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HISTÓRIAS – XXIV

12-07-2019 - Henrique Pratas

Recordei-me durante a semana sobre mais um episódio que ocorreu, na altura dos santos populares em Lisboa.

Na véspera da comemoração do dia de Santo António em Lisboa, eu e mais 5 amigos que fiz na Escola Comercial Veiga Beirão e que se mantêm até aos dias de hoje, decidimos fazer uma sardinhada, como todos os requintes. Um dos meus amigos vivia em Alfama, local mais apropriado para celebrar o Santo António não existia, mas havia que operacionalizar o “evento” e se um dizia mata qualquer um dos outros dizia esfola.

Assim decidimos que as sardinhas seriam compradas no Mercado da Ribeira, local onde eram mais frescas, mas para isso era preciso ir muito cedo. Nessa altura não havia problema de espécie nenhuma e há abertura do Mercado lá estávamos nós porque entretanto houve outro que disse logo se vamos ao Mercado da Ribeira, o melhor é irmos ao cacau da ribeira enquanto este era digno desse nome. Às horas a que fomos, só encontrávamos os estivadores que tinha estado a trabalhar durante a noite e as pessoas que iam abrir o mercado e o cacau era uma coisa de excelência. Tudo isto ocorreu logo a seguir ao 25 de abril de 1974, estávamos a usufruir da liberdade que nos foi devolvida.

Para este efeito começámos logo de véspera, não nos deitámos para estar cedo no Mercado, deambulámos pela cidade Lisboa, até há abertura do mesmo, a coisa não correu mal até chegar a altura de comprarmos as sardinhas, os tomates, pimentos, cebolas e alface, tudo fresquíssimo, mas faltava uma coisa essencial para nós que era o pão, mas como naquela altura não havia nenhum motivo que nos impedisse de comprar o que achávamos que era melhor, um de nós diz logo, vamos compara o pão a uma mercearia que existia na Rua Borges Grainha e que se chamava Celeiro, o pão era de facto excelente. Mas no entretanto e dado que já andávamos cansados e sedentos fomos há ginjinha no Rossio matar a sede.

Ao entramos a pergunta de quem estava atrás do balcão era sempre a mesma com elas ou sem elas, como manda o figurino a opção foi com elas, não contentes com isto e como tinham eduardinho fresco, bebemos um cada um.

Tendo comprado tudo o que era necessário para fazer um arraial há maneira, fomos levar tudo ao local do “crime”, Alfama. Este meu amigo morava numas escadinhas do bairro típico de Alfama que fazia um cotovelo e onde nos viríamos a divertis mais tarde.

Deixámos tudo e fomos às aulas, porque ao tempo a nossa responsabilidade era não faltar para não chumbarmos, porque já todos tínhamos ido há inspeção militar e nenhum de nós queria ir par a Guerra Colonial. Foi duro mas nesta idade aguentamos tudo, tanto mais que o que nos esperava era uma noite prazerosa, mais do que aquilo que esperávamos.

Saímos das aulas ao final do dia e tomámos a direção de Alfama como no percurso havia várias tentações a que nós nunca virámos as costas, fomos superando todas as “dificuldades” que encontrávamos pelo caminho, isto não eram verdadeiras “dificuldades” eram mais tentações a que nós não queríamos resistir e quando passávamos por locais que nos eram queridos e que hoje já não existem porque foram absorvidos por esta vaga turística onde não existe lugar para o tempo em que os comerciantes entabulavam conversações com os clientes e nos davam mais e existiam figuras típicas e frequentadoras assíduas desses locais com os quais aprendíamos muito, a saber ser e estar e onde a máxima “do quem está, está quem vai, vai” se aplicava o que hoje já, lamentavelmente, não acontece.

Chegados ao local já tínhamos tudo pronto, porque os pais desse meu amigo, já tinham colocado a mesa e estava tudo preparado para o início das hostilidades.

Nós o único trabalho que tivemos foi sentar-nos há mesa, porque de forma muito educada e sem qualquer tipo de queixa o pai e mãe desse meu amigo preparam-nos a salada, a sangria, o pão cortado às fatias e as sardinhas foram assadas pelo pai do meu amigo, num fogareiro bem preparado para o efeito e as sardinhas saiam excelentemente assadas. Convém aqui dar nota que o pai do meu era encarregado da estiva, no tempo em que não existia trabalho certo para os restantes estivadores, que se deslocavam todos os dias para o cais de Lisboa, há espera que os encarregados esses sim com empregador certo e permanente, os chamassem para aquilo que se designava na altura por uma “fala”, muitos não eram chamados porque os navios que atracavam não eram suficientes para dar trabalho a todos e apenas alguns, os mais encorpados e já conhecidos pela qualidade do trabalho que prestavam eram chamados. Esta ação está muito bem retratada num filme que ainda se mantém atual e que se tem como título “ Não há Lodo no Cais”, com o ator Marlon Brando e realizado por Elia Kazan.

Mas voltando aos acontecimentos na noite de Santo António, as sardinhas foram-se comendo, a sangria foi-se bebendo e há medida que as pessoas que se deslocam para viver esta noite passavam por nós e viam a qualidade com que estávamos iam-se metendo connosco e nós com as raparigas que passavam por nós também as convidámos para se sentar connosco, algumas acediam outras não, mas nós tentávamos e por vezes eramos bem-sucedidos.

