HISTÓRIAS – XXVII

23-08-2019 - Henrique Pratas

Vivíamos em pleno Estado Novo e Marcelo Caetano decidiu criar nos campos de futebol um setor para a juventude a preços mais acessíveis para que os estádios de futebol estivessem cheios e nós tivéssemos um acesso mais facilitado aos jogos, enfim medidas politicas que se anunciavam com pompa e circunstância para se afirmar que o estado estava a fazer alguma coisa pela juventude.

Um dos jogos a que fui assistir foi ao Sporting Clube de Portugal com a Académica que em 1969, tinha uma excelente equipa, que merecia a melhor simpatia dos estudantes deste País.

O jogo era para as meias-finais da Taça de Portugal, entretanto decorria a crise estudantil, o jogo decorria na época de 1968/1969, jogava-se no Estádio José de Alvalade e a Académica ganhou por 2 a 1, como depois em Coimbra ganharia por 1 a zero e viria a ser um dos finalistas da Taça de Portugal.

Mas voltando há primeira eliminatória, como lhes referi foi criada no top norte do Estádio José de Alvalade uma zona para acolher a “juventude”. Nós torcíamos pela Académica, não por nenhuma razão de clubite mas sim pelo que estava a acontecer e por aquilo que desejávamos que ocorresse no País, a mudança e o fim da Guerra Colonial.

Puxámos e apoiámos a Académica o mais que podíamos de tal modo que esta viria a ganhar o jogo por 2 a 1 como lhes mencionei anteriormente, em casa do Sporting. O apoio foi incondicional e conseguimos o nosso intuito que era que a Académica chegasse há final da Taça, para se utilizar o maior palco de propaganda para os nossos efeitos.

Durante o jogo apoiámos incondicionalmente a Académica, mais felizes ficámos com o resultado pois estávamos a um passo de concretizarmos o que nos tínhamos proposto, afrontar o regime, só que não sabíamos o que nos esperava há saída.

Lembro-me perfeitamente chovia, nós já estávamos molhados até aos ossos e quando nos preparávamos para sair da bancada que nos tinha sido destinada, começámos a ver a GNR a entrar, pensámos logo o pior, a Académica ganhou agora vamos pagá-las e com juros de mora. Só lhes posso contar que ao passarmos pelas portas de saída da bancada os GNRs tinham-se colocado em posições estratégicas que só com muita agilidade e sorte é que não levávamos uma verdascada que nos marcaria onde quer que nos apanhassem e não contentes com isso cá fora na rua éramos esperados pela guarda a cavalo com bastões que faziam mossa.

A Académica ganhou mas a rapaziada no final do jogo levou porrada de criar bicho.

Alguns Sportinguistas também se indignaram com o que estava a ser feito mas quanto mais manifestavam a sua indignação eram tratados da mesma forma, verdascada para cima que as pessoas não sabiam o que fazer.

Os estudantes que na altura não gostaram do que lhes fizeram com pedras ainda reagiram há forma como foram recebidos há saída, de tal modo que os GNRs a cavalo passaram um mau bocado porque os cavalos assustaram-se e começaram a deitá-los ao chão, só os que dominavam bem a montada se aguentaram, foi nessa altura que fomos para cima deles e apesar de estarmos desarmados, acabámos por levar mais pancada, mas não deixámos de molhar a sopa.

Como lhes referi os GNRs face há nossa intervenção desorientaram-se, mas depois de se reorganizarem, aí sim foi o fim tivemos que bater em retirada porque eles varriam tudo sem olhar a qualquer tipo de meios ou zona do corpo onde batiam, fomos completamente arrasados e perante esta refrega desigual o melhor era bater em retirada, apesar de “amolgados”.

Esta foi mais uma das experiências a que o Estado Novo nos submeteu para que única e exclusivamente em termos políticos fizesse passar a imagem de que tínhamos entrado numa era diferente de Salazar.

Henrique Pratas