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HISTÓRIAS – IV

08-02-2019 - Henrique Pratas

Mais uma história de vida e profissional que partilho convosco. Trabalhava eu numa grande empresa de transportes públicos, de mercadorias, transitários e outras atividades resultantes das nacionalizações que se efetuaram logo a seguir ao 25 de abril de 1974 e onde maior parte delas estava em situação de falência, havia que recuperá-las financeiramente e desenvolvê-las e era esse o espirito e objetivo dos técnicos que nela trabalhavam, davam o melhor que podiam e sabiam, sem quaisquer tipo de contrapartidas, isto é ninguém esperava por benefícios financeiros em proveito próprio o que pretendíamos era fazer o saneamento financeiro da empresa e mostrar os diferentes Governos da altura que tentaram privatizar a empresa que esta era rentável e que apenas pretendíamos que nos dessem as compensações indemnizatórias, resultantes da prestação de um serviço público que não era rentável em muitas localidades mas que no nosso entender devia ser prestado para que as populações, tivessem melhores e mais regulares meios de acesso aos grandes e pequenos centros, onde as pessoas tinham que se deslocara para poderem tratar dos seus assuntos pessoais. Mais em algumas das carreiras locais era feito o transporte de medicamentos para as farmácias através das carreiras normais, Dou-vos o exemplo da carreira que era realizada da Chamusca par o Arripiado e que percorria todas as aldeias que se situam neste percurso e quando chegava ao Pinheiro Grande, fazia a entrega dos medicamentos, que eram enviados pelos mesmos meios de transportes mas que não tinham tantas paragens. Isto era para nós serviço público.

Mias tarde conseguiram destruir tudo o que se fez e como sabem existem aldeias que nos dias de hoje não tem transportes públicos com a mesma regularidade que tinham nos tempos em que lhes vou contar esta história sem contudo eu lhes escrever que entendo que os transportes são um setor chave para o desenvolvimento de uma economia e que os mesmos deveriam estar nas mãos do Estado e serem geridos não por comissários políticos, mas por profissionais competentes que os há e certamente que o desenvolvimento do País teria sido outro se esta decisão meramente politica tivesse sido decidida tendo em consideração única e exclusivamente o superior interesse dos cidadãos, mas como sabem não o foi os critérios que presidiram há privatização da empresa foram outros, o da negociata e de outros interesses privados.

Mas como lhes queria contar, nós ao tempo já entendíamos que as decisões que tomássemos não deveriam ser baseadas naquilo que nos contavam, mas sim naquilo que nós observávamos, por isso era muito importante, aquilo a que designávamos, por ida aos Centros Operacionais, uma subestrutura, dentro de uma grande estrutura funcional.

Numa determinada altura e porque se estava a passar algo de estranho em Braga, em Castelo Branco e em Cernache do Bom Jardim, eu e mais dois companheiros de trabalho, decidimos ir ver o que se passava in loco, acertámos agulhas e combinámos o dia em que partíamos e pedimos uma viatura para o efeito, quando nos entregaram uma viatura a gasóleo, uma Peugeot 504, disseram-nos que ela custava um bocadinho a pegar, mas isso não constituiu problema para fazermos o nosso trabalho. Como eu era o mais novo e os outros eram “macacos” velhos, decidiram logo que quem conduziria a viatura era eu e eles todos refastelados, mas tudo bem.

Não existia ainda a autoestrada que existe hoje e a viagem teve que se fazer pela nacional 1. Chegados a um determinado ponto de depois de fazermos uns significativos quilómetros um deles disse-me vamos parar ali num sítio que conheço porque eles têm uns petiscos ótimos e sempre descansamos um bocadinho e alimentamos a alma. O pior foi que a carrinha não se podia desligar e colocamo-la numa rampa no sentido descendente, mas à cautela deixámo-la a trabalhar. Fizemos o que tínhamos a fazer e seguimos viagem, perto dos Carvalhos, uma das correias de ventoinha parte-se e a refrigeração do motor da viatura não era realizado da mesma forma pois apesar de ter dois motores de arrefecimento do motor, deixando um de funcionar o outro não era suficiente para arrefecer a viatura, a luz vermelha no painel acedeu, mas eu como muito cuidado e desengatando a viatura nas descidas para que o motor não fizesse tanto esforço saí em direção aos Carvalhos e na primeira bomba de gasolina pedimos ajuda, o senhor que estava na bomba disse-nos que não nos podia ajudar muito, mas que havia uma oficina de mecânica de autocarros um pouco mais há frente e aí eles poderiam ajudar-nos, mas o meu receio era que o motor bloqueasse por falta de óleo. Apesar da distância para a oficina ser pequena pedi-lhe uma lata de óleo, que prontamente me fez chegar, mas como não se podia desligar o motor que se encontrava a trabalhar, sob pena de não pegar mais, este “esperto” que vos escreve este texto, independentemente de saber que não o podia fazer vá de abrir a tampa do motor do óleo com a viatura a trabalhar, enquanto um dos meus companheiros de viagem, regava no sentido literal do termo o motor da viatura com a mangueira de água que existem nas bombas de combustível. Eu ao abrir a tampa do motor para colocar o óleo como ele estava a trabalhar fiquei logo todo pintalgado de óleo por tudo quando era sítio e a rizada não se fez esperar, mas passado este episódio lá fizemos o que nos tinham dito avançámos mais uns metros e chegámos à oficina de uma outra empresa de transporte de passageiros que era privada, mas que dado ao bom relacionamento entre os trabalhadores das diferentes empresas tomou conta do assunto. Quero aqui dar nota que existia um bom relacionamento entre os trabalhadores da empresa onde trabalhei e que pertencia ao setor Empresarial do Estado e os do privado, o pior no meio disto tudo eram as relações entre donos e gestores da empresa em que exercia funções.

