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Gonçalo Ribeiro Telles, o ambientalista visionário

13-11-2020 - Susete Francisco, David Pereira, Susana Salvador

Muitas vezes apontado como o "pai" da ecologia em Portugal, o arquiteto e político morreu esta quarta-feira aos 98 anos. Marcelo já lembrou o amigo de longa data e Costa fala numa perda inestimável, tendo decretado um dia de luto nacional, na quinta-feira.

Foi ele quem lançou a proteção legal aos parques naturais, quem implementou o conceito dos jardins urbanos, defensor de sempre da conciliação entre o espaço rural e o citadino. Ambientalista quando poucos se perfilavam nesse campo, Gonçalo Ribeiro Telles, decano dos arquitetos paisagistas portugueses, morreu nesta quarta-feira, aos 98 anos.

Gonçalo Ribeiro Telles nasceu em Lisboa no dia 25 de maio de 1922. Licenciou-se em Engenharia Agrónoma pelo Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa, a mesma instituição onde se formou em Arquitetura Paisagista.

Iniciou a vida profissional na Câmara de Lisboa, onde integrou durante alguns anos o departamento de Arborização e Jardinagem, passando em 1955 a assumir funções de arquiteto paisagista no recém-criado Gabinete de Estudos de Urbanização.

Um dos grandes projetos da sua carreira foi o desenho dos jardins da Fundação Calouste Gulbenkian, um projeto em coautoria com António Viana Barreto, que lhe valeu o Prémio Valmor de 1975. Mas este está muito longe de ser o único projeto que, em Lisboa, leva a sua assinatura.

Jardins da Fundação Calouste Gulbenkian foram projetados com o traço do arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles.

Foi Gonçalo Ribeiro Telles quem desenhou, entre 1998 e 2002, um conjunto de projetos que define as estruturas verdes principais e secundárias da área metropolitana de Lisboa - o Vale de Alcântara e a Radial de Benfica, o Vale de Chelas, o Parque Periférico, o Corredor Verde de Monsanto e a Integração na Estrutura Verde Principal de Lisboa da Zona Ribeirinha Oriental e Ocidental.

São igualmente da sua assinatura o espaço público do Bairro das Estacas, em Alvalade; os jardins da Capela de São Jerónimo, no Restelo; a cobertura vegetal da colina do Castelo de São Jorge; ou o Jardim Amália Rodrigues, junto ao Parque Eduardo VII.

Gonçalo Ribeiro Telles teve igualmente um longo percurso de intervenção cívica e política. Católico e monárquico, foi fundador e presidente da Juventude Agrária e Rural Católica (JAC). Em 1957 funda o Movimento dos Monárquicos Independentes (MMI), com Francisco Sousa Tavares. A este seguir-se-ia o Movimento dos Monárquicos Populares, também com um claro posicionamento de oposição ao regime.

Em 1958 manifestou o seu apoio à candidatura presidencial de Humberto Delgado e, um ano depois, integrou a Comissão Eleitoral Monárquica (CEM) que se vem a juntar às listas da Ação Socialista Portuguesa de Mário Soares na coligação Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD), que se apresenta às eleições para a Assembleia Nacional de 26 de outubro de 1969, não conseguindo eleger qualquer deputado. Em 71 ajuda a fundar o Movimento Convergência Monárquica.

Após o 25 de abril Gonçalo Ribeiro Telles funda o Partido popular Monárquico (PPM) que, em 1979, integra a Aliança Democrática com o PSD de Francisco Sá-Carneiro e o CDS de Freitas do Amaral. Um ano depois é eleito deputado à Assembleia da República e, em 1983/85 ocupa o cargo de ministro do Estado e da Qualidade de Vida, no VIII Governo Constitucional.

O arquiteto paisagista passou também por vários executivos. Foi subsecretário de Estado do Ambiente nos I, II e III Governos provisórios, assim como no I Governo Constitucional, liderado por Mário Soares. Foi depois ministro de Estado e da Qualidade de Vida no executivo liderado por Francisco Pinto Balsemão, entre 1981 e 1983.

É desta altura e pela sua mão que são criadas a Reserva Agrícola Nacional e a Reserva Ecológica Nacional, dois instrumentos de ordenamento do território que visavam proteger da urbanização as áreas de maior valor ecológico e agrícola. Foi também Ribeiro Telles quem lançou as bases do Plano Diretor Municipal.

