Edição online quinzenal
 
Sexta-feira 17 de Maio de 2024  
Notícias e Opnião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 

Israel: alguns motores da agressão israelita

08-08-2014 - Charles-André Udry

A agressão do Estado de Israel visa o povo palestiniano e os seus direitos negados continuamente. Não se trata de uma “guerra contra o Hamas”. Dão disso testemunho a repressão criminosa por parte da polícia israelita e os ataques dos colonos ditos “extremistas” contra as numerosas e massivas manifestações de palestinianos na Cisjordânia ocupada, para além do massacre de civis e da destruição das infra-estruturas e habitações em Gaza.

A guerra levada a cabo por um exército que pretende definir-se com o qualificativo de “exército de defesa” remete para múltiplos factores. Entre eles, há dois que podem ser realçados.

Numa cadeia de televisão em língua francesa — I24News, expressão do “lóbi judeu”, para retomar a expressão utilizada por um jornalista do Yediot Aharonot num debate com Serge Dumont dos diários Le Soir (Bélgica) e Le Temps (Suíça), nesse canal de TV — aparece um argumento de auto-satisfação que não foi utilizado tão abertamente em 2009. Insiste-se num dado: a indústria de armamento, nos seus diversos componentes, representa um montante de exportações de 7500 milhões de euros no total da economia de Israel. Em 2013, Israel alcançou 3% das exportações de armamento do mundo. Por isso, como informa orgulhosamente o Le Monde Juif.info de 27 de Julho de 2014 a partir dos dados do semanário da City londrina, The Economist, Israel encontra-se no top 10 dos exportadores de armas.

Num debate no I24News, a 26 de Julho, um “especialista” na matéria expôs um argumento inteiramente realista: os progressos das exportações de armas estão ligados à sofisticação crescente dos diversos tipos de produção militar. E, na verdade, esta esfera tecnológica está directamente ligada — para retomar a expressão desse especialista da indústria de armamento — “aos efeitos derivados das guerras levadas a cabo e à experiência acumulada”. O que significa que cada operação — desde a “Chumbo endurecido” até à “Margem de protecção” — desemboca num reforço da indústria de armamento que joga, em todas as suas ramificações, um papel eminente no sistema produtivo israelita.

O especialista em armamento que intervinha no I24News acrescentava que, em termos de armamento, esta progressão reforçava a autonomia de Israel em relação aos “maiores”. Isto é, os Estados Unidos. O que tem como consequência ampliar a margem de manobra do governo nas “negociações” com o aliado norte-americano, sem dúvida muito fiel. A virulência contra o “plano Kerry de tréguas” — própria dos cargos político-diplomáticos da extrema-direita governamental — qualificada de “pró-Hamas”[1] é disso expressão conjuntural.

À sua maneira, esta retórica segue as pegadas dos “êxitos militares” da chamada operação “Margem de protecção” e da elogiada “Cúpula de ferro”, que neutraliza a quase totalidade dos mísseis do Hamas. Esta “cúpula” é exportável — ao menos em parte — para diversos países. Além disso, seguindo os passos do ditador Abdel Fattah al Sissi contra a Irmandade Muçulmana, as homenagens com que o brinda o governo Netanyahu não se devem apenas ao seu reconhecimento pela destruição dos chamados “túneis do Hamas” na fronteira egípcia e pelos seus esforços diplomáticos apresentados como opostos aos de Kerry. O poderio económico dos militares egípcios constitui um mercado crescente para o armamento israelita. A Câmara de Comércio França-Israel (CCFI) indicava em Junho de 2014 que as entregas de material electrónico eram um facto estabelecido desde 2010. Com Sissi, podem recomeçar.[2]

Na realidade, existe um complexo militar-industrial americano-israelita. Entre as empresas israelitas — nas quais as confluências com o Estado e o Ministério da Defesa jogam evidentemente um papel relevante — podem ser mencionadas as seguintes: Elbit Systems, Israel Aerospace Industries (IAI), Israel Military Industries (IMI), Israel Weapon Industries (IWI) e Rafael Advanced Defense Systems, a criadora da “Cúpula de ferro”. Algumas dessas firmas têm uma presença internacional, como a Elbit ou a IWI. Mas uma firma norte-americana como a Raytheon, cujas vendas líquidas, só durante o segundo trimestre de 2014, chegaram a 5700 milhões de dólares, constitui um elo significativo desse complexo.

Guerra e acumulação de capital unem-se para impulsionar, com regularidade, um conjunto de iniciativas que vão da guerra de baixa intensidade ligada à ocupação, à “vigilância” regional e às intervenções pontuais (por exemplo, na Síria), até às guerras de agressão contra a Faixa de Gaza. Ou também as campanhas de ameaças proferidas contra o Irão. Estas últimas servem também para preencher os livros de encomendas das empresas israelitas e norte-americanas. Nisso, o duplo complexo militar-industrial funciona melhor que as centrifugadoras iranianas.

