Edição online quinzenal
 
Terça-feira 23 de Abril de 2024  
Notícias e Opnião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 

HISTÓRIAS – XXXIII

25-10-2019 - Henrique Pratas

Em dias cinzentos recordamo-nos de episódios mais tristes da nossa vida e no caso vertente foram a morte do meu pai e da minha mãe, que ainda hoje sinto a sua falta, foram pais na verdadeira aceção da palavra, companheiros, amigos e educadores.

O meu pai faleceu em 24 de maio de 1980, após ter sofrido um acidente de viação quando ia para Espanha, saindo por Vilar Formoso, mais propriamente em Almeida.

Na vida existem coisas estranhas que nunca chegamos a entender eu fui levá-lo como era costume, tinha completado os 53 anos no dia 10 de maio e saiu de Lisboa em direção há Guarda no dia 12, onde pernoitava e seguia no dia seguinte para Espanha.

Quando nos despedimos ele deu-me 500,00 escudos, facto que achei estranho mas agradeci-lhe, como deveria de ser.

No dia 13 de maio de 1980, levanto-me às 7 horas da manhã e vou para a Faculdade, o acidente dá-se por volta das 9 horas, todos os meus colegas já sabiam menos eu o costume nestas situações, o acidente tinha sido abertura do Telejornal no canal 1 da RTP.

Entretanto há uma colega minha que a pedido da empresa para onde o meu trabalhava, comunicar-me que o meu pai tinha tido um acidente de viação.

Dirigi-me rapidamente para minha casa onde estava a minha mãe e apesar de um colega do meu pai se colocar há disposição para nos levar para o Hospital da Guarda entendi que devia ir no nosso carro com a minha mãe. Eu não me lembro como é que lá cheguei mas passado 2 horas estava há porta do Hospital.

Mas há que salientar um aspeto quando estava a chegar há Guarda vinha o reboque com o autocarro de passageiros que o meu pai conduzia, aí quando vi a forma como o embate tinha ocorrido e os danos causados pensei logo o pior, mas aguentei-me, comecei a chorar mas não disse nada há minha mãe, só que ela que não era nada parva apercebeu-se logo que as coisas não estavam bem, mas no seu escasso pouco conhecimento voltou-se para mim e disse-me tem calma filho, eu nem sequer lhe respondi.

Chegados ao Hospital o meu pai estava nos cuidados intensivos, dirigimo-nos para lá eu entrei e saí logo com o aparato que estava montado confirmei os meus pensamentos, perfuração intestinal, perda de sangue, traumatismos vários enfim o resultado do embate de dois autocarros, numa curva de esquina, com esquina do lado do motorista, como lhes escrevi eu saí logo a minha mãe mais corajosa do que eu ficou eu vim-me sentar há porta dos cuidados intensivos e só voltei ao local onde estava o meu pai passados 2 dias e porque ele insistia muito com a minha mãe que me queria ver, não o podia desiludir, ganhei coragem e lá fui eu, não evitando as lágrimas, com ele a dizer-me para não chorar, só que para mim era difícil de esconder os meus sentimentos porque sabia muito bem qual era o quadro clinico, as coisas estavam muito complicadas, ainda por cima o meu pai sofria de um problema que para estancar uma hemorragia precisava mais plasma no sangue do que as outras pessoas, quem sabia isto era o médico que o acompanhava em Lisboa.

Os médicos lá falaram uns com os outros e solucionaram esta questão, só que depois começaram as burocracias, começava a faltar o sangue no Hospitale o responsável por esta área veio ter comigo e dizer-me isto e pedir-me se eu conseguia fazer alguma coisa. Esta noticia foi-me dada perto do jornal das 20 horas na RTP 1 e eu tinha uma batata quente nas mãos para resolver, lembrei-me logo de ligar para a televisão para lhes pedir para fazerem um apelo às pessoas que podiam dar sangue naquela zona que fossem ao Hospital para o fazer, falei com duas ou três pessoas e começaram os pedidos dos papeis para fazerem uma coisa que tinham sido eles a dar a noticia, isto fez-me muita confusão na altura e hoje ainda faz, se tinham dado a noticia e se era necessário sangue, porque é que lhes tinha que fazer chegar um pedido formal do Diretor do Hospital, não entendi, nem entendo ainda nos dias de hoje e o meu pedido não mereceu o melhor acolhimento por parte dos “donos” na altura da televisão pública. Não imaginam a revolta com que lhes fiquei e nunca me esqueci do nome das pessoas que me disseram que não pelo telefone, Fernando Balsinha e Cesário Borga.