Em 1984 deixa o Governo e, já afastado do PPM, funda o Movimento Alfacinha, pelo qual se candidata à Câmara de Lisboa, sendo eleito vereador. Um ano depois é novamente eleito deputado à Assembleia da República, agora como independente nas listas do PS.

Em 1993 funda o Movimento Partido da Terra (MPT), a que preside de forma honorária desde 2007.

Em 2013 Gonçalo Ribeiro Telles recebeu o prémio Sir Geoffrey Jellicoe, considerado o Nobel da arquitetura paisagista. Em Portugal foi condecorado com a Grã Cruz da Ordem Militar de Cristo e com a Grã - Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.

Marcelo despede-se com "emoção e saudade" do amigo

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, lembra o "amigo de longa data", numa nota publicada no site da Presidência.

"Respeitado humana, profissional e politicamente por amigos, colegas e adversários, e pelos portugueses em geral, Gonçalo Ribeiro Telles deixa um legado alcançado por poucos", lê-se na nota, que lembra o seu trabalho como arquiteto paisagista nos espaços públicos e jardins de Lisboa, mas também o seu currículo político.

"Como ambientalista com responsabilidades públicas, representou desde cedo, e durante décadas, uma consciência crítica esclarecida, contribuindo igualmente para importantes atos legislativos como a Lei De Bases do Ambiente ou a Lei do Impacto Ambiental, combates que prolongou na fundação de um partido ambientalista, o Movimento Partido da Terra", lembra o presidente.

"Figura determinante na consolidação e alternativa na democracia portuguesa, pioneiro em Portugal das grandes questões que hoje, mais do que nunca, se mostram decisivas, homem de grande serenidade e de grandes convicções, é com emoção e saudade que me despeço de Gonçalo Ribeiro Telles, amigo de longa data, a cuja Família envio sentidas condolências", conclui Marcelo Rebelo de Sousa.

Costa fala numa perda inestimável

O primeiro-ministro, António Costa, já reagiu à morte do arquiteto com uma mensagem no Twitter. "O país tem para com Gonçalo Ribeiro Telles uma enorme dívida de gratidão, quer no lançamento das bases da política ambiental em Portugal, quer no desenvolvimento de uma consciência ecológica".

"Sendo um homem à frente do seu tempo, as ideias que defendia há 50 anos e eram então consideradas utópicas, são hoje comummente aceites. A sua perda é inestimável. O seu legado, felizmente, perdura, e somos todos seus beneficiários", acrescentou numa segunda mensagem.

O Governo decidiu decretar um dia de luto nacional, na quinta-feira, pela memória de Ribeiro Telles.

O presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, anunciou que a bandeira do parlamento ficará simbolicamente a meia haste na quinta-feira pela morte de Gonçalo Ribeiro Telles e salientou o seu "imenso legado", em especial no domínio ambiental. "Desde muito jovem que acompanhei o seu percurso, especialmente após as grandes cheias de Lisboa, em novembro de 1967 - tragédia que tantas vidas ceifou, que [Oliveira] Salazar quis esconder e contra a qual Ribeiro Telles se insurgiu na televisão, apontando o desordenamento como causa direta do sucedido. Um momento que marca o início da minha vida política", revela o antigo secretário-geral do PS entre 2002 e 2004.

O PSD emitiu também uma nota, indicando que o partido, através do seu presidente, Rui Rio, "expressa a toda a família o seu mais sentido pesar nesta hora", referindo que "foi com grande consternação" que recebeu a notícia do falecimento do também fundador do PPM (Partido Popular Monárquico).

"Arquiteto paisagista, é considerado um dos pioneiros do ecologismo na política portuguesa, tendo tido um papel determinante no estabelecimento de um regime sobre o uso da terra e o ordenamento do território, ao criar as zonas protegidas da Reserva Agrícola Nacional, da Reserva Ecológica Nacional e as bases do Plano Diretor Municipal", refere o partido.

Ribeiro Telles, de acordo com a mesma nota, "ajudou ainda a escrever o articulado do capítulo da Constituição sobre Ambiente, deixando assim a sua marca indelével neste setor tão atual".