Este pilar da economia encontra um prolongamento político-ideológico: o estado de guerra e as guerras — que fazem eco do estatuto de Estado colonialista com a sua guarda avançada: os colonos e as colónias — permitem travar, ou mesmo impedir totalmente, a expressão das variadas diferenciações que atravessam a sociedade israelita. Efectivamente, às diversas discriminações de status, acrescenta-se uma forte pauperização que remete para as relações sociais polarizadas pelas “reformas” neoliberais. Segundo o Instituto Central de Estatísticas, “13,7% das famílias em que um dos membros trabalha estão abaixo do limiar da pobreza” (Le Monde, 12/07/2014). Uma das respostas das elites dominantes — em linhas gerais, os membros do aparelho militar em sentido amplo e dos seus prolongamentos políticos, assim como os 100 mais ricos, cuja fortuna acumulada equivale à de 850 000 “israelitas comuns” (Le Monde, 12/07/2014) — reside nas “operações de guerra” e na exacerbação da temática do “terrorismo”, assimilada aos palestinianos e aos árabes. Ao mantra de “o povo de Israel deve estar unido face aos ataques terroristas” acrescenta-se um racismo a partir de cima que não pára de reforçar-se. A encenação, há dias, das cerimónias fúnebres de um soldado de origem falasha — termo que significa “exilado” em aramaico, com uma conotação negativa — como, efectivamente, a sua “recepção” discriminatória na “terra santa”, revelam, pelo contrário, essas divisões acumulativas próprias das relações sociais que minam esta sociedade capitalista e colonialista controlada pelo Estado sionista. Um Estado no qual, sob diversas modalidades, toma uma forma mais concreta — para além das pressupostas causas ideológico-teleológicas — o encarceramento/expulsão dos palestinianos.

Traduzido por Sadik Habib e António Simões do Paço

Publicado originalmente em  A l’encontre – La Brèche  http://alencontre.org/

[1The Times of Israel (versão francesa) de 27/07/0214 escreve sob a autoridade de David Horovitz, fundador do jornal e anteriormente redactor-chefe do Jerusalem Post e do Jerusalem Report:

Contrariamente à sua afirmação na conferência de imprensa do Cairo segundo a qual a sua proposta de cessar-fogo tinha sido “construída sobre” a iniciativa egípcia, na verdade não é nada do género. Avi Issacharoff informou, com outras fontes, que se tratava de uma proposta que, para citar um responsável anónimo citado pelo Segundo Canal, “queria curto-circuitar a iniciativa egípcia”, uma proposta que parece também ter sido redigida por Khaled Meshaal.

E Kerry não se ficou por aí. Após o fiasco de sexta-feira, voou para Paris e, feito extraordinário, levou a cabo novas consultas com países que estão abertamente contra Israel. Reuniu-se com os seus homólogos turcos, que acusaram recentemente Israel de genocídio em Gaza e compararam Netanyahu a Hitler, e também com o Qatar, principal financiador do Hamas, directamente acusado pelo presidente Shimon Peres a semana passada de financiar os seus rockets e os seus túneis. Incrivelmente, Kerry não convidou nem Israel, nem o Egipto, nem a Autoridade Palestiniana para essas sessões de Paris.

Netanyahu e os seus colegas não anunciaram oficialmente a sua rejeição unânime da proposta de cessar-fogo de Kerry a fim de evitar provocar uma confrontação diplomática pública com o mais importante aliado de Israel. Parece no mínimo estranho que o que é claramente uma enorme crise entre Israel e os Estados Unidos ocorra num momento em que Israel se encontra a meio de uma guerra complexa e dispendiosa.

Quando Hillary Clinton se envolveu no esforço de negociação para pôr fim à operação “Pilar de defesa” em Novembro de 2012, era evidente que, além do facto de o cessar-fogo estar ao alcance, o trabalho diplomático era coordenado com Jerusalém e os interesses vitais de Israel eram tidos em conta. Isto constitui um testemunho flagrante da incompetência de Kerry e mostra o naufrágio da confiança entre Israel e os Estados Unidos.

Seja por incompetência, por má vontade, ou as duas coisas ao mesmo tempo, a intervenção de Kerry não constituiu uma ajuda para assegurar a proteção de um aliado-chave por um país amigo. Trata-se de uma traição ”.

[2] De acordo com a Slate: “Ao longo dos últimos cinco anos, Israel exportou material de segurança para o Paquistão e quatro países árabes: Egipto, Argélia, os Emirados Árabes Unidos e Marrocos. O diário Haaretz faz uma lista exaustiva dos equipamentos exportados: em 2010, Israel pediu permissão para fornecer ao Egipto e a Marrocos sistemas electrónicos de guerra” (12/06/2014)

 

Voltar 


Subscreva a nossa News Letter
CONTACTOS
COLABORADORES
 
Eduardo Milheiro
Coordenador
Marta Milheiro
   
© O Notícias de Almeirim : All rights reserved - Site optimizado para 1024x768 e Internet Explorer 5.0 ou superior e Google Chrome