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COMO É QUE A DEMOCRACIA PODE VENCER NOVAMENTE

24-09-2021 - Gergely Karácsony

O meu despertar político coincidiu com as mudanças sistémicas que se desenrolaram após o desmoronamento do comunismo na Hungria, em 1989. Fiquei fascinado e muito feliz com a rápida democratização do meu país. Quando era adolescente, convenci a minha família a levar-me de carro até a fronteira austríaca para testemunhar o desenrolar da história: o desmantelamento da Cortina de Ferro, que permitiu que refugiados da Alemanha Oriental fossem para o Ocidente. Ao ler muitas novas publicações e ao participar em comícios de partidos políticos democráticos recém-formados, fui arrebatado pelo clima de esperança ilimitada para o nosso futuro.

Hoje, esses sentimentos assemelham-se a uma ingenuidade infantil ou, pelo menos, ao efeito de um estado de espírito idílico. Tanto a democracia como o futuro da civilização humana estão agora em grave perigo, assolados por crises multifacetadas e sobrepostas.

Três décadas após a queda do comunismo, somos novamente forçados a enfrentar as forças políticas antidemocráticas na Europa. As suas acções assemelham-se, muitas vezes, às dos comunistas da velha guarda, só que agora navegam numa plataforma de populismo autoritário e nativista. Eles ainda reclamam, como os comunistas de antigamente, sobre os “agentes estrangeiros” e os “inimigos do Estado” – referindo-se a qualquer pessoa que se oponha aos seus valores ou preferências políticas – e ainda menosprezam o Ocidente, muitas vezes usando os mesmos termos caluniosos que ouvíamos durante o comunismo. As suas práticas políticas corroeram as normas e instituições democráticas, destruindo a esfera pública e fazendo uma lavagem cerebral aos cidadãos através de mentiras e manipulação.

O populismo nativista tem tendência a orientar-se para um único propósito: monopolizar o poder do Estado e todos os seus activos. No meu país, o regime do primeiro-ministro, Viktor Orbán, cativou quase todo o Estado através da hábil manipulação das instituições democráticas e da corrupção da economia. As eleições parlamentares do próximo ano (nas quais serei adversário de Orbán) mostrarão se a conquista do Estado na Hungria ainda pode ser invertida.

Acredito que possa ser. Mas considerar os populistas totalmente responsáveis ​​pela erosão da nossa democracia é confundir causa e efeito. As raízes das nossas falhas democráticas são mais profundas do que o nacionalismo fervoroso, o conservadorismo social e a ânsia de restringir os direitos constitucionais do partido que está no poder. À semelhança da ascensão de partidos políticos não liberais nas democracias ocidentais mais antigas, o retrocesso democrático na Europa Central e Oriental deriva de questões estruturais como a injustiça social e a desigualdade predominantes. Estes problemas devem-se em grande parte à má administração e ao abuso do processo de privatização e de transição para uma economia de mercado pós-1989.

Democracias mais antigas e bem estabelecidas estão a vivenciar resultados sociais distorcidos de forma semelhante. Com o desenvolvimento de um Estado de bem-estar social nas décadas imediatamente a seguir ao pós-guerra (um período que o demógrafo francês, Jean Fourastié, chamou de “les trente glorieuses”), o crescimento económico nas democracias ocidentais permitiu uma expansão massiva da classe média. Mas isso foi seguido por uma onda de desregulamentação neoliberal e políticas económicas e sociais de mercado fundamentalistas, cujos resultados se têm tornado claramente visíveis nos nossos dias.

Mais do que qualquer outra coisa, foi a dissociação radical entre o crescimento económico e o bem-estar social que permitiu que o génio populista não liberal saísse da sua lâmpada e fez estremecer o consenso democrático em muitos países.

Pior ainda, a nossa geração está amaldiçoada com mais do que “apenas” uma enorme agitação política e social. Também enfrentamos uma crise climática que questiona as próprias condições prévias sobre as quais as sociedades modernas estão organizadas. Os progressistas como eu também vêem isso como uma consequência directa do funcionamento do nosso sistema económico. O crescimento económico infinito e desregulado – a dinâmica central do capitalismo – simplesmente não é compatível com a vida num planeta com recursos finitos. Da maneira que as coisas estão, o nosso sistema capitalista impulsiona mais extracção e gera mais  emissões todos os anos.

Perante tais desafios, não nos podemos permitir sucumbir ao fatalismo ou à apatia. Afinal, os progressistas devem acreditar na promessa do progresso humano. As nossas instituições e políticas económicas podem ser adaptadas para dar conta das circunstâncias em mudança. As injustiças que afastam as pessoas da democracia podem ser corrigidas. Os canais para o diálogo democrático podem ser restabelecidos.

Como presidente da câmara de Budapeste, uma importante cidade europeia, posso confirmar que a governação local é importante. Seja através do compromisso democrático, da redução de emissões ou do investimento social (áreas onde já fizemos avanços significativos, apesar da forte resistência do regime de Orbán), os governos locais estão bem posicionados para melhorar a vida dos cidadãos. E ao fazê-lo, também podemos criar sinergias e novos modelos que contribuirão para uma mudança progressiva em maior escala. Por isso, além das nossas próprias acções, a cidade de Budapeste está ansiosa para contribuir em todos os esforços internacionais que tenham como objetivo a preservação da democracia e um planeta habitável.

Para esse fim, realizaremos este mês o Fórum de Budapeste para a Construção de Democracias Sustentáveis, para reunir um vasto leque de partes interessadas, incluindo presidentes de câmara, representantes da União Europeia, aticistas e académicos influentes. Os participantes discutirão estratégias para enfrentar os desafios políticos mais urgentes da nossa era e, em seguida, fornecerão recomendações de políticas viáveis ​​e viradas para o futuro.

Como parte do fórum, Budapeste também organizará uma cimeira do Pacto de Cidades Livres para criar uma rede global mais ampla de presidentes de câmara e líderes municipais progressistas que estejam comprometidos com a defesa da democracia e do pluralismo. Mais de 20 líderes municipais – de Los Angeles a Paris e de Barcelona a Taipei – estão a unir-se a uma aliança criada pelos presidentes de câmara das capitais do grupo Visegrád Four (República Checa, Hungria, Polónia e Eslováquia), em Dezembro de 2019.

Martin Luther King, Jr. disse que aqueles que desejam a paz devem aprender a organizar-se de forma tão eficaz como aqueles que desejam a guerra. O mesmo se aplica à democracia. Com o Fórum de Budapeste e o Pacto de Cidades Livres, Budapeste pretende ajudar a organizar forças de todos os segmentos da sociedade para garantir um futuro democrático e habitável na Europa Central e Oriental, e além. Temos de vencer a luta intelectual contra o populismo nativista e a luta civilizacional contra as alterações climáticas – e temos de fazer as duas coisas ao mesmo tempo.

GERGELY KARÁCSONY

Gergely Karácsony é prefeito de Budapeste e candidato a primeiro-ministro da Hungria.

 

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