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Miguel Guimarães: "Já se deveria estar a tomar medidas para proteger os doentes não covid"

07-01-2022 - Ana Mafalda Inácio

Em entrevista ao DN o bastonário dos médicos, Miguel Guimarães, faz um balanço dos últimos tempos da pandemia. E diz que as medidas tomadas em Dezembro foram as correctas, mas devem ser reavaliadas. Defende ainda que o Estado já deveria ter acordos de colaboração integrada com os sectores privado e social para tratar e acompanhar doentes covid, de forma a libertar os médicos de família para os seus doentes habituais. Quanto às escolas, não concorda em adiar o início do segundo período. "Seria uma mensagem contraditória."

O governo avalia amanhã, dia 5, as medidas decididas a 21 de dezembro. Considera que devem ser tomadas mais medidas?
As medidas que foram programadas são as corretas. O governo fez um plano para a situação epidemiológica que tínhamos há 15 dias, que me pareceu sensato. Não é um plano excessivo, dado que o número de pessoas com doença grave é baixo, apesar de, neste momento, haver muito ruído na comunicação social, quer da parte de alguns especialistas quer da parte de quem gere a pandemia, sobre o número de casos. Mas as medidas pareceram-me adequadas, embora tenha de ressalvar que o impacto dos números que tivemos no final da semana passada só venha a ser conhecido, em termos de doença grave e de óbitos, daqui a uma semana ou dez dias.

Na semana passada, houve quatro dias em que se passou a barreira dos 20 mil e 30 mil casos. As medidas não deveriam ser reforçadas?
Para dar uma resposta concreta à sua pergunta neste momento precisava de saber duas coisas. Em primeiro lugar, o que está a acontecer com os doentes graves, que é uma informação que a Direção-Geral da Saúde [DGS] continua a não divulgar passados quase dois anos da pandemia. É uma vergonha. É o único país da Europa em que é assim. Ou seja, precisávamos de saber a idade dos doentes, os fatores de risco ou comorbilidades que têm - por exemplo, se são obesos ou se têm insuficiência cardíaca -, qual é o seu estado vacinal e a gravidade da doença que desenvolveram.

Porquê?
Porque o que se tem dito é que a maioria das pessoas que têm morrido não estavam vacinadas, mas não temos dados sobre isto. Não sabemos se há tantas pessoas com doença grave vacinadas ou não vacinadas. E isto é fundamental para percebermos se a vacinação não está a fazer efeito em algumas pessoas e há quanto tempo. É fundamental termos o perfil da gravidade da doença, quais são os fatores de risco que estão a agravar a evolução da doença. Não sabemos se estes fatores de risco são os mesmos de há dois anos. Por exemplo, era preciso saber até que ponto é que a introdução da vacinação pode ter tido um efeito benéfico, ou não, em alguns dos potenciais fatores de risco que foram identificados anteriormente. Por isso, é importante perceber qual é o estado vacinal dos doentes. Eu suspeito de que muitas das pessoas que desenvolveram doença grave e que estão a morrer já tinham feito vacinação completa há mais de seis meses, mas, como digo, não há dados. Por outro lado, e em relação à pergunta que me fez, sobre o reforço das medidas, é também importante sabermos o impacto que o número elevado de casos da semana passada vai ter na doença mais grave, em internamentos e em óbitos, porque este quadro não era o que existia quando o governo definiu as medidas em vigor. Considero que, na altura, estas eram as corretas, mas, obviamente, a situação terá de ser avaliada.

As medidas em vigor foram tomadas a 21 de dezembro. Vão ser avaliadas amanhã. Concretamente, acha que é possível aligeirá-las ou que devem ser reforçadas?
Neste momento, aligeirar as medidas seria catastrófico. Quando ouço alguns peritos dizerem que se calhar esta é a altura certa para a imunidade natural, não sei se estes têm a noção clara do que é a imunidade natural, porque isto é estar a dizer às pessoas para esquecerem as máscaras e as vacinas e infetarmo-nos todos. Penso que isto iria resultar numa experiência tão má que não vale a pena experimentarmos.

"Quando ultrapassarmos esta fase difícil e conseguirmos estabilizar a situação, penso que rapidamente vamos poder começar a fazer a nossa vida o mais normal possível, eventualmente já na primavera. No verão, o mais tardar, já teremos uma vida completamente normal. Depois, penso que a estratégia a seguir será a de fazermos uma vacina por ano."

Porque diz isso?
Porque o sistema de saúde rebentava. E quando falo de sistema de saúde, falo dos setores público, privado e social. Teríamos muito mais infetados, muito mais gente com doença grave e a morrer. Portanto, diria mesmo que é a pior altura para se pensar numa coisa destas, até porque a altura é propícia ao vírus. Se há coisa que este vírus já nos mostrou nos quase dois anos de atividade é que tem uma atividade muito grande no inverno e reduzida no verão, tal como todos os outros vírus respiratórios. Portanto, quando ultrapassarmos esta fase difícil e conseguirmos estabilizar a situação, penso que rapidamente vamos poder começar a fazer a nossa vida o mais normal possível, eventualmente já na primavera. No verão, o mais tardar, já teremos uma vida completamente normal. Depois, penso que a estratégia a seguir será a de fazermos uma vacina por ano.

