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HISTÓRIAS – XXII

28-06-2019 - Henrique Pratas

Para quem não passou por aquilo que vos vou contar e para aqueles que nunca passaram por aquilo que eu passei e para que saiba que neste País existiu uma polícia politica mais conhecida por PIDE (Policia Internacional e de Defesa do Estado), eu aos 10 anos de idade fui levado a contragosto para a Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, onde era o “estabelecimento” desta policia e hoje é um condomínio de luxo, contradições do sistema.

Eu nunca conseguiria viver naquele espaço se dinheiro tivesse para isso porque bastam-me as memórias do que lá se passou para não conseguir viver de forma tranquila, manias escrevo eu, mas sou assim.

Aos 10 anos de idade, 1966 jogava Portugal com a Checoslováquia e apesar de já possuir televisão em casa, era mais agradável ir para o café que existia no inicia da rua onde morávamos, Rua Heliodoro Salgado, em Lisboa, onde via o jogo acompanhado pelos meus amigos de rua e de escola.

O que vos vou contar é rigorosamente verdade, independentemente de na Escola Primária nos incutirem que PORTUGAL era composto por Portugal Continental, Ilhas Adjacentes, Províncias Ultramarinas, Goa, Damão e Diu, eu miúdo decorava mas não relacionava o que queriam que decorasse até que nesse célebre jogo de futebol, como Portugal não estava a jogar nada bem, saí-me com as palavras que vos vou transcrever:” Na equipa portuguesa não estão só portugueses a jogar, estão também angolanos e moçambicanos.”, mal digo isto para os meus amigos, sinto uma mão no cachaço que me agarra e magoando me arrasta para a rua e para dentro de um carro.

Não entendi nada do que se estava a passar, mas levaram-me para a sede da PIDE, como se de um bandido se tratasse e que tivesse cometido o maior crime como ocorrem nos nossos dias.

Isto ocorreu num final de tarde às horas a que o jogo decorria, chegado há António Maria Cardoso, mandaram-me entrar para uma sala, sem nada, colocaram apenas uma cadeira para eu me sentar e deixaram-me uma eternidade para mim naquela altura, completamente sozinho.

Eu pensei em tudo, o que é que teria feito e não encontrei resposta, até que ela ocorreu quando passado mais de uma hora entra uma personagem e me questiona o que é que eu queria dizer com a minha afirmação que tinha produzido no café, e fizeram-me o favor de me avivar a memória, citando textualmente a minha afirmação, eu com a maior das inocências dei a minha explicação e que residia no facto de na equipa portuguesa estarem a jogar portugueses, angolanos, e moçambicanos. Esta foi a minha resposta inocente sem me lembrar do conceito que nos impingiam na Escola Primária, que frequentei ainda por cima, na então designada Praça do Ultramar, também em Lisboa.

Perguntaram-me se sabia o que estava a dizer, respondi-lhes que sim, era claro para mim que existia Portugal Continental, Ilhas Adjacentes, Guiné, Angola, Moçambique, Goa, Damão e Diu, mas que isto tudo era PORTUGAL, não me ocorria, decorei apenas o que o professor me disse para decorar, não interiorizei o conceito.

Repetiram-me várias vezes a mesma pergunta até às tantas da madrugada e eu sempre na minha, o que é estes tipos querem de mim não entendia até que no final e antes de me deixarem sair de um sítio que eu não conhecia, me repetiram aquilo que o professor da Instrução Primária me mandava papaguear, aí fez-me luz e vi logo a “asneira” que tinha cometido, tinha acabado de dar “independência” às então designadas Províncias Ultramarinas.

Mandaram-me embora, com o aviso de que estamos com o olho em ti, senti medo, de tal forma que fui a pé até há casa onde morava com os meus pais, que obviamente só sabiam, pelos meus amigos, que eu tinha sido levado por alguém e que não sabiam para onde. Ao entrar há porta de casa, vi a felicidade e o contentamento no seu rosto, era como se tivesse voltado a nascer para eles, não me fizeram perguntas eu é que senti a necessidade de lhes explicar tudo e de lhes dizer que não tinha colocado a intenção que me queriam imputar, não tinha consciência política para isso, saiu-me da boca para fora.

A minha mãe arranjou-me o jantar e o meu pai só olhava para mim com cara de admiração, não vos consigo descrever ou qualificar o seu olhar, porque ele nunca me o disse por palavras, apenas olhava para mim e senti que expressava orgulho em mim, esta foi a minha leitura.

Isto passou-se, eu fiquei mais elucidado, sobre o que se passava no País, até que aos 14 anos, quando já frequentava o Curso Comercial, na Escola Comercial Veiga Beirão, finalista do Curso Comercial, os professores e alguns alunos organizaram um passeio por Espanha durante 1 mês para o conhecermos bem. Aqui surge um outro episódio perfeitamente caricato, ao tempo para sair de Portugal era necessário ter passaporte, mais um documento pensei eu. Fui ao Governo Civil de Lisboa entreguei os documentos necessários e paguei o que tinha a pagar, deram-me um documento e que passados 15 dias podia ir levantar o passaporte num prédio que existia perto da capela que se encontra no Martim Moniz, que era o local onde eram entregues os passaportes da minha área de residência.

No dia em que era para levantar o passaporte, peguei no documento que comprovava o pedido entregue e dirigi-me logo cedo ao local referido para levantar o passaporte, pensava que seria rápido, mas uma vez mais e dado que já tinha ocorrido o que vos contei anteriormente, acabei por ficar lá o dia inteiro, numa sala sem nada fechado e sentado numa cadeira onde entravam pessoas diferentes, mas com uma particularidade, todos me colocavam a mesma pergunta e que era “ para é que queres o passaporte?”

Respondi sempre da mesma maneira, um número de vezes sem conta, quero passaporte para poder viajar e conhecer os locais não só através dos livros mas também ver no local tudo o que me for possível ver. A questão colocada era-me estranha, não sei o que me queriam, não os estava a entender, não sabiam o que queriam. Eu sabia o que queria, mas também já sabia que algumas delas não as podia dizer, mas conto-vos agora, queria comprar discos que não se vendiam em Portugal mas em Espanha sim, queria comprar livros para aprender a jogar melhor xadrez que jogava, mas cá não se vendiam livros de xadrez porque, como devem saber e conhecer os melhores jogadores e o nome de algumas aberturas tinham o nome de jogadores de xadrez que eram russos oriundos da ex- URSS.

Esta era uma das grandes diferenças entre os regimes de Salazar e de Franco, o primeiro orgulhosamente só e isolados, o segundo ditador também mas voltado para o desenvolvimento de Espanha todos os níveis.

Outro dia perdido na dita casa onde se entregavam os passaportes até que ao final do dia me deram o mesmo sem qualquer reparo desta fez, talvez a demora fosse para reforçar a ideia que já me tinham transmitido.

Mais uma vez fui a pé para casa subi a Almirante Reis, indignado com tudo o que se tinha passado, mas desta vez menos porque já tinha acontecido o primeiro episódio, mas levava comigo o que queria e que me iria permitir fazer aquilo que queria, comprei a música que queria ouvir em barda e livros de xadrez para ser um pouco melhor no jogo, levei a minha avante e conheci Espanha desde o Norte, passando pelo Centro até ao Sul como alguns espanhóis não conhecem e aprendi muito com o que vi e assisti nas diferentes regiões de Espanha, os meus horizontes alargaram-se.

Henrique Pratas

 

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