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Prioridades firmes para estados frágeis

19-06-2020 - David Cameron, Ellen Johnson Sirleaf, Donald P. Kaberuka

Nenhum país foi poupado ao impacto da COVID-19. Mas alguns – os “estados frágeis” do mundo – enfrentam um conjunto particularmente difícil de desafios. Antes da chegada da pandemia, Iémen, Sudão, Haiti, Serra Leoa, Myanmar, Afeganistão, Venezuela e outros países com problemas já eram assolados pela pobreza, pelo conflito, pela corrupção e pela má governação. Actualmente, estes factores deixam-nos especialmente mal preparados para lidar com a crise da COVID-19.

O que qualquer país precisa para resistir a uma pandemia é o que falta aos estados frágeis: um governo com a capacidade institucional para conceber e aplicar um plano de acção abrangente, com uma polícia que faça cumprir as regras, com programas sociais que distribuam dinheiro e abastecimentos e com serviços de saúde que cuidem dos infectados.

A falta de capacidade estatal é imediatamente evidente no domínio da saúde pública. Enquanto a Europa dispõe de 4000 camas de cuidados intensivos por milhão de habitantes, em muitos pontos de África existem apenas cinco por milhão. O Mali dispõe apenas de três ventiladores para todo o país.

Uma resposta eficaz também exige confiança no governo. Mas, para além da reduzida capacidade, aos governos nos estados mais frágeis também falta legitimidade popular. Em países que estejam a recuperar de conflitos ou devastados pela corrupção, muitas pessoas estarão relutantes em seguir até um governo que comprove ter capacidade para liderar.

Um sector privado forte é também um componente necessário dos estados eficazes e sólidos. As pessoas têm de poder trabalhar para sustentar as suas famílias, e os governos têm de gerar receitas fiscais para ajudar os desfavorecidos. Porém, aos estados frágeis falta normalmente a economia formal que permite satisfazer estas necessidades.

No início da crise, esperou-se que alguns estados frágeis escapassem ao pior do impacto sanitário da COVID-19, devido à juventude da sua população e ao seu isolamento. Mas, na nossa perspectiva enquanto co-presidentes do novo Conselho sobre a Fragilidade Estatal, isso não aconteceu. Nas últimas semanas, o Sudão, o Sudão do Sul, a Somália e o Iémen registaram taxas de infecção e de mortalidade comparáveis às de países mais desenvolvidos que foram mais cedo atingidos pelo coronavírus.

O que é pior, o impacto económico da pandemia será seguramente mais rigoroso sobre os estados frágeis, não apenas como consequência dos confinamentos internos, mas por causa do que acontece no estrangeiro. O comércio com países como a China diminuiu enormemente, as receitas das remessas caíram, os preços das mercadorias e do petróleo desabaram, e os défices dilatam-se. Como os estados frágeis dependem das importações para muitos dos alimentos que necessitam, fala-se cada vez mais de “subnutrição” e até de “fome”.

Já deveríamos saber que os problemas dos países desfavorecidos têm tendência a tornar-se nos problemas do mundo, quer através de migrações em massa, do crime organizado, do terrorismo ou de repercussões económicas. Dado que em 2030 metade da população desfavorecida do mundo habitará em estados frágeis, estes problemas intensificar-se-ão.

Foi por isso que o Conselho sobre a Fragilidade Estatal definiu como prioridade principal chamar a atenção para os desafios únicos enfrentados por estes países. Composto por antigos líderes mundiais, ministros, diplomatas, empresários, académicos e responsáveis por organizações para o desenvolvimento, o concelho conjugará a investigação de ponta e o conhecimento detalhado das políticas para influenciar os decisores globais e nacionais que determinarão o modo como os estados frágeis subsistem durante esta crise e enfrentam os seus desafios mais genéricos e profundos.

A descentralização, a adaptabilidade e a utilização inteligente dos dados serão essenciais. Por exemplo, existem indícios abundantes que sugerem ser a “contenção inteligente” dos surtos locais frequentemente mais adequada que os confinamentos nacionais. Estas abordagens podem revelar-se críticas para os estados frágeis. Mas temos de agir depressa e antes de terminar a fase aguda da pandemia no Ocidente, e antes que aí esmoreça o sentido de urgência.

Propomos cinco recomendações. Primeiro, a protecção social tem de ser simplificada e rápida. Por vezes, isso traduzir-se-á numa elegibilidade universal, mais que num direccionamento preciso. As redes de telemóveis devem ser usadas para recolher evidências sobre as necessidades actuais, e para distribuir pagamentos regulares e de valor reduzido (mesmo que limitados temporalmente).

Segundo, deve encorajar-se o aumento da produção alimentar nacional. A Serra Leoa, por exemplo, costumava cultivar arroz, mas durante as últimas décadas tornou-se cada vez mais dependente das importações. De forma mais geral, África tem 60% do solo arável não utilizado do mundo. Os esforços para produção agrícola local podem e devem ser ampliados de forma rápida e substancial.

Terceiro, assim que uma vacina se tornar disponível, a comunidade internacional tem de garantir que os estados frágeis não são excluídos do mercado pelos países mais ricos. Quando a ameaça é um agente patogénico contagioso, nenhum país estará protegido enquanto não estiverem todos. Temos de encorajar e acelerar a produção de várias vacinas para garantir uma distribuição rápida e generalizada.

Quarto, as empresas em estados frágeis precisam de apoios directos. Como bem sabem as melhores instituições de financiamento para o desenvolvimento, as empresas pequenas dos países mais desfavorecidos são frequentemente ignoradas, e tendem a sofrer os efeitos perversos de metas e regulamentos mais amplos (porque é mais fácil cumprir uma meta investindo em projectos grandes de países grandes). Mas são precisamente estas pequenas empresas que merecem um maior investimento.

Finalmente, o G20 deveria fazer mais para apoiar os estados frágeis altamente endividados, que estão a ser forçados a escolher entre pagar aos seus credores externos e salvar o seu povo. Está previsto que os países destinatários de apoios bilateral ao desenvolvimento reembolsem credores públicos e privados em perto de 40 mil milhões de dólares, só este ano.

Para evitar esse golpe fiscal, apelamos a todos os membros do G20 que se comprometam com moratórias para as dívidas, não só até ao próximo ano, mas antes durante toda a crise. Além disso, é essencial que todos os estados frágeis assegurem financiamento de emergência, para apoio aos esforços de controlo da COVID-10 e para atenuação do seu impacto económico – nomeadamente países que não sejam normalmente elegíveis para financiamento do Banco Mundial ou do Fundo Monetário Internacional.

A COVID-19 agravará as feridas existentes em todos os estados frágeis do mundo. Mas, com uma acção global rápida, poderemos atenuar os piores efeitos da pandemia. Se existe uma coisa que aprendemos com esta crise, é que as vidas e as subsistências podem ser salvas se formos mais rápidos que o vírus.

DAVID CAMERON

David Cameron é um ex-primeiro ministro do Reino Unido.

ELLEN JOHNSON SIRLEAF

Ellen Johnson Sirleaf, laureada com o Prêmio Nobel da Paz, é ex-presidente da Libéria.

DONALD P. KABERUKA

Donald P. Kaberuka, ex-presidente do Banco Africano de Desenvolvimento, é enviado especial do Fundo de Paz da União Africana.

 

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