Isso vai acontecer já neste ano?
Julgo que sim. Uma vacina por ano, mas depois terão de ser tomadas outras decisões, como: se vacinamos uma vez no ano todas as pessoas ou se vacinamos só as mais velhas, porque a partir do momento que se assume que há mais circulação do vírus, se calhar não se justifica vacinar todas as pessoas, mas só as mais frágeis, que, mesmo assim, ainda são muitas. Penso que teremos sempre de vacinar as pessoas com mais de 65 anos ou acima dos 50, mas tudo vai depender dos dados todos que tivermos sobre o impacto da doença.

Concretamente em relação a medidas que o governo possa tomar já nesta quarta-feira, o que pode ser feito mais?
Pode alargar-se o período de obrigatoriedade de teletrabalho e introduzir mais uma ou outra medida concreta que possa ajudar a reduzir a disseminação da infeção, mas, como lhe digo, estar a avançar com medidas sem ter acesso aos dados que referi e uma noção clara da situação dos doentes graves que estão internados é difícil.

Embora ainda não tenha os dados todos, admite que as medidas possam ser reforçadas?

Admito que possam ser reforçadas temporalmente, como o prolongamento do teletrabalho.

"Não me parece que seja muito sensato não reiniciar a escola no tempo previsto, o que já vai acontecer mais tarde do que é normal".

E as escolas? A diretora-geral disse que o início do segundo período poderia ser adiado, dependendo da situação, embora este cenário não esteja em cima da mesa...
Penso que não vai ser necessário e que não é esse o caminho a seguir. Estamos a vacinar as crianças e vão fechar as escolas mais tempo? Isso seria passar uma mensagem contraditória à sociedade civil. A vacinação das crianças tem sido polémica, se calhar até mais polemizada do que realmente se justifica, mas as pessoas perceberam a mensagem de que era importante vacinar as crianças para as proteger e para proteger a sociedade. Ora, se as crianças estão vacinadas e protegidas contra o vírus, e se habitualmente já têm poucos sintomas, porque a doença desce com a idade, não me parece que seja muito sensato não reiniciar a escola no tempo previsto, o que já vai acontecer mais tarde do que é normal. É uma situação diferente do prolongamento do teletrabalho, porque esta é uma medida que não tem um prejuízo direto na atividade económica. Parte-se do princípio de que o teletrabalho tem a mesma eficácia do trabalho presencial e estou convencido de que vai ser uma medida que se manter no futuro, não como obrigatório, a 100%, mas de forma parcial, até para tornar as grandes metrópoles mais saudáveis.

O número elevado de casos que estamos a ter já está afetar os doentes não covid?
Isso é outro problema. Uma coisa são as medidas de contenção da infeção que foram tomadas e me pareceram adequadas, outra são os doentes não covid. A ministra da Saúde já deveria ter tomado medidas para proteger estes cidadãos no acesso aos cuidados de saúde e na assistência contínua. Não convém esperar mais tempo. É quase uma obrigação moral e ética que temos perante os cidadãos portugueses, cada dia que se perde é brutal.

Que tipo de medidas?
Agora, tomou-se a decisão de reduzir o número de dias de isolamento de dez para sete, parece-me bem, embora considere que poderíamos ter ido mais longe, mas, mais uma vez, esta medida foi posta em prática uma semana depois e não incluiu as pessoas que testaram positivo e que têm sintomas ligeiros. Mas há uma outra questão que é fundamental para o combate da pandemia, sobretudo para ajudar os médicos a terem mais tempo para ver os doentes sem covid. Veja, não podemos esquecer que os doentes com covid que estão a ser seguidos em ambulatório já são mais de 200 mil. É a estes que os médicos de família têm de ligar todos os dias para registar o seu estado na plataforma Trace Covid, mas à medida que o número de doentes aumenta, não só não conseguem ligar a todos como não conseguem ver os seus doentes habituais, que já estão a ficar para trás. E a maior parte dos doentes com covid não precisam de ter um seguimento especial. Fazemos esse seguimento aos doentes com insuficiência cardíaca, com diabetes ou com outras doenças crónicas, não aos doentes com um vírus sazonal.

