Um vírus político

10-07-2020 - Rui Pereira

Para além de ameaça grave à saúde pública, a covid-19 é uma praga mais politizada do que o próprio terrorismo global, que marcou o início do século. A pandemia tem-se revelado um acelerador de mudanças que já todos intuíamos: a transformação da China em potência hegemónica à escala planetária, a crise de meia-idade dos Estados Unidos e o impasse da União Europeia.

Tem algo de irónico que seja a China, onde o vírus terá germinado, o país menos afectado pela pandemia: tanto no plano sanitário, por pouco credíveis que sejam os números oficiais, como no plano da economia, que até poderá crescer, no meio de uma recessão generalizada. Sem abraçar teorias da conspiração levianas, esta imunidade à recessão merece uma reflexão atenta.

Porém, o político menos qualificado para empreender tal reflexão será o Presidente dos Estados Unidos. Campeão do unilateralismo, inimigo figadal dos cuidados universais de saúde e obreiro da diminuição da carga fiscal para os mais ricos, Donald Trump (com Jair Bolsonaro no hemisfério sul) revelou-se completamente impreparado para enfrentar esta catastrófica pandemia.

E nós por cá? Estamos no meio do pelotão. Não temos a situação “venturosa” da Noruega, Islândia ou Nova Zelândia (por coincidência dirigidos por mulheres), mas estamos longe da catástrofe que enfrentam outros países, com Estados Unidos e Brasil à cabeça (ambos dirigidos por políticos que acham as mulheres impreparadas para exercer as mais altas funções do Estado).

Portugal teve a seu favor o factor geográfico, a disciplina da maioria da população e a boa cooperação dos órgãos do Estado e das forças políticas. Perante o prolongamento do “planalto”, sobretudo na Região de Lisboa, compete-nos provar que Salazar não tinha razão quando dizia que “o povo português não tem paciência para esperar, por qualquer coisa, muito tempo”.

Rui Pereira