O borra-botas
03-01-2014 - Francisco Pereira
O que eu gosto de borra-botas. Os ares de artolas, as farpelas azeiteiras, os carros de alta cilindrada. Tudo no borra-botas cheira a sem vergonhice, a imbecilidade pura, a presunção e ao chico-espertismo nacional de que tanto gostamos.
O resto é o comum do dia-a-dia das vilórias e cidadezecas de província onde o borra-botas se sente como peixe na água e onde espalha a sua estultice e pretensa influência, junto dos pacóvios e parolos sobre os quais granjeia fama de erudito, dado que muitas vezes o borra-botas beneficia de uma formação académica, tirou uma licenciatura, mercê de familiares com alguma abastança pecuniária, é o “doutor” lá da aldeola ou faz parte de uma daquelas profissões que muita reverência ainda causam aos pobres de espírito portugueses, como seja médico, advogado ou outra do género.
A formação académica infelizmente não consubstanciou nem fomentou a formação pessoal e moral, nem tão pouco ajudou a que se tornasse pessoa melhor e de mais crédito, “au contraire”. A formação académica apenas exacerbou o seu lado borra-botas.
O borra-botas estaciona o seu bólide em cima das passadeiras ou em cima dos passeios como o mesmo à-vontade com que se passeia pelas ruelas espelhando a sua borra-botice e ar azeiteiro, no fundo é um pobre diabo digno da nossa pena e do nosso dó. O borra-botas é uma das figuras mais execráveis e patéticas da fauna lusa, todos nós conhecemos um ou vários, com taras e manias que vão desde a simples obsessão, os desejos de pertença à nobreza ou de pretensos antepassados nobres, até aos desvios denunciadores de uma galopante sociopatia, do foro criminal, o borra-botas é um maníaco egocêntrico de tendências narcísicas.
O que seria das nossas terreolas sem um ou mais borra-botas, seriam tão mais pobres sem o incrível borra-botas, que mais não é de que a prova final, de que sem moral, sem ética, sem honra, sem honestidade, um parvo é apenas um parvo, ainda que licenciado.
Francisco Pereira
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