Tudo isto durou até altas horas da noite e no nosso caso até acabar com tudo o que havia para comer e beber, conseguimos comprar coisas há medida e até às horas em que estivemos em “funcionamento”. Depois mais calmos e sem ninguém já pelas ruas e dado que ainda tínhamos uma garrafa de whisky e outra de vodka, um dos nossos amigos propôs logo que ficássemos a jogar às moedas e quem perdesse tinha que beber um copo pequeno de uma coisa ou de outra. Quem fez esta sugestão morava na Amadora e como já só teria comboio às 5 horas ou 6 horas da manhã, havia que entreter o tempo que faltava, então fez esta sugestão que foi bem acolhida pelos 4 que ficámos. O meu amigo que estava perto da casa onde vivia aceitou logo de bom agrado a sugestão, porque estava há porta de casa eu vivia um pouco mais longe mas nunca gostei de voltar a cara a um bom desafio e assim foi fomos jogando às moedas e quem perdia tinha que beber um dos líquidos que ainda restavam até acabar, isto prolongou-se até às horas em que o Sol começou a nascer e a cidade começasse ater vida de novo, sem que as duas garrafas tivessem sido completamente bebidas e como isto aconteceu antes do horário adequado o meu amigo ainda se lembrou de mais uma que foi ir a casa buscar uma garrafa de vinho do porto com muitos anos que tinha lá em casa e aqui é que foi o desastre completo. Nestas idades ninguém se nega a nada apesar de sabermos que aquilo iria dar mal resultado, continuámos a jogar até a garrafa ficar vazia, nesta altura já a cidade tinha luz e vida, o meu amigo que ia para o comboio foi acompanhado por outro que ia para o mesmo local, o meu amigo de Alfama, subiu a escadas sabe Deus como e entrou em casa, com a ajuda do pai, que deu conta de tudo porque de vez em quando vinha há janela dar uma espreitadela para ver como íamos, eu como morava no antigo Bairro das Colónias, fui a pé apanhando o fresquinho da manhã que me batia na cara e ia arrefecendo, o calor que tinha e me ajudava a recuperar dos desmandos que fizemos, subi até ao quartel que existia na Graça, depois caminhei até Sapadores, com aminha calma e sem pressas par dar tempo para que quando chegasse a casa estivesse em condições. Desci a Rua Damasceno Monteiro, até chegar ao início da Rua onde morava a Rua Heliodoro Salgado, quando aí cheguei já eu me sentia mais fresco e menos azamboado, pois tinha beneficiado da ligeira brisa matinal que se fazia sentir e que foi um remédio santo, para me “curar”. Os meus pais estavam avisados do que viria a ocorrer, nós morávamos num 2.º andar, que nos prédios antigos, era considerado um andar alto, mas a minha mãe assim que eu metia a chave na porta da rua para a abrir e dava os primeiros passos nas escadas do prédio, sabia logo que era eu e então preparou-me logo o pequeno-almoço, composto por um copo de leite com chocolate e uma sanduiche com queijo dos Açores que eu adoro e que comia com muito prazer, coisa que hoje já não posso fazer com a mesma frequência por causa dos efeitos secundários que me causam, mas com aquela idade nada me fazia mal.

Meti a chave há porta de casa dirige-me para o meu quarto sem ver ninguém, mas quando entrei reparei logo que na mesa-de-cabeceira estava o pequeno-almoço que lhes referi. A minha mãe preparava-o enquanto eu subia as escadas e ia-se deitar de novo pois ainda era muito cedo, mas isto acontecia a qualquer hora que eu chegasse, fosse a que horas fossem ela fazia-me sempre esta surpresa e depois metia-se no seu quarto para não se intrometer na minha vida, apesar de falarmos no dia seguinte, ou no mesmo dia depois de eu acordar, ela fazia-me sempre este mimo.

Tomei o pequeno-almoço, dormi para recuperar do esforço despendido e quando acordei, fui falar há minha mãe, o meu pai já tinha saído para ir trabalhar, conversámos o que tínhamos a conversar e eu disse-lhe que tinha que ir ligar para o meu amigo que morava em Alfama. Ao tempo só existiam os telefones fixos, liguei para cas desse meu amigo e apareceu-me o pai e eu pedi-lhe desculpa e disse-lhe que queria saber do meu amigo e a resposta não se fez esperar foi bonito ontem não foi, olhe ele chegou a casa foi para a casa de banho vomitar no lavatório de tal modo que adormeceu com a cara lá metida, fui eu que o tive que tirar de lá, lavar-lhe a cara e metê-lo na cama. Ao ouvir isto arrependi-me logo de ter ligado, mas também o fiz porque estava preocupado com estado de “saúde” dele.

Esta foi mais umas das muitas peripécias porque passei e termino, fazendo uma pequena referência ao facto de nós, refiro-me aos meus amigos daquela altura e que perduraram ao longo da minha vida, ao carinho, respeito e admiração que sempre tivemos e temos pelos nossos pais, porque eles aturam-nos coisas que ninguém provavelmente aturava e nós cuidámos deles quando foi necessário, assim como eles cuidaram de nós enquanto nós não ganhámos asas para podermos voar sozinhos, vou mesmo ao ponto de ainda sentirmos a falta deles e mantermos a mesma admiração e respeito pela sua memória.

Henrique Pratas

 

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