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StayAway Aplicação

11-09-2020 - Raquel Varela

O problema da aplicação StayAway Covid não é só a questão dos dados pessoais na sua versão jurídica.

A aplicação não funciona sem que os positivos indiquem que estão infectados. A larga maioria não o vai fazer. E ainda bem que não o faz. Vejamos:

Uma pandemia não se combate com sistemas de vigilância individualizados, nem com decisões arbitrárias sobre essa vigilância. O sinal que a o Estado dá à sociedade é que não existe nem educação, nem responsabilidade. Ora, o que assistimos é o inverso. Contam-se pelos dedos de uma mão os que fugiram infectados, e são aos milhares os relatos de pessoas que com sintomas que podiam ser de COVID não tiveram acesso a cuidados de saúde, nem telefonemas da DGS, e decidiram por si auto isolar-se. Sem delação ou auto delação. Quando se aposta na educação e na responsabilidade acredita-se que uma sociedade pode ser melhor, saber viver com respeito e cooperação. Quando se aposta na vigilância acredita-se que deve haver um polícia dentro de cada um de nós, o que – está provado – é falível. E, pior, cria um clima geral de desconfiança, que destrói os laços sociais de afecto e/ou de cooperação. Em suma, a aplicação é um convite à lei da selva, da desconfiança, contra a responsabilidade social.

Outro efeito da Aplicação é desresponsabilizar o Estado pela saúde pública, colocando no indivíduo decisões que devem ser assumidas pelo Estado que colecta impostos nossos para garantir a saúde. António Costa pede com entusiasmo que nos vigiemos uns aos outros mas até hoje não apresentou nem incentivou carreiras nos profissionais de saúde no SNS, não mexeu nos baixos salários do SNS, o único sistema que assumiu com coragem o combate à pandemia.

O dado pessoal mais importante da nossa vida não está num papel jurídico e muito menos numa empresa que diz garanti-lo. Está em nós, na nossa vida. É essa que está posta em causa quando os nosso movimentos são vigiados e acompanhados ao milímetro por geolocalização.

António Costa acredita que é nosso dever descarregar a aplicação. Acredito que o dever de todos os cidadãos, professores e intelectuais é debater abertamente porque não devemos usar a aplicação. Descarregarmos toda a carga irracional, e potencialmente totalitária, que existe dentro do Estado, tão falível a actuar de facto, e tão rápido a vigiar e punir.

Já vos contei aqui o que me incomoda no Brasil não são só os assaltos – nunca assisti a nenhum. É a parafernália contra os assaltos (necessária, é verdade) que nos coloca a cada segundo com medo dos assaltos, mesmo dos que não vemos. São as grades nos prédios onde vamos jantar e perdemos a vontade de comer pensando que estamos a entrar na Embaixada dos EUA depois de terem invadido mais um país; são os vidros fumados, que impedem os outros de nos verem; são as janelas fechadas, para que ninguém nos possa tocar; são os alarmes, os porteiros que pedem o nosso nome e nós só queremos tomar um café com os amigos, é um lugar onde – quer que se queira, quer não – o medo está colado à pele, vai connosco, como uma aplicação sempre ligada, até para o sono dos que, contra tanta desconfiança, precisam de medicação para dormir. A Aplicação StayAway COVID ameaça o nosso bem estar porque cria em nós a sensação de medo, vigilância e desconfiança permanente. Como pode ser ela patrocinada pelo Ministério da Saúde e incentivada por um dirigente do Estado em democracia?

Há um malvado que fugiu? Há. Vamos por isso penalizar todos? Não. Porque um dia todos vamos querer fugir de uma sociedade onde a vigilância determina os nossos comportamentos, em vez da confiança, lealdade e responsabilidade cooperativa.

 

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