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Os aliados dos EUA depois de Trump

13-11-2020 - Kent Harrington

Todos os aliados dos Estados Unidos deveriam ser perdoados por ainda estarem confusos sobre o rumo da política externa americana. Quem não estaria, dada a solitária imprudência da presidência de Donald Trump? Nos últimos três anos, Trump semeou o caos estratégico, e sua política externa, se é que houve uma, trouxe um novo significado à palavra incoerência. O presidente eleito Joe Biden se sairá melhor quase que por tabela. Mas Trump desarrumou tanto os EUA que o mundo não pode contar que tudo volte a ser normal.

Trump não apenas buscou um caso de amor com o ditador armado com armas nucleares da Coreia do Norte como continuou apaixonado pelo presidente russo, Vladimir Putin – um homem que está travando uma guerra política com o Ocidente. Ele também defendeu o Brexit e falou mal dos aliados europeus dos EUA, quando não os denegria descaradamente. Na Conferência Anual de Segurança de Munique em 2020, o presidente francês Emmanuel Macron e o presidente alemão Frank-Walter Steinmeier reconheceram que Trump prejudicou fundamentalmente a aliança transatlântica. A mensagem deles foi clara: se Trump ganhasse um segundo mandato, a parceria histórica que há muito vem constituindo o “Ocidente” geopolítico nunca mais seria a mesma. Líderes mundiais prudentes estavam, sem dúvida, se preparando para ainda mais instabilidade e incerteza caso Trump tivesse sido reeleito.

A França e a Alemanha, é claro, têm muitos motivos para discordar dos Estados Unidos, seja nas relações comerciais, no movimento de Macron em direcção ao Kremlin, ou na  abordagem  relativamente menos conflituosa de ambos os países em relação à China. Macron, que em Novembro do ano passado disse que o estado da NATO era de “morte cerebral", não fez segredo de quem ele considera responsável pela decadência da aliança e pelo noção mais ampliada de desordem entre os parceiros e aliados dos EUA.

Mas em Paris e Berlim, como em toda a Europa, a reacção a Trump não se tratou apenas de sua intimidação, suas tácticas comerciais ou de divisão. Os europeus viram seu governo traçar um curso que rejeitou o relacionamento transatlântico de segurança e seu papel central no envolvimento global dos Estados Unidos em geral. Biden vai descartar o unilateralismo irrestrito. Mas, mesmo com uma nova abordagem, o dano que Trump fez não será facilmente, reparado nem alterará as opiniões entre os líderes europeus de que o continente precisará cada vez mais se defender por conta própria.

O tratamento de Trump aos aliados dos EUA na Ásia ofereceu aos europeus um forte alerta para que se preparem para mais deterioração nas relações de segurança. Apesar da ameaça nuclear norte-coreana e do crescente poder da China, Trump tentou transformar as alianças cruciais dos Estados Unidos com a Coreia do Sul e o Japão em relações pré-pagas. Felizmente, Biden entende o que Trump não entende: que os pactos de defesa dos EUA com esses dois países sustentaram a estabilidade do Leste Asiático por 70 anos e valeram a pena para os EUA. Trump viu os dois relacionamentos como “maus negócios”, e Biden precisará persuadir os americanos a se afastarem de sua diplomacia transaccional.

Além disso, Trump não foi o primeiro presidente dos EUA a se apoiar fortemente na retórica jingoísta, e colocar o génio de volta dentro da lâmpada pode não ser simples para Biden. Tanto a Coreia do Sul quanto o Japão podem confirmar que o “EUA em primeiro lugar” (America First) não foi um simples slogan. Com os Acordos de Apoio da Nação Anfitriã que determinam os detalhes da presença dos EUA em cada país para renegociação  neste ano, Trump repetidamente ameaçou retirar as forças americanas  de ambos os países, a menos que pagassem mais pelo que chamou de protecção americana. Biden terá que trabalhar duro para restaurar a confiança dos japoneses e coreanos enquanto tenta renovar esses acordos.

Na verdade, a Coréia do Sul e o Japão já compartilham os custos de defesa mútua e têm assegurado a presença militar dos EUA no Nordeste da Ásia por décadas. A Coreia do Sul que paga mais de 40% dos custos operacionais das forças americanas ali aquarteladas; também cobriu 92% da movimentação de US$ 10,7 biliões do comando dos EUA para novas instalações fora de Seul e compra bilhões de dólares em equipamentos militares dos EUA. Por sua vez, o Japão fornece US$ 2 biliões por ano para apoiar 54.000 soldados americanos;  adquire 90% de seu equipamento militar de empresas americanas, e forneceu US$ 19,7 biliões (77% dos custos totais) para a construção de três importantes bases militares.

Mesmo com Biden no comando, a difícil relação política actualmente entre Coreia do Sul e Estados Unidos (que abandonou as anteriores negociações de base) significa que as conversações não serão fáceis. No Japão, as negociações formais começaram no mês passado  e o governo tem até Março de 2021 para renovar o acordo. Os oficiais de defesa de Trump disseram aos seus homólogos japoneses para esperar o mesmo tratamento dado à Coreia do Sul. Biden certamente mudará esse script também. Mas o novo primeiro-ministro do Japão, Yoshihide Suga, provavelmente ainda espera negociações difíceis, embora sem a atitude de pegar ou largar que levantou questões sobre a durabilidade das garantias de segurança dos EUA.

Uma simples retomada para tratar aliados como aliados deverá ser um longo caminho para Biden. Trump não demonstrou preocupação com as consequências políticas de sua desastrosa política em Seul e Tóquio, ou com seu impacto sobre o destino político do presidente sul-coreano Moon Jae-in e do ex-primeiro-ministro japonês Shinzo Abe. No interesse da segurança, ambos os líderes tentaram agradar ao "génio estável" de Trump nos últimos três anos, com pouco a mostrar a não ser constrangimento político doméstico. A eleição de Biden, sem dúvida, trouxe suspiros de alívio em Seul e Tóquio.

Infelizmente, o legado maligno de Trump sobreviverá à sua partida. Com tudo isso, desde uma política de saúde, às mudanças climáticas implorando pela atenção de Biden, a política externa certamente ficará em segundo plano em relação às prioridades internas. Para os aliados dos EUA,  paciência continuará sendo uma virtude. Corrigir os erros dos anos Trump levará tempo. Como ele disse  pelo menos desde 1990, Trump queria remodelar os acordos de defesa da América e alterar radicalmente seu papel no mundo. Trump pode ser um mentiroso patológico, mas ele manteve a palavra sobre esse assunto.

KENT HARRINGTO

Kent Harrington, um ex-analista sénior da CIA, actuou como oficial de inteligência nacional para o Leste Asiático, chefe de estação na Ásia e director de relações públicas da CIA.

 

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