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Espanha?-?a novela do catalão e os dois pícaros

25-08-2023 - Carlos Matos Gomes

Desde a união de Castela e Aragão acordada entre os designados “Reis Católicos” a história de Espanha balança entre o pícaro e o trágico.

O pícaro é o espanhol que se quer fazer “grande”, “dom”, o que usa botas de cano alto, mas sem solas. O romance picaresco descreve as aventuras de um herói malandro, da classe social baixa, que sobrevive com esperteza e falta de escrúpulos numa sociedade corrupta, revelando o sórdido da realidade social: os fidalgos empobrecidos, os miseráveis deserdados e os conversos marginalizados em oposição a burgueses enriquecidos e a nobres em decadência.

O retrato da sociedade espanhola começou a aprimorar-se no século XVI e o primeiro grande êxito foi a descrição do fidalgo pobre servido pelo Lazarillo de Tormes, o humilde pícaro de cozinha que sobrevive graças ao engano. A sua aspiração é melhorar de condição social e para isso recorre a todos os recursos e procedimentos.

Os títulos dos livros sobre os pícaros são ilustrativos do tipo de personagem. Levam o seu nome, ou sublinham a sua principal caraterística: El Buscón , de Quevedo, El guitón Honofre , de Gregorio González , Libro de entretenimiento de la pícara Justina , de Francisco López de Úbeda, La hija de la Celestina, La ingeniosa Elena e El sagaz Estacio , de Alonso Jerónimo de Salas Barbadillo, A desordenada codicia de los bienes ajenos , de Carlos García, La vida y hechos de Estebanillo González, hombre de buen humor, compuesto por él mismo , de Gabriel da Veja. É com este rasto que a literatura espanhola chega à sua obra maior, Don Quixote de La Mancha, de Cervantes.

A Espanha que existiu — a Espanha dos siglos de oro — de que a Espanha de hoje ainda se ufana, recordando como foi uma grande potência militar e cultural é a que se projetou a partir de Castela e da sua expressão o castelhano.

Não passa, pois, de uma bizarria pícara que a principal exigência dos independentistas catalães do Junts, de Puigdmont, seja a de que o catalão de Barcelona passe a ser língua oficial do Congresso de Deputados, o que valeu a eleição para o presidir de Francesca Armengol, uma independentista das Baleares, onde se fala uma outra versão do catalão. De fora ficaram, ao que se sabe os falantes do catalão da Comunidade Valenciana.

O aspeto mais pícaro, para não dizer mais absurdo da centralidade do uso de uma língua que tem a mesma estrutura do espanhol e do francês (e até do português) para aceitar um governo nacional espanhol, em vez da luta pela independência, com os respetivos custos, pode ser avaliada com números:

- O catalão da Catalunha é falado por cerca de 5 milhões de pessoas (2,5 milhões falam o catalão de Valência, mas não se misturam com as jogadas de Barcelona);

- O espanhol é a terceira língua mais falada do planeta — cerca de 600 milhões, espalhados pela Europa, pelas Américas e um pouco pelas Filipinas;.

- Um quarto dos falantes do espanhol, 150 milhões habita no México, o maior país falante de espanhol;

- Nos Estados Unidos 40 milhões de pessoas têm o espanhol como primeira língua.

- O prémio Nobel da Literatura foi atribuído a 11 escritores que publicaram em espanhol, sendo 6 deles latino-americanos. O catalão não consta, apesar de haver prémios Nobel que publicaram em idiche (Salinger), em islandês e em bengali.

Estes números querem dizer que a exigência de o Congresso de Espanha passar a ter umas cinco línguas — catalão da Catalunha, de Valência, das Baleares, basco e galego, além do espanhol — é uma bizarria local que em nada afeta o espanhol como veiculo comunicacional e de cultura no mundo. Seiscentos milhões de seres falarão espanhol no mundo e são esses que contam, tal como o que contam são os falantes de português do Brasil e de África.

Qual é, então, a importância da discussão sobre o catalão da Catalunha em Espanha?

Em primeiro lugar a mensagem de desagregação da Europa enquanto espaço onde se desenvolve uma cultura com um mínimo de coerência. Uma Europa de volta aos nacionalismos mais mesquinhos, incapaz de distinguir o acessório do essencial e logo num momento histórico em que a Europa está sujeita a fortíssimas forças de desagregação com a guerra na Ucrânia e a criação de novos polos de poder mundial.

Em segundo lugar, a tomada a sério das propostas dos independentistas catalães e da sua reivindicação da fala catalã como condição para apoiarem um governo nacional espanhol! Isto é, uma grosseira contradição passou a ser um argumento respeitável quer pelos independentistas, quer pelos políticos nacionais. Entre Puigdmont e Pedro Sanchez a coerência e o senso são do mesmo tipo — dois pícaros.

Todos reconhecemos os perigos para a humanidade das alterações climáticas, mas também temos de reconhecer que com políticos pícaros deste calibre não temos motivos para celebrar e esperançar.

Carlos Matos Gomes

Artigo publicado no Medium

 

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