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Entendendo a Insurreição do Brasil

20-01-2023 - Thiago de Aragão e Otaviano Canuto

A revolta de 8 de Janeiro na capital brasileira foi motivada por uma combinação de factores. O delírio, a paixão, a obstinação e o ressentimento dos participantes, bem como sua falta de educação e alfabetização política, todos desempenharam um papel. Embora nenhum desses factores justifique o que aconteceu, eles podem nos ajudar a entender por que isso aconteceu.

Como seu modelo, o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, o presidente derrotado do Brasil, Jair Bolsonaro, distorceu a narrativa e criou as condições que levaram seus seguidores a atacar a sede da governação democrática. Bem antes de perder sua tentativa de reeleição em 2020, Trump havia semeado dúvidas sobre o processo, dizendo a seus apoiantes que a fraude era provável. Bolsonaro fez o mesmo, sugerindo a seus seguidores que, se perdesse a eleição de 2022, deveriam concluir que esta foi fraudada contra ele.

Em ambos os casos, os governantes prepararam o terreno para contestar os resultados das eleições e fomentar a indignação entre seus partidários. E uma vez que eles realmente perderam, seus seguidores tinham um alvo claro. Enquanto Trump acabou mobilizando seus apoiantes para contestar o processo de certificação de votos no Senado dos EUA, onde o vice-presidente Mike Pence era o presidente, Bolsonaro se concentrou na questão das urnas electrónicas, administradas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob a liderança do Ministro Alexandre de Moraes.

Como Bolsonaro não tinha evidências concretas para mostrar que as urnas electrónicas eram vulneráveis, ele se baseou na velha máxima: “Se você não pode convencê-los, confunda-os”. Muitos de seus partidários já estavam de olho no TSE e em Moraes antes da eleição. Quando Bolsonaro perdeu apenas por uma margem estreita, mesmo com seu partido tendo um bom desempenho nas eleições parlamentares, o resultado parecia corroborar seus alertas pré-eleitorais sobre um iminente golpe comunista (pelo menos na mente de seus apoiantes).

Então, nas semanas seguintes à eleição, falsos relatórios, distorcidos e exagerados de irregularidades eleitorais foram bombeados para a base de Bolsonaro por meio de mídias sociais  e outros canais. Consumidos pela insatisfação, muitos começaram a imaginar que o resultado ainda poderia ser revertido.

O primeiro passo foi negar a legitimidade do governo recém-eleito, para justificar a suspensão das regras habituais. Os acontecimentos de 8 de Janeiro decorreram da crença colectiva dos participantes, que sucedeu os sinais que receberam do ex-presidente e seus aliados, de que a violência e outros comportamentos ilegais se justificavam diante de um ato de “ilegalidade” ainda maior.

Embora as implicações totais de 8 de Janeiro ainda não tenham sido inteiramente vistas, já podemos traçar alguns dos efeitos imediatos. Primeiro, não há como negar que o bolsonarismo deu um tiro no próprio pé. Mesmo que os ataques a prédios do governo tenham sido espontâneos, eles revelaram uma falha do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, aliado de Bolsonaro, em fornecer segurança pública básica. E se foram premeditados, demonstraram total falta de maturidade dos que planearam.

De qualquer forma, a imagem do bolsonarismo ficou ainda mais manchada. Quaisquer futuras manifestações pacíficas serão monitorizadas de perto, e a maioria dos políticos tradicionais que estavam alinhados com Bolsonaro provavelmente não vão querer desempenhar um papel de liderança na oposição oficial. Bolsonaro quer liderar a oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva dentro das instituições políticas brasileiras ou quer liderar um movimento de oposição nas ruas?

Ele não pode ter as duas coisas. Para liderar a oposição formal, Bolsonaro terá que condenar a insurreição de forma inequívoca; mas se ficar do lado dos insurgentes, fortalecerá a posição de Lula perante o Congresso. Afinal, o dia 8 de Janeiro reuniu inúmeros parlamentares do governo e da oposição, e Lula buscará retirar o apoio de políticos de centro-direita que questionam seus vínculos com o ex-presidente.

O governo de Lula prometeu uma investigação completa da insurreição, incluindo como ela foi financiada e planeada. Centenas de participantes foram presos e serão processados. Uma questão premente é como a informal oposição de rua responderá agora que Moraes removeu temporariamente Rocha. Os aliados de Bolsonaro que lideram outros estados poderiam ter destino semelhante?

Muito vai depender do que Lula, o ministro da Defesa, José Múcio, e o ministro da Justiça, Flávio Dino, fizerem nos próximos dias. Se eles cederem ao sentimento de indignação, arriscarão fortalecer a oposição nas ruas. Eles precisam escolher se querem focar nos actos que podem ser processados ​​de acordo com a lei. Visar seus inimigos de forma mais ampla apenas perpetuaria o padrão de polarização, banalizando ainda mais termos como “fascista” e “comunista”. Mas se o governo garantir a responsabilização por actos criminosos, poderá reforçar a mensagem de que qualquer ataque às instituições democráticas, independentemente de vir da esquerda ou da direita, será respondido com a aplicação rápida do estado de direito.

De forma mais ampla, o dia 8 de Janeiro mostra o que pode acontecer quando a democracia é entendida apenas como um processo, e não como um valor central. Com o bolsonarismo auto desacreditado, a democracia brasileira não está imediatamente em risco. Mas isso pode mudar rapidamente, a menos que os brasileiros desenvolvam uma apreciação mais madura de como e por que funcionam os processos da democracia.

Tradução de Anna Maria Dalle Luche, Brazil

THIAGO DE ARAGÃO

Thiago de Aragão, Director Executivo de Relações Públicas da Arko Advice, é pesquisador associado sénior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.

OTAVIANO CANUTO

Otaviano Canuto, ex-vice-presidente e director executivo do Banco Mundial e director executivo do Fundo Monetário Internacional, é membro sénior não residente da Brookings Institution e membro sénior do Policy Center for the New South.

 

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