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A nova estratégia perigosa da Fed

11-09-2020 - Willem H. Buiter

No dia 27 de Agosto, a Reserva Federal (Fed) dos EUA emitiu um comunicado à imprensa  a resumir as actualizações dos seus objectivos a longo prazo e da estratégia de política monetária, e o presidente da Fed, Jerome Powell, discutiu as revisões de forma mais pormenorizada num  discurso  que fez mais tarde, no mesmo dia. Os dois documentos são uma colecção de erros do tipo I e do tipo II. Se a Fed quisesse prosseguir com a nova estratégia com determinação, poderia infligir danos económicos reais aos Estados Unidos e ao mundo.

Vamos começar com um pequeno erro de omissão. No seu discurso, Powell referiu-se aos objectivos da Fed estipulados pelo Congresso que visam um nível de emprego máximo e a estabilidade de preços – omitindo, como é a norma, o seu terceiro objectivo estipulado pelo Congresso das taxas de juro moderadas a longo prazo. A ferramenta óbvia para administrar as taxas a longo prazo é o controlo da curva de rendimentos, mas o Federal Open Market Committee (FOMC), responsável pela definição de medidas relacionadas com a política monetária, não menciona esse instrumento, mesmo no contexto da procura por um nível máximo de empregos e preços estáveis.

Mas o verdadeiro problema começa com a reinterpretação do FOMC de “emprego máximo”. O comunicado de imprensa afirma que a decisão política do comité será fundamentada pelas suas “avaliações das carências laborais em relação ao seu nível máximo”. A declaração de estratégia original do FOMC, adoptada em 2012, referia-se a “divergências em relação ao seu nível máximo”.

Esta nova interpretação assimétrica é extremamente preocupante.  Isto sugere que o emprego máximo é alcançado apenas quando cada pessoa em idade activa tem um emprego a tempo integral, mais quaisquer horas extra desejadas, ou que a curva de Phillips – que postula uma relação inversa entre inflação e desemprego – está morta quando na realidade está, no máximo, atordoada. Agora, ao que parece, a Fed não vai apertar a política monetária, mesmo quando o nível real de emprego exceder aquele em que as pressões inflacionárias no mercado de trabalho se manifestam – o qual está obrigado a estar bem abaixo do nível máximo de emprego do FOMC.

As metas obrigatórias da Fed deveriam ter um conteúdo normativo claro e ser susceptíveis a políticas. Mas, no que diz respeito a estabilidades de preços, o FOMC mudou para uma forma flexível de metas de inflação média – ela mesmo uma forma não transparente de metas de nível de preços. De acordo com o comunicado de imprensa, a Fed agora “pretende atingir uma inflação média de 2% ao longo do tempo”. Sendo assim, “após períodos em que a inflação esteve persistentemente abaixo dos 2%, a política monetária apropriada provavelmente terá como objectivo atingir a inflação moderadamente acima dos 2% durante algum tempo”.

Isto significa que a inflação passada influenciará a política monetária actual e futura da Fed. Mas a inflação passada é uma questão antiga e deveria ser irrelevante para a formulação de políticas – ao contrário da inflação actual e esperada, que tem conteúdo normativo e pode ser influenciada pela política.

Obviamente, quando as expectativas de inflação são influenciadas pela inflação passada, o passado influenciará a política monetária actual e futura. Mas há, e sempre haverá, outros motores das expectativas de inflação. A meta de inflação média é apenas uma má economia.

Em vez disso, a flexibilização das metas de inflação é de longe a melhor forma de formular os objectivos e o modus operandi da política monetária. Sob tal regime, um banco central aumenta (reduz) as taxas de juro da política monetária quando a inflação futura prevista está acima (abaixo) da meta e quando o emprego está acima (abaixo) da melhor estimativa de emprego máximo. Isto é definido como o nível de equilíbrio de emprego quando a inflação real e a esperada são iguais à taxa de inflação desejada – por outras palavras, o nível natural de emprego.

Depois, há os erros principais de omissão da Fed. Para começar, o FOMC não menciona o aumento de seu arsenal de política monetária através da retirada do limite inferior efectivo (ELB) das taxas de juro da política monetária. O persistente ambiente de taxas de juro baixas de hoje supostamente implica que as taxas de juro da política monetária sejam mais propensas a serem restringidas pelo seu ELB do que no passado. Mas isso acontece porque os governantes nos Estados Unidos e em todo o mundo não estão dispostos a retirá-lo.

Abolir o dinheiro seria a maneira mais fácil de eliminar o ELB (e teria a vantagem adicional de tributar a actividade criminosa), mas há outras maneiras  para se atingir o mesmo objectivo. Tal medida permitiria à Fed não apenas reduzir as taxas de juro da política monetária quando, de outra forma, teria sido contrariada pelo ELB, mas também reduzir a inflação desejada para um nível consistente com uma taxa de inflação zero “verdadeira” – provavelmente abaixo dos 2%.

O segundo maior erro de omissão do FOMC é a ausência de qualquer discussão sobre o fracasso da Fed, desde a eclosão da pandemia COVID-19, em ampliar e alterar a composição de seu balanço ao máximo possível para apoiar a actividade económica.

Na semana de 6 de Janeiro de 2020, a Fed tinha activos consolidados de 4,15 biliões de dólares, ou 19,3% do PIB dos EUA em 2019. Na semana de 17 de Agosto, o seu balanço tinha crescido para 7,01 biliões de dólares, ou 32,7% do PIB de 2019. Mas este crescimento – equivalente a 13,4% do PIB do ano passado em apenas sete meses – parece menos impressionante quando comparado com a evolução do balanço do Banco Central Europeu no mesmo período. Entre 3 de Janeiro e 14 de Agosto, o total de activos consolidados do Eurossistema aumentaram de quase 4,7 biliões de euros (5,6 biliões de dólares), ou 39,2% do PIB da zona euro em 2019, para 6,4 biliões de euros, ou 53,7% do PIB de 2019. O saldo do Eurossistema cresceu, portanto, mais rápido do que o da Fed – o equivalente a 14,5% do PIB do ano passado – durante o mesmo período.

A Fed deveria convencer o Departamento do Tesouro dos EUA a fornecer mais capital próprio e garantir mais activos de risco da Fed num balanço que deveria ser significativamente maior. Na qualidade de emissor da única moeda de reserva mundial viável , a Fed tem uma capacidade inigualável de ampliar o seu balanço e aumentar o seu grau de risco, mesmo sem o apoio adicional do Tesouro. Mas simplesmente não fez o suficiente durante a pandemia.

As recentes mudanças no quadro de política monetária dos EUA são imprudentes e potencialmente prejudiciais. Também não conseguem resolver uma série de outros problemas cruciais. A Fed deveria descartar esta nova abordagem e, em vez disso, fazer uso total e eficaz dos instrumentos de política que tem – ou poderia ter – à sua disposição.

WILLEM H. BUITER

Willem H. Buiter, ex-economista-chefe do Citigroup, é professor visitante da Universidade de Columbia.

 

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