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A BUROCRACIA DA EUROPA ESTÁ AJUDANDO A RÚSSIA

26-04-2024 - Laurence Boone e Nicu Popescu

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As regras de gastos e os processos de contratação pública da União Europeia são claramente inadequados para a ameaça que representa a invasão total da Ucrânia pela Rússia. Se os Aliados da Segunda Guerra Mundial tivessem sido submetidos a tais restrições, não teriam conseguido comprar barcos para o desembarque na invasão da Normandia de 1944, equipar o Exército Francês Livre  do General Charles de Gaulle ou emitir títulos de guerra a tempo. Os regulamentos da UE prejudicam sua capacidade de mitigar os efeitos da guerra sobre a própria Europa, enfraquecem sua capacidade de se proteger de uma ampla gama de ataques híbridos e prolongam a agressão militar da Rússia contra a Ucrânia.

É por isso que alguns líderes europeus têm apelado cada vez mais para que a UE coloque sua economia em pé de guerra. O presidente francês Emmanuel Macron, por exemplo, reuniu uma coalizão de países para aumentar o apoio à Ucrânia. Mas, embora tal mudança seja urgentemente necessária, os esforços para esse fim ficaram confinados até aqui principalmente à esfera militar, deixando Ucrânia e o bloco vulneráveis em outros setores.

Por exemplo, é provável que o procedimento para financiar e construir um novo interconector eléctrico com a Ucrânia – que pode se tornar cada vez mais essencial à medida que a Rússia intensifica seus ataques  à infra-estrutura energética – não fosse diferente dos procedimentos pré-guerra. Hoje, como anteriormente, um projecto que poderia ser construído em, digamos, um ano, pode facilmente levar vários anos mais, devido a barreiras burocráticas.

Pegue-se o exemplo do Outono de 2022, quando a Rússia começou a destruir  a capacidade de geração de electricidade da Ucrânia, e a Roménia solicitou fundos para uma interconexão eléctrica com a Moldávia – que também começou a sofrer apagões – do NextGenerationEU, o programa de recuperação de pandemias do bloco. Após nove meses de trabalho preliminar, a UE chegou à conclusão óbvia de que o projecto fazia pouco sentido económico. Embora correcta a partir dos critérios para o financiamento de projectos no âmbito do NextGenerationEU e de uma perspectiva de maximização de lucro, tal avaliação ignora os riscos mais amplos da guerra brutal da Rússia contra a UE e os países candidatos.

Problemas semelhantes surgem com outros tipos de gastos com infra-estrutura. Hoje, se a Polónia ou a Estónia precisarem construir uma estrada ou ponte para fins de segurança – para aumentar sua capacidade de implantar recursos militares ao longo da fronteira ou para alguma aldeia fronteiriça de difícil acesso, por exemplo –, seria difícil acessar ou acelerar o financiamento de instituições financeiras internacionais, do Fundo de Coesão  da UE ou do NextGenerationEU, muito menos do Banco Mundial, do Banco Europeu de Investimento, do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento ou do Banco de Desenvolvimento do Conselho da Europa. Mas o que pode ser fiscalmente insalubre em tempos normais assume um significado novo numa economia de guerra. De fato, todos os Estados-membros se beneficiariam da melhoria da capacidade dos países fronteiriços da UE de movimentar tropas e equipamentos de defesa.

Embora diplomaticamente firme, a Europa ainda está hesitante quando se trata de comprometer recursos. A situação é comparável aos primeiros anos da crise plurianual da dívida da zona do euro que começou em 2009 – pelo menos até que o então presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, fizesse em 2012 sua célebre promessa  de que o BCE “faria o que fosse preciso” para salvar o euro. A UE ainda não se comprometeu a “fazer o que for preciso” para negar a vitória da Rússia. O contraste entre o bloco garantir € 750 biliões  (US$ 798 biliões) para o fundo de recuperação da pandemia e lutar para arrecadar até € 100 bilhões  para a luta existencial da Ucrânia na maior guerra do continente desde 1945 reflecte a aversão da Europa a projectos comuns além da esfera económica.

A UE deve mudar – e depressa – para mitigar a ameaça russa à segurança. Isso significa fornecer mais ajuda à Ucrânia, elaborar um plano de emergência para aumentar a produção militar doméstica e adoptar uma Lei de Produção de Defesa (Defense Production Act – DPA, na sigla original em inglês).

Primeiro, a UE deve considerar apoiar a Ucrânia com um programa de empréstimo e arrendamento , semelhante ao que os Estados Unidos usaram para fornecer aos Aliados equipamentos militares, alimentos e outros recursos materiais antes de entrar oficialmente na Segunda Guerra Mundial. Os EUA distribuíram cerca de US$ 50 biliões  (cerca de US$ 800 biliões hoje) em mercadorias, adiando o pagamento.

A maioria dessas dívidas foi paga em “acção conjunta” para a criação de uma ordem económica liberalizada, mas algumas acabaram sendo reembolsadas – o Reino Unido pagou sua parcela final do empréstimo  em 2006. A UE poderia usar empréstimos comuns para financiar esse programa, como o fundo de recuperação da pandemia antes dele. A ameaça representada para o bloco pela guerra da Ucrânia é indiscutivelmente maior do que a da covid-19.

Em segundo lugar, os formuladores de políticas europeus devem elaborar planos de contingência para emergências militares, incluindo a conversão de fábricas civis em instalações de defesa. Afinal, a Ford começou a montar bombardeiros B-24  e a Chrysler passou a fabricar tanques  durante a Segunda Guerra Mundial.

Por fim, uma DPA europeia ajudaria a mitigar os efeitos da agressão híbrida contra a UE por potências hostis, inclusive em infra-estrutura de electricidade, fornecimento de gás e equipamentos de telecomunicações. Também estabeleceria uma estrutura robusta para lidar com a escassez militar e de segurança, com directrizes para aquisições aceleradas, expansão de instalações industriais, gestão de contratos, introdução de controles comerciais e protecção de cadeias de abastecimento.

Esse novo marco legislativo deve seguir os moldes da DPA americana, promulgada em 1950 e que permite ao presidente agilizar e expandir a oferta de materiais e serviços necessários para promover a defesa nacional, amplamente definida, regulando – ou mesmo comandando – indústrias privadas. Por exemplo, durante a crise da COVID-19, as empresas foram obrigadas pela DPA a atribuir a mais alta prioridade  aos contratos governamentais de suprimentos e equipamentos médicos. Além de compras directas e compromissos de compra, a DPA autoriza o uso de outros incentivos financeiros, como empréstimos e garantias, para melhorar a preparação doméstica, o que inclui financiamento de pesquisa e desenvolvimento.

Uma DPA europeia estabeleceria uma estrutura para lidar com ameaças híbridas – e possivelmente mais convencionais – por parte de potências hostis que actuam e ajudaria a acelerar processos de contratação e gastos públicos, preservando ao mesmo tempo os controles e equilíbrios institucionais. A adopção de tal legislação, juntamente com um programa de empréstimo e arrendamento para a Ucrânia e de planos de contingência para emergências militares, representaria um compromisso crível da UE com sua própria defesa e com seu compromisso com a OTAN. Dada a guerra em grande escala no vizinho, é hora do bloco confrontar a realidade: ele precisa se proteger.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

LAURENCE BOONE

Laurence Boone, membro do Conselho Europeu de Relações Exteriores, é ex-secretária de Estado para Assuntos Europeus da França.

NICU POPESCU

Nicu Popescu, membro do Conselho Europeu de Relações Exteriores, é ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e da integração europeia da Moldávia.

 

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