Os outros meus companheiros de viagem decidiram ir tomar qualquer coisa e a rirem-se para mim perguntaram-me e tu não queres vir? E eu todo pintalgado de óleo disse-lhes que não, pois não me achava em condições de ir e queria acompanhar o mecânico na resolução do problema, que seria colocar uma correia nova de distribuição não era fácil coloca-las, mas com a experiência do executante fez com que este trabalho fosse realizado em curto espaço de tempo. Entretanto deu-me vontade de urinar e perguntei-lhe onde era a casa de banho, ele indicou-me onde era. Quando lá cheguei deparei-me com uma suposta casa de banho que para quem fez tropa era muito mais uma latrina nojenta do que outra coisa eram estas as condições de trabalho que as empresas do setor privado proporcionavam aos seus trabalhadores, este foi mais um conhecimento que retive.

Acabado o trabalho o mecânico diz-me pronto a correia está mudada mas vá com cuidado porque eu não lhe garanto que ela aguente até Braga porque a viatura não está em boas condições para circular e ela pode voltar a partir.

Como sabem dos Carvalhos até Braga ainda é uma distância considerável, começou a anoitecer e o percurso fazia-se a uma velocidade muito cautelosa, para evitar que ficássemos parados a meio da viagem.

Lentamente e com uma grande tensão em cima decidi, que em vez de irmos direitos ao local onde iriamos permanecer fosse diretamente para as oficinas da empresa e eles que tomassem conta da carrinha e fizessem o que tinham a fazer. E assim foi, ficaram com a carrinha, pedimos uma outra emprestada, na suposição de que a reparação da outra era simples. A carrinha que nos emprestaram foi uma Renault 4L, mas a gasolina, fui por a rapaziada aos hotéis e um deles que é meu amigo ficámos no mesmo hotel. Ele como estava cheio de fome queria era ir jantar e eu dizia-lhe que deixa-me primeiro tomar um banho e mudar de roupa e ele a pressionar-me dizia-me que não era necessário que fosse assim mesmo e eu dizia-lhe tu estás é doido. Mas enquanto ele insistia eu fiz o que tinha a fazer tomei banho e mudei de roupa e sim depois lá fomos jantar. Fomos a uma tasquinha que ele conhecia e que existe em Braga que é um espetáculo, uns petiscos do arco-da-velha e um vinho verde ainda melhor é óbvio que perante tanto stress e pressão, havia que descomprimir e o vinho verde ajudou muito, não contentes com isso no final rematámos com um whiskyzinho, que sabe sempre bem no final da refeição, mas eu já não me lembro, mas acho que não foi só um, lembro-me do primeiro, mas não me lembro dos outros, porque um puxa o outro e um homem não é de ferro.

Já bem ataviados descemos a rua a caminho do hotel mas a meio encontrámos um salão de jogos de bilhar e como eu gosto de jogar bilhar a ideia brilhante surgiu, vamos fazer uma jogatana, recordo-me que demos umas carambolas bem dadas, mas nessa sala de jogos vendiam aguardente e aí eu já não sei porque não contámos mas acho que bebemos mãos cálices de aguardente do que carambolas, tudo isto porque o senhor que servia a bebida nunca se afastou de nós e o espaço era grande e nós não éramos clientes especiais, por algum motivo deve ter sido que ele ficou ali a fazer-nos companhia. Pagámos os baratos porque eles queriam fechar a sala senão estou desconfiado que ainda hoje lá estaríamos a jogar e fomos para o hotel porque no outro dia era dia de trabalho e aí nós éramos muito pontuais e profissionais, assim como ainda somos nos dias de hoje as loucuras que fazíamos, essas é que não as podemos fazer porque a idade já não é mesma e o tempo de recuperação é maior.