Gulbenkian recorda "figura ímpar"

O Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian expressou "profundo pesar" pela morte do arquiteto, "figura ímpar" ligada àquela instituição "desde o primeiro momento". O coro Gulbenkian cantará amanhã na missa dos Jerónimos, às 12.00.

Num comunicado, a presidente do Conselho de Administração, Isabel Mota, recorda "o amigo e visionário que inspirou gerações de arquitetos paisagistas, responsável, em conjunto com António Viana Barreto, pelo desenho do jardim da Fundação Gulbenkian [em Lisboa], um espaço que se tornou emblemático para todos os que diariamente aqui esquecem o bulício da cidade".

A presidente da Fundação Calouste Gulbenkian lembra que o arquiteto era um "incansável defensor das cidades ecológicas e humanizadas, das reservas e parques naturais, dos jardins e das hortas urbanas, perante a ameaça constante dos interesses privados e corporativos".

"Nunca é demais realçar o espírito de um homem à frente do seu tempo que viu, como poucos, o que reservava o futuro numa altura em que os alarmes das crise ecológica e climática ainda não soavam com a força de hoje. Um homem profundamente cansado de ter razão que tantas vezes viu a cidade tomar um rumo contrário à visão que, sabiamente, defendia, baseada num profundo conhecimento e num amplo bom senso", refere Isabel Mota.

Gonçalo Ribeiro Telles, "que apreciava o caráter dinâmico dos jardins, tão ligado ao movimento da vida, como gostava de dizer, com elementos que nascem, crescem, reproduzem-se e morrem, ficará para sempre ligado" à Fundação Calouste Gulbenkian e ao "jardim admirável que ajudou a criar" na zona da Praça de Espanha.

Vai dar nome a parque da Praça de Espanha

A câmara de Lisboa, na sua página do Facebook, "despede-se de um dos seus", um "ecologista convicto e lisboeta apaixonado", lembrando uma entrevista de Ribeiro Telles em 2015.

No site da câmara, é publicado um longo texto de homenagem, assinado pelo vereador do Ambiente, Estrutura Verde, Clima e Energia, José Sá Fernandes.

No texto, Sá Fernandes recorda dos planos que Ribeiro Telles tinha para a Avenida da Liberdade, que começaram a ser aplicados, mas depois foram revertidos, levando à sua demissão. "Ainda hoje sofremos pela má opção. Ao contrário, os pinheiros que Gonçalo Ribeiro Telles plantou no Castelo de S. Jorge cresceram e as suas copas, hoje, parece que sempre lá estiveram, o que o levava a dizer-me, por várias vezes, sempre que para lá olhávamos: "- oh Zé, acertei, não acertei?" ", escreveu o vereador.

"Desde cedo, no seu pensamento subjaz a ideia de território, frágil e limitado, como uma entidade física e biológica", refere, passando em revista uma série de iniciativas verdes na cidade. Mas também as conversas que tinham para lá do espaço da cidade. "Ríamos quando nos vinham com a conversa de que os ingleses é que tinham inventado o jardim e logo lembrávamos os muito mais antigos Buçaco, Arrábida, Capuchos e Penha Verde, ou até a posterior arte dos beneditinos, por exemplo em Tibães", recorda.

"Neste ano, em que celebramos o prémio Lisboa Capital Verde Europeia 2020, muito por causa da concretização do referido Plano Verde, quando queremos e estamos a homenagear o grande homem, arquitecto paisagista e professor com a exposição que está patente na antiga Casa dos 24, Igreja São José dos Carpinteiros, ainda para mais num edifício que ele tanto queria ver recuperado, e quando temos quase tudo pronto no território, ainda se adivinham riscos e outras vontades, por isso faz-me agora muita falta o conselho do Mestre à seguinte pergunta: que devo fazer, quando a terra e o homem, em muitas ocasiões, parece que deixaram de contar? Para já resta-me só dizer: Obrigado Gonçalo", conclui.

Em comunicado enviado às redações, a Câmara de Lisboa anunciou que Fernando Medida e José Sá Fernandes "irão apresentar à vereação camarária a proposta para que o Parque Urbano da Praça de Espanha, que neste momento está em obras e que estará concluído no início do ano que vem", tenha o nome de Gonçalo Ribeiro Telles.

Fonte: DN.pt

 

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