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HISTÓRIAS – V

15-02-2019 - Henrique Pratas

O que lhes vou contar hoje, muitos de vós vão-se rever nela, isto passa-se quando eu tinha os meus 11 anos e em que pertencer há Mocidade Portuguesa era obrigatório podendo mesmo chumbar-se por faltas. Eu da parte desportiva gostava e pratiquei tudo, mas tudo o que me foi colocado há disposição, eles não entendiam mas era uma forma de nós trocar-mos opiniões e convivermos com outros companheiros de vida.

Mas recordo-me como se fosse hoje de uma atividade de campo, em que nos obrigaram a ir acampar para a Lagoa Azul perto de Sintra, não tínhamos as condições que existem hoje e o local onde íamos acampar era desprovido das mais elementares condições.

Era Inverno, fazia frio e chovia torrencialmente e nós todos molhados e deixados há beira da estrada, lá nos dirigimos para o local onde iríamos acampar, havia que montar as tendas e criar as condições mínimas para que pudéssemos permanecer no local nas condições mais elementares. Acampar nunca foi o meu forte, sempre gostei mais de estar metido entre quatro paredes e com uma cama em condições, mas era mais uma nova experiência e isto quando se é obrigado não há que dar parte de fraco. Quando comuniquei isto aos meus pais pedi-lhes encarecidamente para que não aparecessem porque não queria ser envergonhado há frente dos meus colegas de infortúnio, dei-lhes esta missiva porque a minha mão não recebeu de bom agrado a noticia e como mãe é mãe eu pensei logo que ela iria aparecer com comida para reconfortar o seu filho.

A duração do acampamento era de 1 semana, pareceu-me uma eternidade devido às condições do tempo e ao local onde alguém decidiu que iriamos acampar e para além de tudo aquilo não me fazia sentido naquela altura do ano, mas enfim, manda quem pode e obedece quem deve.

Como lhes escrevi era Inverno e chovia torrencialmente, nós não possuíamos capas para nos cobrir, havia que montar as tendas e cada grupo de 4 tínhamos que o fazer mais rapidamente e nas condições adversas em que estávamos. Ficámos molhados até aos ossos mas eu e mais os meus companheiros de infortúnio, que éramos amigos e não estávamos ali de boa vontade, mas tínhamos uma particularidade comum a todos antes quebrar que torcer, e imbuídos deste espirito montámos atenda o mais rapidamente possível, fomos os primeiros e colocámo-nos lá dentro para não apanhar mais chuva e trocarmos de roupa, pois estávamos desconfortáveis encharcados até aos ossos. Confiantes, contentes e descansados da vida quando estávamos nesta congeminação chega um comandante de castelo e diz-nos que nós só nos podíamos colocar dentro da tenda depois de ele ter passado revista a todas as tendas, aí eu e os meus companheiros não gostámos da conversa, eu ainda refilei e disse-lhe que não fazia sentido nenhum face à quantidade de chuva que se fazia sentir, mas ele só me respondeu quem manda aqui sou eu. Aí eu ainda fiquei pior porque nunca gostei, nem gosto deste tipo de respostas e todo o processo me parecia descabido tendo em consideração as condições climatéricas. Mas lá fizemos o que nos mandaram, saímos para fora da tenda, ficámos alinhados à chuva a aguardar que a “excelência” procedesse à vistoria das condições em que a mesma tinha sido montada, ainda levou algum tempo porque outros companheiros levaram mais tempo do que nós e a “excelência” debaixo de um chapéu-de-chuva esperava que se acabassem de montar as tendas, enquanto nós estávamos à chuva sem qualquer proteção. Achei aquilo revoltante e como eu naquela idade resolvia tudo à pancada, disse baixinho para um dos meus companheiros, numa destas noites pego numa pedra e parto os cornos a este cabrão. Um dos meus companheiros, disse-me baixinho tem calma que as coisas podem piorar para o nosso lado entretanto a “excelência” que estava com ar de gozo protegido pelo chapéu-de-chuva, pergunta-nos o que é que estávamos a falar e deu-nos ordem para estarmos em silêncio e a chuva não parava de cair de forma inusitada.