Quer especificar?
O que temos hoje é uma maioria de doentes infetados com covid-19 que estão assintomáticos ou com sintomas ligeiros e que estão a ser acompanhados em casa, porque não precisam de tratamento hospitalar. Portanto, estes doentes deveriam ter uma linha específica, embora se usasse a linha SNS24. Só se a situação não evoluísse de acordo com o que está previsto e a sintomatologia se agravasse é que os doentes deveriam ligar para esta linha para falarem com um médico ou enfermeiro - já agora, essa linha deveria ter médicos, para não acontecer o que tem vindo a acontecer com a linha SNS24, onde se dá informações contrárias às pessoas -, para saberem se deveriam manter-se em casa, falar com o seu médico de família ou ir às urgências. Com esta linha telefónica já era possível retirar uma parte dos doentes com covid-19 aos médicos de família para que estes passassem a estar mais disponíveis para os seus doentes habituais.

"Cada vez que um médico de família passa uma tarde ou uma manhã a ligar para 20, 30 ou mais doentes com covid, não está a fazer consultas aos seus doentes habituais ou novos diagnósticos. E todos os dias há doentes que acabam por ficar para trás. Nos hospitais, consequentemente, isto também já está a acontecer".

E os doentes mais graves?
Para os doentes com sintomas mais graves, mas que continuam a ser seguidos em casa, porque agora já não temos o mesmo critério para internar doentes que tínhamos há um ano, os critérios são mais apertados, o Estado já deveria ter ativado a colaboração com os setores privado e social para ter mais camas. Ou seja, já deveria haver doentes com covid que poderiam estar a ser tratados e internados nos hospitais privados e do setor social, em vez de continuarem todos no SNS. O Estado já deveria ter assegurado este tipo de colaboração e contratado grupos específicos de médicos ou empresas de prestação de serviços para a tarefa do Trace Covid. Esta medida é fundamental para se proteger os doentes não covid. Os médicos de família têm de estar mais disponíveis para continuarem a diagnosticar e a tratar os doentes sem covid.

O que é que já está a ser deixado para trás? A Ordem têm noção dessa realidade?
Temos algum feedback, porque cada vez que um médico de família passa uma tarde ou uma manhã a ligar para 20, 30 ou mais doentes com covid, o número cresce todos os dias, porque não está a fazer consultas aos seus doentes habituais, não está a fazer novos diagnósticos. E todos os dias há doentes que acabam por ficar para trás. Nos hospitais, consequentemente, isto também já está a acontecer. Não temos ideia de um número, mas temos este feedback. E o maior impacto de tudo isto é sentido pelos doentes que não chegam a entrar no sistema, porque aqueles que chegam aos centros de saúde ou aos hospitais são identificados e tratados. O problema são os que não foram diagnosticados, que não fizeram os rastreios e que podem ter um cancro e não sabem. Portanto, o número de doentes sem rosto é grande e não podemos baixar a guarda. Temos de dar uma resposta concertada às duas situações, covid e não covid, até porque, neste momento, os doentes com doença grave por covid-19 são relativamente poucos. Se tivéssemos uma resposta concertada com os setores social e privado, poderíamos manter a resposta aos doentes sem covid.

E como é que se traduziria essa resposta concertada?
Com os sectores social e privado a seguirem os doentes com covid-19 que estão no domicílio. Esta é uma hipótese. Senão continuamos com uma linha SNS24 que não consegue dar respostas e a criar uma entropia negativa no sistema. Sem respostas, as pessoas vão às urgências. Não estou a dizer que a responsabilidade é de quem faz a linha SNS24, a responsabilidade é de quem gere e não teve a capacidade de antecipar o que ia acontecer e de tomar as medidas necessárias para dar resposta à situação. A linha SNS24 já deveria ter sido reforçada para dar resposta à situação atual.

O número de infeções está a aumentar na população em geral, o que se passa com os médicos? Há mais infetados, mais em isolamento? A situação está a afetar a funcionalidade dos serviços?
Não temos esses dados na totalidade. Vamos sabendo de alguns casos em vários hospitais, mas esperamos que com a redução do tempo de isolamento tudo possa melhorar. Esta medida vai ter um papel importante nos serviços, mas deveríamos saber exatamente quantos médicos estiveram infetados e quantos ficaram em isolamento profilático, e quando falo de médicos falo dos outros profissionais da saúde.

Uma última questão sobre o comportamento dos portugueses. Estão cansados da pandemia, mas o que devem fazer?
Devem estar tranquilos. O facto de termos um número tão elevado de infetados pode ser um sinal de preocupação, mas não um sinal de alarmismo e de intranquilidade - a esmagadora maioria da população está vacinada. Em segundo lugar, devem pensar que a situação que estamos a viver não se combate só com medidas do governo, não depende só das instituições, nomeadamente da DGS ou das ordens profissionais, depende de cada um de nós. As pessoas que cumprirem as regras definidas, como o uso correto da máscara, o que é fundamental em qualquer circunstância, quer seja na rua ou em espaços interiores, que higienizem frequentemente as mãos e que mantenham algum distanciamento social correrão menos riscos. Por fim, as pessoas que ainda não se vacinaram deveriam fazê-lo e as que têm mais de 70 anos e ainda não fizeram a dose de reforço, também a deveriam fazer.

Fonte: DN.pt

 

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