europeia, desgastada como está? De um lado, o partido encara o que foi designado pelo filósofo Francês Jacques Rancière como o momento “pós-democrático”.
Instituições democráticas, nessa era, se identificavam com o mercado abertamente e inquestionavelmente, facto que tira o brilho da sua responsabilidade pelos cidadãos estrangeiros. “De um Marxismo alegadamente defunto,” argumenta Rancière em “Dis-agreement” (1999), “o suposto liberalismo em vigor pega emprestado o tema da necessidade objectivada, identificada com as restrições e os caprichos do mercado mundial.” A sala de reunião do conselho e a sala de encontro do gabinete, se tornaram um.
Ligada a isso está a criação da dívida, ou sociedade endividada, um sistema de controlo que funciona impondo punições, fornecendo derrogação e punindo de acordo com a lógica do gestor. Ele trabalha de acordo com ditados bíblicos, moralizando o mundo da dívida, torcendo o nariz para os endividados, e torcendo ainda mais quando as dívidas são pagas.
Colin Crouch, que já havia escrito sobre pós-democracia em 2004, vê a política de austeridade grega adoptada, e imposta pela troika, como sua forma última em acção, fanatismo com a dívida gerado de cima. É uma situação na qual banqueiros e financistas, responsáveis por uma crise (a Crise Global Financeira sendo seu trabalho supremo), manejam-na por governos submissos que, em troca, forjaram uma resposta simpática aos banqueiros e financistas “às custas do resto da população”.
Para Crouch, “a expressão mais explícita dos aspectos pós-democráticos da gestão da crise foi o enquadramento do pacote de austeridade da Grécia, desenvolvido por autoridades internacionais em colaboração com uma associação de banqueiros chefes” (LSE Blogs, 2013).
Alguns escritores sentem que estamos em outra etapa, mais ameaçadora, nos ritos fúnebres da democracia, algo muito mais sinistro: algo que totalmente a inverte, criando uma forma de totalitarismo contraproducente.
Uma pequena surpresa, então, que os líderes europeus alertem para um comportamento democrático irresponsável, um que irá liderar para corridas bancárias e instruções negativas do Banco Central Europeu. (8 bilhões de euros foram retirados da Grécia somente na semana passada). Ultimatos estão sendo sugeridos: se você é contra a austeridade, então você deve ser contra a zona do euro. David Cameron, Primeiro-ministro britânico, tendo recentemente elogiado as conquistas do monarca Saudita autoritário falecido, Rei Abdullah, achou o julgamento democrático grego demais para suportar. “A eleição grega irá aumentar a incerteza económica ao redor da Europa.” (Twitter, 25 de Janeiro)
Por todas essas razões, a brigada da austeridade, com sua filosofia, foi espancada. Cortes selvagens e as chamadas reformas estruturais para a economia grega na realidade, serviam para aumentar o desemprego e diminuir o estado. Isso pode ser colocado directamente aos pés daqueles que se tornaram os gestores económicos da Grécia, esses gestores pós-democráticos em forma de Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI.
A montanha a ser escalada pelo Syriza é monumental. Vem Março e 7 milhões de euros em dívida irão amadurecer com ameaça. Liquidez será necessária, mas Tsipras estará em seus direitos ao pedir pelo cancelamento e reajuste dos termos de resgate. Mas mesmo o cancelamento não irá tirar a Grécia do anzol, dará apenas uma falsa esperança e liberação de um sistema financeiro desigual dentro de uma zona que é artificialmente democrática. Nas palavras da banda grega de música electrónica de 1992, Stereo Nova: “Meu país é uma colónia de uma colónia ainda maior.”
Fonte: Counter Punch
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