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A fase mais traiçoeira da pandemia

18-09-2020 - Barry Eichengreen

O mês de Abril marcou a fase mais dramática e, diriam alguns, perigosa da crise do COVID-19 nos Estados Unidos. As mortes aumentavam, corpos se amontoavam em caminhões refrigerados do lado de fora dos hospitais na cidade de Nova York, e respiradores e equipamentos de protecção individual encontravam-se dramaticamente escassos. A economia estava desabando do proverbial penhasco, com o desemprego subindo para 14,7%.

Desde então, o fornecimento de equipamentos médicos e de protecção tem melhorado. Os médicos compreenderam quando colocar pacientes nos respiradores e quando retirá-los. Passamos a reconhecer a importância de proteger as populações vulneráveis, incluindo os idosos. Os infectados são agora, em média, mais jovens reduzindo ainda mais as fatalidades. Com o advento da Lei de Ajuda e Segurança Económica do Coronavírus (CARES), a actividade económica se estabilizou, embora em níveis mais baixos.

Ou, pelo menos, é o que nos dizem.

Na verdade, a fase mais perigosa da crise nos Estados Unidos pode muito bem vir agora, não na última primavera. Enquanto as taxas de mortalidade entre os infectados estão diminuindo com a melhora do tratamento e um perfil etário mais favorável, as fatalidades ainda estão em cerca de mil por dia. Isso corresponde aos níveis do início de Abril, reflectindo o fato de que o número de novas infecções voltou a cair pela metade.

De qualquer modo, a mortalidade é apenas um aspecto do preço cobrado pelo vírus. Muitos pacientes com COVID-19 que sobreviveram continuam a sofrer de problemas cardiovasculares crónicos e função mental prejudicada. Se 40.000 casos por dia é o novo normal, então as implicações para a morbidade – e para a saúde humana e o bem-estar económico – são verdadeiramente assustadoras.

E, gostemos ou não, tudo indica que muitos americanos, ou pelo menos seus actuais líderes, estão dispostos a aceitar 40.000 novos casos e 1.000 mortes por dia. Acostumaram-se aos números. Estão impacientes com os bloqueios. E usam máscaras politizadas.

Esta fase também é mais perigosa para a economia. Em Março e Abril, os formuladores de políticas fizeram de tudo para estancar o sangramento económico. Mas haverá menos apoio político agora se a economia voltar a cair. Embora o Federal Reserve sempre possa conceber outro programa de compra de activos, ele já reduziu as taxas de juros a zero e promoveu a subida dos activos relevantes. É por isso que as autoridades do Fed têm pressionado o Congresso e a Casa Branca a agirem.

Infelizmente, o Congresso parece ser incapaz de replicar o bipartidarismo que permitiu a aprovação da Lei do CARES no final de Março. O suplemento semanal de $600 para o seguro-desemprego está previsto para expirar. A retórica separatista do presidente Donald Trump e de outros líderes republicanos sobre as cidades "lideradas por democratas" implica que ajuda para os governos estaduais e locais não está em pauta.

Consequentemente, se a economia fraquejar pela segunda vez, seja por causa de inadequados estímulos fiscais ou da temporada de gripe e de uma segunda onda de COVID-19, ela não receberá o apoio monetário e fiscal adicional que a protegeu na primavera.

A bala de prata com a qual todos contam, será, é claro, uma vacina. Esse, na verdade, é o perigo mais grave de todos.

Há uma grande probabilidade de que uma vacina seja lançada no final de Outubro, a mando de Trump, independentemente de os ensaios clínicos de Fase 3 confirmarem sua segurança e eficácia. Este espectro evoca memórias da apressada vacina do presidente Gerald Ford contra a gripe suína, também provocada por uma eleição presidencial iminente, que resultou em casos de síndrome de Guillain-Barré e inúmeras mortes. Este episódio, junto com um fraudulento artigo científico ligando a vacinação ao autismo, muito contribuiu para aumentar o actual movimento anti-vacina.

O perigo, então, não são meramente os efeitos colaterais de uma vacina imperfeita, mas também a resistência pública generalizada até mesmo a uma vacina que passa no teste clínico de Fase 3 e tem o apoio da comunidade científica.  Isso é especialmente preocupante na medida em que o cepticismo sobre os méritos da vacinação tende a aumentar de qualquer maneira após uma pandemia em que as autoridades de saúde pública, supostamente competentes em tais assuntos, não conseguiram evitar.

Estudos demonstraram que viver durante uma pandemia afecta negativamente a confiança de que as vacinas sejam seguras e desencoraja os afectados a vacinar seus filhos. Esse é especificamente o caso de indivíduos que estão em seus “anos impressionáveis” (idade entre 18 a 25 anos) no momento da exposição, pois é nessa idade que as atitudes em relação às políticas públicas, incluindo as de saúde, são formadas de forma duradoura. Esse elevado cepticismo em relação à vacinação, observado em vários momentos e lugares, persiste pelo resto da vida do indivíduo.

A diferença agora é que Trump e seus indicados, ao fazerem afirmações imprudentes e não confiáveis, correm o risco de agravar o problema. Assim, se não forem tomadas medidas para reassegurar o público da independência e integridade do processo científico, ficaremos apenas com a alternativa da “imunidade de rebanho”, que, dadas as muitas comorbidades conhecidas e suspeitas do COVID-19, não é absolutamente uma alternativa em si.

Tudo isso serve como alerta de que a fase mais traiçoeira da crise nos EUA provavelmente começará no próximo mês. E isso antes de se levar em conta que outubro também é o início da temporada de gripe.

BARRY EICHENGREEN

Barry Eichengreen é professor de Economia na Universidade da Califórnia, Berkeley, e ex-conselheiro sénior de política do Fundo Monetário Internacional. Seu livro mais recente é  A tentação populista: queixas económicas e reacção política na era moderna.

 

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