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Histórias de infidelidade em tempos de Covid-19

25-09-2020 - Pureza Fleming

Na vida em casal, a convivência permanente pode ocasionar uma série de intempéries, à partida nada que não se resolva ou assim garantem os especialistas. O problema é quando o tal infortúnio veste o nome de infidelidade. Como lidar como uma traição que tem de ser gerida entre as quatro paredes de uma casa, e sem qualquer tipo de escape?

Muito se tem escrito acerca das possibilidades de divórcio que o confinamento social provocado pela Covid-19 poderia causar. Em tempo algum da história da humanidade o mundo resolveu decretar que não saíssemos das nossas casas, a não ser que tivéssemos de ir ao supermercado ou à farmácia em busca do básico dos básicos. E que pelas nossas casas permanecêssemos em coabitação com os nossos, enclausurados entre as quatro paredes claustrofóbicas que definem uma casa, sem qualquer hipótese de fuga. Dúvidas houvesse, o programa de televisão Big Brother (com todos os seus ínvios contornos que para aqui não são chamados) apressava-nos a confirmar: o convívio humano, 24 sobre 24 horas, pode trazer à superfície o pior de cada um. E tal situação pode ser bem negra e desesperante. Referimo-nos às situações de infidelidade.

Reforço: às situações de infidelidade que são flagradas ou antes do confinamento social e que já se encontram em processo de separação – interrompidas, entretanto, por motivos da Covid-19 – ou, ainda pior, àquelas situações de infidelidade que são descobertas em pleno período de confinamento e que, portanto, não oferecem qualquer hipótese de debandada, seja física, seja emocional, à pessoa que foi ferida e magoada. Ou seja, à vítima da infidelidade. Fica-se, assim, perante um caso de infidelidade que tem de ser aceite e (di)gerido nas tais quatro paredes que delimitam uma casa. Parecendo difícil, não é, de facto, nada fácil.

E tal é confirmado à Máxima por Madalena R. numa conversa mantida por Skype a propósito deste tema. "Tudo o que me aconteceu é tão recente e brutal que, confesso, não sei por onde hei de começar a falar-lhe…", expressou. E começou por onde se deve, ou seja, pelo início: como conheceu Jaime, o homem que viria a ser o seu companheiro, como se apaixonaram e como se tornaram um casal em que ela era mais velha do que ele – o que, à partida, não representaria problema algum. "A relação começou bem connosco, mas mal com a família dele por eu ser mais velha – sabe como é, os homens podem andar com mulheres muito mais novas, mas as mulheres não podem [andar com homens mais novos] – e também mal com a minha família, sobretudo com a minha irmã, que é terrível e que nunca, mas nunca, acreditou que ‘aquilo’ entre nós fosse para durar devido à diferença de idades. Tudo preconceitos. Mas durou quase cinco anos."

Madalena relembra o momento em que a relação começou a deteriorar-se, em parte por esta não querer ter filhos, apesar do seu relógio biológico dar avisos de que seria "então ou nunca". Conta que nos últimos tempos o notava diferente: "Mais frio, distante e quantas vezes desagradável, com silêncios insuportáveis nos fins de semana, com a ausência de desejo." E admite que já se estava a mentalizar para que a relação terminasse um dia. A somar ao seu sexto sentido, havia ainda a irmã que, constantemente, a alertava: "Vê lá, mana, se o teu ‘casamento’ é como o da [princesa] Diana." Ou seja, com uma pessoa a mais. Mas Madalena não quis acreditar. Até que o tal dia chegou e, porque um mal nunca vem só, o tal dia surge em pleno período de confinamento.

"Descobri tudo porque o Jaime trouxe para casa o [computador] portátil que usa no escritório e em viagem. Nunca entendi porque não se servia dele em casa e o motivo estava à vista. Quando ele foi à garagem, o portátil estava na nossa saleta, em modo de pausa, e quando mexi nele vi que estava desbloqueado e com o e-mail aberto. Provavelmente eu não deveria dizer que fiz isto, mas saltou-me à ideia o casamento da princesa Diana – de certeza que as suspeitas [de infidelidade] deviam andar já na minha cabeça –, vasculhei o e-mail e não foi preciso muito para encontrar uma mensagem com outra mulher. O meu mundo desabou. Fiquei enjoada e a tremer, e não sabia se havia de chorar ou se havia de gritar ou se tudo isso ao mesmo tempo."

