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O caminho para o Iluminismo na era da COVID-19

10-07-2020 - Ricardo Hausmann

A certeza é como um arco-íris: maravilhosa, mas relativamente rara. Na maioria das vezes, sabemos que não sabemos. Podemos procurar remediar a questão conversando com pessoas que sabem o que queremos saber. Mas como é que sabemos que elas sabem? Se não podemos determinar se elas sabem realmente, temos de confiar nelas.

Historicamente, temos concedido a nossa confiança com base na ciência, na experiência ou na inspiração divina. Mas e se o conhecimento que procuramos ainda não existir? E se até a ciência souber que não sabe o que está a ser perguntado?

Essa é a situação em que nos encontramos actualmente com a COVID-19 e o vírus SARS-CoV-2 que a causa. O nosso conhecimento do novo coronavírus está a aumentar rapidamente, mas é totalmente inadequado. Ainda não aprendemos muito sobre como tratar os infectados e muito menos descobrimos como fabricar uma vacina eficaz. Nem sabemos como controlar a pandemia de forma confiável através de medidas de distanciamento social.

É verdade que alguns países tiveram um sucesso extraordinário na redução de casos de COVID-19 e mortes após atingirem picos terríveis da doença. Os quatro países que até agora registaram o maior número de mortes por milhão de habitantes numa única semana são: Bélgica, Espanha, França e Irlanda. Actualmente, o registo de novos casos nesses países caiu mais de 95,5% em relação aos seus respectivos picos (e 99,1% no caso da Irlanda), sugerindo que os confinamentos realmente funcionaram.

E, no entanto, embora outros países que introduziram confinamentos legalmente mais rigorosos (de acordo com as medições da Escola Blavatnik da Universidade de Oxford) e reduziram mais a mobilidade (de acordo com as medições do motor de pesquisa Google) evitaram picos mortais iniciais, os casos continuaram a crescer exponencialmente. Os países desta categoria incluem Índia, Chile, Peru, Colômbia, El Salvador, Kuwait, África do Sul e Arábia Saudita. E outro grupo, incluindo Israel e Albânia, testemunhou o recomeço de um crescimento exponencial após desconfinamentos bem-sucedidos.

Não é preciso muito tempo para elaborar muitas hipóteses – das mundanas às especulativas – para explicar essas diferenças. E, obviamente, identificar as melhores explicações para o sucesso variável dos países no controlo da pandemia é extremamente valioso quando se definem estratégias de saúde pública com consequências potencialmente enormes.

Por exemplo, as famílias numerosas podem facilitar a transmissão intrafamiliar do vírus, enquanto a falta de frigoríficos em alguns países pode obrigar as pessoas a irem ao mercado com frequência. A indisponibilidade de água corrente pode impedir a lavagem frequente das mãos. A disponibilidade da população para usar máscaras pode variar. A dimensão da economia informal de um país, a capacidade financeira das famílias para cumprir as medidas de confinamento e a generosidade das transferências sociais podem ser factores contribuintes. A seriedade com que as medidas de confinamento são aplicadas, o nível de confiança no governo e até os recursos de carácter nacional de um país também parecem relevantes.

Mas o conhecimento não avança apenas com a formulação de hipóteses plausíveis. Temos de descobrir as que parecem válidas. E podemos encurtar a lista ao aplicar o ditado do cientista britânico Thomas Huxley, do século XIX, de que “muitas teorias bonitas foram eliminadas por um facto feio”.

Para fazer isso, só precisamos de recolher mais dados e disponibilizá-los para análise. Nos Estados Unidos, por exemplo, cerca de 40% de mortes por COVID-19 até à data parecem estar ligadas a lares de idosos. Da mesma forma, um estudo recente de mais de 30 países europeus, realizado por investigadores da Universidade de Tel Aviv, encontrou uma relação entre a capacidade instalada de lares de idosos e as mortes por COVID-19.

Estas análises não são nada difíceis de perceber. Na verdade, se tivermos de classificá-las, são extremamente rudimentares, porque usam dados nacionais e não dados baseados em códigos postais. Além disso, estes estudos só surgiram após dezenas de milhares de pessoas já terem morrido devido à COVID-19.

Sendo assim, em vez de serem um triunfo científico, essas descobertas ilustram como têm sido as políticas não científicas de saúde pública para combater o vírus. Se tivéssemos assumido, desde o início da pandemia, que sabemos que não sabemos, teríamos criado circuitos rápidos de retorno para aprendermos o mais rápido possível com a experiência.

Especificamente, ter-nos-íamos focado na recolha de dados simples sobre cada caso de COVID-19 – a data em que a infecção foi confirmada, idade do paciente, sexo, endereços de casa e trabalho, meios de transporte e contactos – e complementado com dados adicionais sobre hospitalização e desfechos à medida que a doença progredia. Esses dados já podem existir em muitos casos, mas estão ocultos da sociedade e, muitas vezes, de ministros da saúde preocupados com o território ou excessivamente zelosos, e não estão a ser disponibilizados aos muitos analistas com formação que poderiam contribuir para a formulação de políticas. E tal como a OCDE sugeriu, os governos também poderiam adoptar estratégias que utilizem dados individuais de telemóveis, pesquisas na Internet e sondagens rápidas por telefone, tendo em consideração as preocupações com a privacidade.

Muitos governos acreditam que esse tipo de estratégia conduzida por dados para combater a pandemia está além das suas capacidades e decidem “ir às cavalitas” do que outros países aprenderam adoptando as melhores práticas. Esta é a estratégia errada. O efeito da pandemia nos países difere de maneiras que actualmente não entendemos e precisamos de descobrir. Será que as pessoas que vivem no Peru em casas sem frigorífico têm mais probabilidade de serem infectadas, por exemplo?

Além disso, cada regime de confinamento e distanciamento social é diferente, reflectindo os muitos graus de liberdade na sua concepção.  Descobrir o que funciona e o que não funciona diariamente é hoje fundamental, principalmente porque tentamos encontrar formas de abrir as economias, mantendo em simultâneo as taxas de infecção.

A luta contra a COVID-19 ainda está nos seus estágios iniciais e não é demasiado tarde para iniciar este esforço.  Afinal, a frase de Sócrates de que “só sei que nada sei” é uma contradição de princípio.  Tornemos, portanto, o conhecimento da nossa ignorância sobre o vírus, e da nossa capacidade de superá-lo, uma fonte de força.  Preparemo-nos para aprender.

RICARDO HAUSMANN

Ricardo Hausmann, ex-ministro do planeamento da Venezuela e ex-economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento, é professor de administração pública na Escola de administração John F. Kennedy de Harvard e director do Laboratório de Crescimento de Harvard.

 

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