Como o meu pai tinha amigos na verdadeira aceção da palavra um deles que era mesmo muito amigo e era o Administrador da Panasqueira, disse-me logo, Henrique não de preocupe que amanhã tem aqui um autocarro cheio de trabalhadores da mina para darem sangue, fiquei muito mais tranquilo e no dia seguinte como me tinha sido dito lá estavam os homens da mina para darem sangue para o meu pai e repor os stocks do Hospital.

No final quando eles se dirigiam para o autocarro para voltarem de novo para a mina pedi-lhes para esperarem um pouco para lhe dar umas palavras de agradecimento, eles esperaram só que eu apesar de ter os meus 24 anos, quando cheio de vontade ia para começar a falar, não consegui dizer rigorosamente nada, a não ser começar a chorar convulsivamente, uma vez mais foram aqueles trabalhadores abnegados que me confortaram e deram força para aguentar 7 dias e noites em que a única coisa que fiz foi tomar banho e prestar o auxilio que podia e devia ao meu pai.

Quando ele foi para o quarto tanto eu como a minha mãe passávamos os dias e as noites com ele.

Esqueci-me de um pequeno grande pormenor, o Administrador das Minas da Panasqueira que era amigo do meu pai ainda me disse, Henrique se quiser evacuar o seu pai para um Hospital espanhol, é só dizer que eu coloco-lhe aqui um helicóptero há disposição. Perante isto fui falar com o médico que o estava a acompanhar, porque entendia eu que no transporte poderia ocorrer algo de anormal e não queria assumir essas responsabilidades.

Questionei-o sobre o estado de saúde do meu pai e coloquei-lhe a questão abertamente se não seria melhor ele ir para Espanha para ser tratado porque eu dispunha de meios para o efeito. A resposta não se fez esperar, não, não é necessário que o seu pai está a melhorar francamente bem e o transporte é um risco, eu ainda lhe disse mas existem aqui todas as condições para a recuperação do meu pai, resposta dele, claro que sim.

Perante isto era-me difícil tomar uma decisão e confiei no médico e de facto até ao dia 23 de maio de 1980, as coisas foram evoluindo muito bem. O meu pai era um Homem com garra e com vontade de viver, um lutador por natureza, tivemos apenas uma fricção quando o médico lhe disse para ele começar a comer iogurtes líquidos, ora para o meu pai aquilo era pedirem-lhe a pior das coisas, mas eu convenci-o. Ao tempo os iogurtes não abundavam nem existia tanta variedade como há hoje, corri a Guarda inteira e tudo o que fosse iogurtes eu comprei, cheguei ao quarto e temos a primeira “investida” para eu lhe dar os iogurtes, cerra-me a boca como os miúdos pequenos e eu na brincadeira disse-lhe: “Se não comes os iogurtes dou-te uma palmada”, ora ele ouvindo isto arregala-me os olhos como me dizendo olha que ainda sou eu que mando em ti e sou teu pai, eu sem verbalizar nada percebi a mensageme disse-lhe estava a brincar pai, mas temos que que colocar os teus intestinos a funcionar, para os médicos poderem avaliar como é que está o trabalho que te fizeram.

Entretanto, por causa de não fazer infeções deram ao meu pai antibiótico como é normal nestas situações, só que não lhe deram a quantidade suficiente a dosagem devia ter sido muito maior do que aquela que lhe foi ministrada e eu já lhes explico porquê.

Estava tudo a evoluir normalmente, os intestinos a evacuar e o meu pai começa a fazer uma febre ligeira e lá lhe deram qualquer coisa para que as coisas normalizassem.

Ele fazia análises ao sangue todos os dias e os parâmetros estavam sempre normais até ao dia 24 de maio de 1980.