A sua voz treme. Afinal, o confinamento obrigatório delegou que Madalena não pudesse, simplesmente, sair e distrair-se com as amigas. Beber vinho, rir e chorar com elas, ou sequer ter um ombro onde pudesse repousar a sua tristeza. "O que me preocupava era pensar como é que eu iria viver neste isolamento [social] sozinha. E o que mais me doía era tentar perceber como iria ser o meu futuro. E sem filhos [lágrimas]. Afinal, o tal filme começou bem, mas acabou mal. Foi trágico para mim. Isto pode acontecer, mas acontecer no começo desta pandemia em que não podemos estar com a família, com as amigas, no trabalho para distrair a cabeça, ir a um lado qualquer", desabafa. E remata, implacável: "Pu-lo na rua." Numa altura em que não é permitido que se vá para a rua – literalmente –, uma situação como aquela em que foi deixada Madalena não deixou grande margem para que uma outra atitude fosse tomada. Não restou praticamente espaço algum para qualquer alternativa que fosse, além daquela de pôr na rua a pessoa que foi infiel. Sem dó nem piedade.

A psicóloga Paula Trigo da Rosa confere: "Seria difícil de suportar estar-se em permanência com uma pessoa com quem não se quer estar ou que não quer estar connosco. Alguém que nos faz sentir que não somos desejáveis." E mantém: "Penso que por variadas razões, incluindo a de saúde pública e eventual sentimento de culpa, seria importante tentar organizar a saída e tentar relembrar que ainda que haja muita zanga prevalecem outros valores fundamentais de saúde. (…) Planear a saída evitando situações de crise ainda maior para ambos é fundamental. São, porém, emoções difíceis de gerir porque são contraditórias: o desejo imperativo de afastamento versus o imperativo externo de permanência e de vivência comum."

Quando questionada acerca de para onde é que o seu infiel parceiro poderia ter ido dormir, Madalena solta uma gargalhada quase sarcástica: "Percebe-se bem onde [ele] deve ter ido dormir…" E sugere a casa da amante de Jaime (agora nova companheira?). E continua, agora com um tom de voz mais fortalecido do que aquele que exibia no início da nossa conversa: "Mas o que me interessa, agora, sou eu mesma. A emoção, ou melhor, a comoção inicial não me iria levar a lado nenhum. Passei a ser racional e a resolver tudo, a começar por o Jaime não voltar para casa. Nunca mais. De resto, a casa é minha, herdada do meu falecido pai. O Jaime saiu apenas com uma muda de roupa e levou o [computador] portátil, claro. Aguardo que venha buscar o resto das coisas dele, o mais rápido possível."

E nos casos em que a pessoa tem mesmo de ficar confinada à casa? A vítima da infidelidade e a pessoa infiel? "Diria para [a pessoa que foi vítima da infidelidade] se tentar proteger de situações em que sinta como sendo agressivas para si, tal como seria o caso de ter de presenciar a [mais recente] felicidade do outro, bem como estabelecer regras de respeito pelos seus sentimentos e afetos, gerindo, se necessário, o espaço da casa e o que se diz e se faz na presença do outro", aconselha Paula Trigo da Rosa.

Aparentemente mais forte, agora que a nossa conversa vai chegando ao final, Madalena confessa-se, ainda assim, "esmagada emocionalmente, com a autoestima em zero por ter sido trocada por outra pessoa". E traz, novamente, à luz a grande questão: "Tenho pensado nestas semanas de isolamento [social] até que ponto eu poderia ter sido mais poupada ao sofrimento se agora tivesse liberdade. Mas graças às tecnologias tenho ‘estado’ com a minha mãe, a minha irmã e os meus irmãos, as minhas amigas e divirto-me com os meus sobrinhos mais novos que me perguntam: ‘Onde está o tio?’ É estranho que ninguém pareça estar admirado pelo que aconteceu. Parece que só eu [estou]… Tenho desabafado muito. E chorado também. Faz-me muito bem. Mas a vida continua."

A vida continua, é assim que gere as suas emoções alguém que é brutalmente magoado numa época em que o mundo nos tira o tapete de forma igualmente abrupta. Como se costuma proferir, não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe e Madalena já vê uma luz ao fundo do túnel que pretende seguir assim que o período de confinamento terminar: "Pensando bem, agora estou livre. E livre para fazer tudo aquilo que eu tinha planeado fazer quando a minha vida mudou [quando se conheceram]. Garanto-lhe que me sinto outra mulher. Mais livre e mais forte. Nem mesmo este isolamento [social] me há de quebrar." Sim, o que não nos mata torna-nos, efetivamente, mais fortes. Ainda mais quando o mal resolve erguer-se num momento tão inconveniente, tal como o do confinamento.

*Para manter o anonimato, os nomes foram alterados.

 

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