Paris recusa austeridade imposta por Bruxelas
10-10-2010 - Daniel Ribeiro (*)
Comissão Europeia ameaça rejeitar o Orçamento francês para 2015. Governo de Paris, longe de cumprir compromisso sobre metas do défice, responde: "Não faremos mais do que já fazemos".
É um interessante braço de ferro entre Paris e Bruxelas que seguirão, certamente com particular atenção, Portugal e os outros países europeus que foram obrigados a aplicar severas medidas de austeridade para satisfazer Bruxelas sobre os níveis da dívida pública e as metas do défice.
A França, cujo défice previsto para 2015 é de 4,3%, muito longe dos 3% que Paris se comprometeu a atingir, recusa aplicar mais cortes e medidas de austeridade. De acordo com informações que circulam em Paris, Bruxelas exige que o Governo francês corte no próximo Orçamento mais oito mil milhões de euros, além dos 21 mil milhões previstos no atual projeto da lei de finanças.
"Não faremos mais do que os 21 mil milhões de economias, nunca poupámos tanto como agora, não podemos acrescentar mais cortes, seria incoerente", disse o ministro das Finanças, Michel Sapin, esta manhã.
No Palácio presidencial do Eliseu, fontes autorizadas respondem aos jornalistas no mesmo sentido e acrescentam: "O projeto de Orçamento será transmitido à Comissão europeia a 15 de outubro, todas as discussões sobre este assunto são prematuras".
Negociações de bastidores
Segundo o diário "Le Fígaro" desta terça-feira, decorrem atualmente negociações de bastidores - "ao mais alto nível" - entre François Hollande, chefe de Estado Francês, e Durão Barroso e Jean-Claude Juncker, respetivamente presidentes cessante e futuro da Comissão (o luxemburguês assumirá funções no início de novembro).
Segundo se depreende do que escreve este jornal, o confronto Paris-Bruxelas poderá ser limitado porque, por um lado, Barroso não deseja terminar o seu mandato deixando uma crise grave na zona euro entre a Comissão e um dos seus principais países membros e, por outro lado, Juncker também não desejará iniciar funções com um complicado braço de ferro com Paris.
No entanto, os ingredientes para uma crise entre as duas partes existem e são evidentes: Paris recusa cumprir os compromissos que assinou sobre as metas do défice para 2015 e pede um novo adiamento para 2017, ano de eleições presidenciais e legislativas em França.
As negociações entre Paris e Bruxelas são complicadas porque a França apenas parece ter apoio claro da Itália. A Alemanha, bem como os países que foram obrigados a aplicar duros planos de austeridade, como Portugal, serão em princípio contra um tratamento especial para a França.
Para fazer ceder Bruxelas e evitar um chumbo do seu Orçamento, Paris argumenta com o fraco crescimento na Europa e a seriedade das suas reformas - o primeiro-ministro Manuel Valls foi recentemente defendê-las a Berlim e a Londres. O Governo de Valls argumenta também com a ameaça da extrema-direita antieuropeia em França: uma sondagem deste fim de semana indica que Marine le Pen chegaria hoje em primeiro lugar em caso de primeira volta de eleições presidenciais e poderia mesmo conquistar a presidência da República se disputasse a segunda volta contra o atual locatário do Eliseu, François Hollande.
Além disso, Paris avança também com o peso dos deputados da ala esquerda da maioria socialista que ameaçam chumbar o Orçamento se o Governo optar por mais cortes.
Alguns comentadores pensam que as duas partes chegarão a acordo nos bastidores para salvar a face. Paris prometerá fazer cortes de mais dois ou três mil milhões do que os previstos no seu projeto de Orçamento e a Comissão fechará os olhos sobre esta certeza: François Hollande nunca cumprirá os compromissos do défice durante o seu mandato de cinco anos, que termina na primavera de 2017.
(*) CORRESPONDENTE EM PARIS
Fonte: Expresso Diário
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