Porque é que eu lhes disse que a dose de antibiótico deveria ter sido mais forte, porque o meu pai sofreu perfuração intestinal, entraram vidros, fibra de vidro, metal tudo o que entra na composição de um autocarro para dento do corpo e isto não se lava, retira-se a maior parte mas para não ocorrerem surpresas a dose de antibiótico tem que ser “cavalar”, digo-lhes isto por experiência própria, porque eu fiz uma peritonite há uns anos largos e não imaginam a quantidade de antibiótico que me deram, aliás o médico avisou-me logo que não sabia se conseguiria resolver a situação com uma cirurgia ou se teria que fazer uma segunda e comigo não existiam objetos estranhos a não ser a infeção que se tinha formado internamente.

Mas voltando ao caso que quero partilhar convosco, as melhoras do meu pai era tão significativas que apesar dos médicos não permitirem ele num dos dias que já se sentia bem, para aí a 22 de maio pede-me para ir há janela, eu primeiro disse-lhe, “Oh, pai não pode ser, os médicos não deixam!”, diz-me ele estou farto de estar na cama, entendo os seus motivos fui falar com um enfermeiro e coloquei-lhe a questão e recebi autorização para o levantar mas apenas por pouco tempo e assim fiz, ele com os tubos todos agarrados a ele e eu com medo de não o deixar cair, porque ele estava completamente apoiado em mim, levei-o até há janela por uns breves instantes, o que o deixou bem “melhor” ou com outra disposição, nem que fosse momentânea.

Nesse mesmo dia propõe-me o seguinte: “ Olha tens o carro contigo não tens? Claro que sim pai. Então vamos fazer uma coisa, tu pegas em mim ao colo e colocas-me no banco de trás do carro, vais devagar e levas-me para a nossa casa. Pai não pode ser, os médicos não deixam e para além disso tudo o que é que fazemos a estes tubos todos. Calou-se” e eu fiquei cada vez mais esperançoso a pensar quando é que ele tem alta para o levar para o seu ambiente, só que esse dia nunca chegou porque no dia 24 de maio de manhã as análises que estavam boas de manhã, a meio da tarde estavam péssimas e fui aí que o cardiologista do Hospital da Guarda que o acompanhava me mandou chamar para me dar a notícia que o meu pai ia falecer porque tinha feito uma septicémia, porque a quantidade de antibiótico não tinha sido a necessária para evitar uma infeção.

O médico que era simultaneamente o Administrador do Hospital e que acompanhava o meu Pai não teve a coragem de me comunicar isto.

O cardiologista ainda me dissevamos ver se com uma dose bem reforçada que lhe vamos dar conseguimos reverter a situação.

Dirigi-me ao quarto onde estava o meu pai e a minha mãe, não disse nada há minha mãe, olho apenas para o meu Pai e para quem não precisa de dizer nada para nos fazermos entender, apenas olhámos os olhos um do outro e percebi um grito vindo dele “ajuda-me” e eu não lhe respondi apenas fiquei a olhar os seus olhos, entram os enfermeiros de rompante e com a pressa para executarem o que lhes tido sido mandado fazer só que já não lhe conseguiram sequer apanhar as veias em qualquer parte do corpo para lhe darem a dose reforçada de antibiótico, eu saí do quarto vi para as urgências que ficavam na entrada do Hospital e fiquei por ali encostado há parede tinha acabado de perder uma batalha e eu não gosto de perder nem a feijões, entretanto desce o médico que o acompanhava e ele viu como eu estava revoltado de tal forma que passou completamente encostado há parede contrária onde eu estava e só me recordo de ter dado um soco com toda a força que tinha na mesma de tal modo que fiquei com ela a sangrar e o médico percebeu que aquele meu comportamento era para ele, de tal forma que nunca mais o vi, nem a sua sombra.

Henrique Pratas

 

Subscreva a nossa News Letter
CONTACTOS
COLABORADORES
 
Eduardo Milheiro
Coordenador
Marta Milheiro
   
© O Notícias de Almeirim : All rights reserved - Site optimizado para 1024x768 e Internet Explorer 5.0 ou superior e Google Chrome