A subida da ladeira
05-09-2014 - José Luís Fiori
A subida da ladeira exige poder, capacidade de inovação e iniciativa a serviço de uma estratégia de enfrentamento das transformações em curso no mundo.
Com exceção da China, EUA e Inglaterra, os resultados económicos do segundo trimestre de 2014, foram negativos ou desastrosos, em quase todo o mundo, confirmando, em geral, uma tendência de mais longo prazo. Foi o que aconteceu nas pequenas economias “mono-exportadoras”, e de sucesso, da América do Sul, com a queda acentuada da produção e da confiança empresarial, no Peru, no Chile, e na Colômbia, como no Uruguai. E mais grave do que isto, foi o que aconteceu também com algumas das dez maiores potencias económicas do mundo.
No segundo trimestre de 2014, o PIB do Japão caiu 1,7%, o investimento privado 9,7% e o consumo familiar 19,2%, no mesmo momento em que a produção industrial teve sua maior queda, desde 2011. A Rússia e o Brasil ainda não publicaram seus dados oficiais, relativos ao segundo trimestre de 2014, mas as expectativas são pessimistas, nos dois casos. A projeção do crescimento russo para 2014, está em 0,2%, e no Brasil as projeções já foram revistas várias vezes, e agora o governo prevê 1,6%, enquanto os economistas do mercado financeiro projetam algo em torno de 0, 8%. A Índia manteve sua taxa de crescimento, mas vem enfrentando uma crise energética cada vez mais grave; a China cresceu 7,5% no segundo trimestre, mas ao mesmo tempo registou um declínio preocupante do crédito, do investimento e dos preços do mercado imobiliário; a Grã Bretanha, cresceu 0,8%, mas a produção industrial cresceu metade do que havia sido previsto, e os preços tiveram uma queda anualizada de 1,9% no mês de junho; e, finalmente, os EUA cresceram 2,4 %, mas vem saindo de um trimestre negativo, e, segundo Janet Yellen, presidente do FED, não há no momento nenhuma certeza sobre o futuro da economia norte-americana.
O pior, entretanto, aconteceu na Europa. No segundo trimestre de 2014, o PIB da Alemanha e da Itália caiu 0,2% e o da França cresceu 0 %, dois trimestres seguidos, anunciando um quadro de recessão, no coração económico da Zona do Euro, que cresceu 0 %, neste mesmo período. A produção industrial da Alemanha, França e Itália caiu 1,4%, a confiança empresarial veio abaixo de forma acelerada nos três países, o desemprego da Euro zona se mantém na casa dos 11,5%, e a taxa de inflação já está abaixo de 1%, caracterizando uma conjuntura de depressão ou “deflação estagnada”, e a perspectiva cada vez mais provável de uma “década perdida”, para a União Europeia, que segue sendo menor do que foi antes do colapso do Lehmon Brothers.
Este panorama económico da UE, somado à desaceleração russa, e ao aumento da tensão entre estes dois grandes colossos geoeconómicos e geopolíticos, fortalece a tendência da Europa, e de quase todo o mundo, de uma economia capitalista com alta competição, baixo crescimento, e ameaça deflacionária.
Estes números e comparações, entretanto, não devem induzir ao fatalismo e à redução das expectativas, nem à defesa de que o capitalismo tem tendências e etapas necessárias e inevitáveis, como se houvesse alguma lei de ferro que aprisionasse a história. Pelo contrário, o sistema inter-estatal capitalista não tem nenhum caminho predeterminado, nem destino obrigatório, e neste início do século XXI, em particular, está atravessando uma transformação tectónica – geopolítica e geoeconómica - que o torna ainda mais indeterminado e imprevisível.
Mas atenção, porque estas transformações não são um produto do acaso, nem caíram do céu, foram provocadas ou induzidas por decisões políticas ou geopolíticas - certas ou erradas, dá no mesmo – tomadas pelas grandes potencias, em função de sua disputa de poder, neste momento, na Ucrânia, no Oriente Médio, na Ásia Central, no Sul do Pacífico, e ao redor de todo o resto do mundo. Decisões geopolíticas e geoeconómica que também foram responsáveis, em última instância, pela própria inclusão da Ásia dentro do sistema inter-estatal capitalista, que foi inventado pelos europeus, mas que está fugindo cada vez mais rapidamente, do seu controle. Ou seja, neste sistema político e económico internacional, nada acontece por acaso, nem está predeterminado, e a própria economia capitalista não está fora do seu grande jogo de poder. Pelo contrário, as economias nacionais e o capitalismo sempre serviram a estas grandes decisões estratégicas e cumpriram um papel decisivo para o seu maior ou menor sucesso. E inversamente, a execução destas decisões políticas e geopolíticas sempre teve papel decisivo na aceleração ou desaceleração do “desenvolvimento económico” das nações, dependendo de cada caso e e de suas circunstancia históricas particulares.
Agora bem, frente à atual conjuntura internacional, os países que estão resistindo e vencendo a força gravitacional da ladeira económica, têm demonstrado uma grande capacidade de inovação e uma enorme agilidade estratégica, com baixo grau de voluntarismo e fragmentação interna. Por isto a redução do debate político nacional, no caso do Brasil, à uma discussão em torno da autonomia do Banco Central e da taxa de inflação, ou sobre a dosagem adequada do câmbio e da política industrial, envolve uma crença comum dos neoliberais e dos neo-desenvolvimentistas, de que as mudanças de política económica podem por si por si só, reverter a tendência declinante e reanimar a economia brasileira. Quando pelo contrário, a subida da ladeira exige muito mais do que isto: exige poder, capacidade de inovação, e grande mobilidade e iniciativa política, a serviço de uma estratégia de movimento e de enfrentamento global das transformações que estão em curso no mundo, e cujo futuro está inteiramente aberto e indeterminado.
José Luís Fiori
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