Quando todos já tinham montado as tendas sua “excelência” começou a fazer a vistoria às mesmas e fazer reparos quando estas não estavam em condições e nós à chuva e eu já farto do acampamento e de ordens completamente obtusas e sem nexo nenhum. A quem não montou as tendas de forma conveniente foi-lhes dito para o fazerem e aos outros que esperassem alinhados à frente de cada uma das suas tendas até que tudo estivesse em devidas condições, isto demorou mais de duas horas até que tivemos autorização para entrar dentro das tendas, estávamos encharcados até aos ossos, a nossa sorte foi que à cautela o meu grupo tinha levado uma muda de roupa e rapidamente trocámos a molhada por uma enxuta, mas isto não aconteceu com todos porque alguns levaram apenas uma muda de roupa a que levavam no corpo.

Aproximou-se a hora do jantar e eu pensei, como é que estes gajos vão querer que se faça lume para poder confecionar o jantar, disse logo para os meus companheiros eu por mim passo, não me apanham mais à chuva já chega por hoje. Só que não era eu que mandava e eis senão quando nos mandam colocar em fila à frente de cada uma das tendas e aleatoriamente escolhem quem vai fazer as diferentes tarefas, a mim calhou-me ir apanhar lenha seca para poder fazer lume, ainda respondi estão-me a pedir uma coisa impossível com esta quantidade de chuva só por milagre é que eu vou encontrar lenha seca, levei logo um calduço porque já era repetente no refilanço. Lá tive que ir mas muito contrariado, mas com os ensinamentos que recebi nos meus contatos que fiz na aldeia dos meus avós e em que me ensinaram a desenrascar em diferentes situações, lá consegui arranjar alguns pedaços de lenha necessários e suficientes para que se pudesse fazer uma fogueira. O jantar estava uma merda, não me recordo o que era mas lembro-me que o deitei todo fora no espaço que foi criado para o efeito e que no final do acampamento seria de novo coberto de terra. Recordo-me apenas que lavei o meu prato com terra para que o mesmo estivesse a brilhar aquando da passagem da revista a todas as tendas, este foi outro dos ensinamentos que me deram no Arripiado.

Chegou a hora da deita e eu já estava farto de acampamento até às orelhas e só dizia para os meus companheiros como é que iria aguentar mais 6 dias, estava furioso com tudo o que se estava a passar porque entendia que naquelas condições não se deveria ter realizado o acampamento, mas decidiram ao contrário e teve que ser assim.

Acordámos no outro dia já não chovia, mas o frio fazia-se sentir, tomámos o pequeno-almoço e começámos a desenvolver as tarefas que nos tinham programado e eu cada vez mais farto daquela palhaçada. Isto repetiu-se durante os diferentes dias até ao dia em levantámos “ferro” e nos fomos embora, em meu entender não havia condições para fazer o acampamento.

O que deveria ter constituído um momento agradável para mim e para os meus companheiros foi uma “fartura”, durante o tempo que lá estive não comi praticamente nada, porque as refeições eram uma porcaria autêntica. Mas apesar de eu ter dito lá em casa que não queria que os meus pais aparecessem, para eu não ficar envergonhado perante os meus companheiros, eles fizeram orelhas moucas e um belo dia dado que nós estávamos acampados numa ravina contrária há Lagoa Azul, ouvi o barulho de um carro e de soslaio subi rapidamente para confirmar se aquele barulho era o de um carro e era, melhor era o carro do meu pai que acompanhava a minha mãe, que tinha feito comida a sério e que me tinha comprado uns bolos, para me abastecerem, aí não me fiz rogado aceitei as coisas muito rapidamente e disse-lhes para se irem embora depressa pois ninguém se deveria aperceber de que eu tinha recebido aquela “encomenda”. Raspei-me o mais rapidamente possível para que ninguém me visse, escondi a “encomenda” na minha tenda, partilhei a comida com os outros 3 “habitantes” e refastelámo-nos com o que os meus pais me levaram, mas nesse dia a nenhum de nós apetecia comer a comida que tinha sido confecionada no acampamento, todos estanharam, mas ninguém deu parte de fraco, lá beliscámos alguma coisa mas a maior parte da “comida” voltou a ir para o buraco onde se depositava os restos de comida que iria ser tapada com terra no final do acampamento.

O dia mais feliz da nossa vida, meu e dos meus companheiros, foi o dia em que regressámos a casa, pois estávamos fartos de estar há chuva e ao vento e de não fazer nem comer nada de jeito, mas era assim decidiam e nós tínhamos que ir mesmo que contrariados, soube pena de chumbarmos de ano.

Era assim os tempos em 1966 e não fosse eu ter uns pais que sempre adorei, estimei e ainda nos dia de hoje sinto a sua falta seria uma semana de fome, para quê e porquê? Não sou capaz de vos dar resposta.

Henrique Pratas

 

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