Edição online quinzenal
 
Quinta-feira 28 de Março de 2024  
Notícias e Opnião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 

O RESISTENTE AUMENTO DO CONFLITO EUA-CHINA

19-11-2021 - Dani Rodrik

As políticas económica e externa do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, podem representar um forte afastamento daquelas de seu antecessor, Donald Trump. Mas, no que diz respeito às relações com a China, Biden manteve em grande parte a linha dura de Trump –  recusando-se, por exemplo, a reverter os aumentos de tarifas de Trump sobre as exportações chinesas e alertando  sobre novas e punitivas medidas comerciais.

Isso reflecte o endurecimento generalizado das atitudes dos EUA em relação à China. Quando a revista Foreign Affairs recentemente perguntou aos  principais especialistas americanos se “a política externa americana tornou-se muito hostil à China”, quase metade dos entrevistados (32 de 68) discordou ou discordou firmemente – sugerindo uma preferência por uma postura ainda mais dura dos EUA em relação à China.

Para os economistas, que tendem a ver o mundo em termos de soma positiva, isso é um enigma. Os países podem tornar a si mesmos e aos outros melhores cooperando e evitando conflitos.

A aplicação mais clara desse princípio são os ganhos do comércio que os países obtêm – o pão com manteiga dos economistas profissionais. Geralmente é benéfico de todo país abrir seus mercados domésticos para outros. Mas a mesma ideia se estende também a domínios políticos onde pode haver tensões entre interesses domésticos e globais. Sim, os países poderiam adoptar políticas de ‘empobrecimento-do-vizinho’, como restringir o acesso aos mercados domésticos para melhorar seus termos de troca, ou ajuda em bens públicos globais, como políticas de descarbonização. Mas não seria melhor se eles se abstivessem de tais acções para que pudessem colectivamente fazer melhor?

Em contrapartida, estrategistas geopolíticos tendem a ver o mundo em termos de soma zero. Os Estados nações competem pelo poder – a capacidade de submeter os outros à sua vontade e perseguir os próprios interesses sem obstáculos -o que é necessariamente relativo. Se um país tem mais poder, seu rival precisa ter menos. Esse mundo é necessariamente conflituoso, já que grandes potências (Estados Unidos) ou potências em ascensão (China) disputam o domínio regional e global.

Em um  recente artigo , John Mearsheimer, da Universidade de Chicago, fornece uma articulação vigorosa dessa visão. Mearsheimer estava entre os que participaram da pesquisa do Foreign Affairs que discordaram veementemente da proposição de que a política dos EUA pode ter se tornado hostil demais em relação à China. “Todas as grandes potências, sejam democracias ou não”, escreve ele, “têm pouca escolha a não ser competir pelo poder no que é basicamente um jogo de soma zero”. As implicações para as relações EUA-China são sombrias: a China está fadada a querer expandir seu poder e os EUA não têm outra opção a não ser tentar contê-la. Essa perspectiva representa um desafio importante para economistas e outros que acreditam na viabilidade de um mundo estável, pacífico e amplamente cooperativo no qual Estados Unidos e China possam prosperar juntos.

Teóricos "realistas" das relações internacionais, como Mearsheimer e meu colega da Universidade de Harvard, Stephen Walt, estão obviamente correctos quando argumentam contra a "liberal" presunção de que os mercados abertos nos EUA e o multilateralismo baseado em regras  produziriam uma China que se pareceria "mais connosco”. A política americana de engajamento com a China, seguida até a posse de Trump, pode ter ajudado a China a ficar mais rica, mas não tornou o país nem mais democrático nem menos propenso a competir por poder e influência.

Mas será que uma China com um sistema político e económico definitivamente diferente e interesses estratégicos próprios implica em inevitável conflito com o Ocidente? Talvez não. O argumento dos realistas sobre a primazia do poder depende de suposições que precisam ser qualificadas.

Em primeiro lugar, embora os estados devam priorizar a segurança nacional e a sobrevivência acima de tudo, há uma grande lacuna entre atingir esses objectivos mais restritos e maximizar o poder. Os EUA estariam protegidos da aniquilação ou invasão, mesmo sem uma presença militar em todos os continentes. O historiador Stephen Wertheim tem argumentado  que a visão expansionista da política externa dos EUA tem sempre competido com uma abordagem mais contida, de forma enganosa e desdenhosa rotulada de “isolacionismo”. A integridade territorial da China permanecerá incontestada, mesmo sem o golpe de sabre em relação aos vizinhos. Além de uma linha de segurança básica, a busca pelo poder compete com outras metas nacionais, como a prosperidade económica doméstica, que exige menos bullying no cenário mundial.

Isso é verdade, como os realistas gostam de apontar, que o mundo carece de um aplicador de regras. Não existe um governo mundial que garanta que os estados ajam de acordo com regras que possam ter interesse em promulgar, mas pouco interesse em seguir. Isso torna a cooperação mais difícil de obter – mas não totalmente. Na teoria dos jogos, a experiência do mundo real e os experimentos de laboratório sugerem que a reciprocidade induz a cooperação. A aplicação de regras por terceiros não será necessariamente exigida para obter-se um comportamento cooperativo em repetidas interacções.

Por fim, também é verdade que a incerteza e o risco de mal interpretar as intenções de outros Estados dificultam as perspectivas de cooperação internacional entre as grandes potências. As medidas puramente defensivas – sejam económicas ou militares – provavelmente serão percebidas como ameaças, acumulando-se em um ciclo vicioso de escalada. Mas esse problema também pode ser mitigado até certo ponto. Como Walt e eu argumentamos, o que pode ajudar é uma estrutura  que facilite a comunicação e incentive a mútua justificação de ações que podem ser mal interpretadas pelo outro lado.

Mearsheimer não acredita que o design institucional criativo possa fazer muita diferença. “A força motriz por trás da rivalidade entre as grandes potências [EUA-China] é estrutural”, escreve ele, “o que significa que o problema não pode ser eliminada com formulação de políticas inteligentes”. Mas a estrutura não determina totalmente o equilíbrio em um sistema complicado em que a definição dos interesses nacionais, as estratégias adoptadas e as informações disponíveis aos atores dependem, até certo ponto, de nossas escolhas.

A estrutura de rivalidade entre grandes potências pode excluir um mundo de amor e harmonia, mas não exige um imutável mundo de conflito. Isso não exclui nenhuma das inúmeras alternativas que se encontram entre esses extremos. Estrutura não é destino: Mantemos a agenda para criar uma ordem mundial melhor (ou pior).

DANI RODRIK

Dani Rodrik, professor de Economia Política Internacional na Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade de Harvard, é presidente da Associação Económica Internacional e autor de Straight Talk on Trade: Ideas for a Sane World Economy.

 

Voltar 


Subscreva a nossa News Letter
CONTACTOS
COLABORADORES
 
Eduardo Milheiro
Coordenador
Marta Milheiro
   
© O Notícias de Almeirim : All rights reserved - Site optimizado para 1024x768 e Internet Explorer 5.0 ou superior e Google Chrome