No dia seguinte às 8 da manhã lá estávamos nós prontos para a tarefa que nos levava lá, trabalhámos que nem uns doidos analisámos o que tínhamos para analisar e como o tempo era curto queríamos ir dormir a Castelo Branco ainda nessa dia, e assim foi como tínhamos tudo preparado assim que saímos de Lisboa, cada um falou com quem tinha que falar, tomou as notas que tinha que tomar, fizeram-se as recomendações que achávamos que devíamos fazer mas não conseguimos fazer tudo o que desejávamos fazer, alterámos os planos, ficaríamos mais um dia em Braga, porque era necessário para fazer um trabalho conveniente e no outro dia assim que terminássemos o que nos tínhamos proposto fazer, levantávamos ferro direitos a Castelo Branco.

Nessa noite fomo-nos deitar cedo pois estávamos extenuados, mas por volta das 11 horas, arrancámos direitos a Castelo Branco e eu a conduzir a 4 L, como sempre, só que aqui havia um problema a 4 L era a gasolina e nós na empresa nas diferentes estações de camionagem só tínhamos gasóleo e o dinheiro já era escasso porque contávamos abastecer a viatura em cada uma das estações e não pagaríamos nada. Saímos com o depósito cheio e eu não me recordo porque caminhos é que fomos, mas demos com uma tasca, perto da hora do almoço, onde passava um rio e tinha uma paisagem lindíssima e a decisão foi unânime é aqui já. Como lhes disse não me consigo recordar do local, já tentei procurar o local com a minha mulher mas não consegui mas lembro-me que era fabuloso. Almoçámos muito bem, comemos uma sopinha de peixe muito bem confecionada e uma carne confecionada no forno acompanhada de umas batatinhas no forno que eram uma delícia. Ficámos muito bem, mas havia que chegar a Castelo Branco. Eu como tenho sempre ideias brilhantes apesar dos meus companheiros de viagem me terem dito para seguir um caminho eu tomei a decisão de subir há Torre na Serra da Estrela, descer para a Covilhã e apanhar a estrada para Castelo Branco, isto porque entendia eu que o caminho era mais perto e se a gasolina não chegasse da Torre para lá era sempre a descer e com o balanço da viatura chegávamos a Castelo Branco.

Como sou teimoso fiz o que pensei, só que quando começo a subir para a Torre acende-me a luz de aviso que o combustível era escasso, tinha chegado à reserva, aí temi o pior e tive que ouvir das boas mas não desarmei, conduzi com muito cuidado, aproveitei e rentabilizei ao máximo o combustível, poupando-o nas descidas e com mais esta pressão conseguimos chegar a Castelo Branco, com a 4L com o depósito completamente vazio, eu acho mesmo que ela em partes do percurso andou só com o cheiro da gasolina, mas lá chegámos era o que era importante.

Também fazia parte da equipa uma senhora que nos aturava estas maluqueiras todas e que tinha sido minha colega na Faculdade e apostou comigo que nos pagava o jantar a todos se chegássemos sem nenhuma pane a Castelo Branco. Como se conseguiu, um dos meus outros companheiros, não se esqueceu do que ela tinha dito e assim que viu uma marisqueira disse-lhe é ali que nos vai pagar o jantar, ela não se amedrontou e disse que o que estava apostado era para cumprir.

Fomos ao Hotel deixar as coisas a estação da empresa para atestar a carrinha porque eles tinha gasolina, foi até deitar por fora e lá fomos nós direitinhos ao dito restaurante e foi a desgraça completa foram sapateiras, lagosta, santolas, marisco até não poder ser mais, acompanhados por vinho verde Alvarinho e Muralhas de Monção, foi uma satisfação, porque quem pagava não éramos todos era apenas uma.

No dia seguinte fizemos o que tínhamos a fazer em Castelo Branco que não era muito e conseguimos fazer tudo da parte da manhã e à tarde passámos pela Cernache do Bom Jardim que era o local onde existia e funcionava a área de manutenção/oficinas da empresa e que era uma zona desprovida de condições de trabalho minimamente aceitáveis para o exercício das funções que pretendíamos.

Aquilo era muito frio e verificámos que na vedação os trabalhadores tinham criado uma escapadela para se irem aquecer com uns cálices de aguardente. Tínhamos detetado esta situação através da elevada taxa de absentismo e de sinistralidade que tínhamos na zona e queríamos entender o porquê e para isso nada melhor do que ir ao local verificar o que efetivamente se passava e depois tomar as medidas mais convenientes, no mais curto espaço de tempo com o intuito de melhorar as condições de trabalho.

Acabo que foi o nosso trabalho, rumámos a Lisboa, sem deixar de passar pela Adega das Ratas em Tomar, para passarmos por Torres Novas para voltarmos a abastecer a 4L de gasolina. Na Adega das Ratas tive a oportunidade de conhecer um cidadão que nos disse uma coisa que considerei de brilhante, “estão a fechar as tabernas e abrir livrarias mas a maior parte das pessoas não sabem ler, não entendo nada disto”, tudo isto aconteceu num lanche composto por uns queijinhos e uns copinhos de vinho branco maduro tirados das pipas.

Antes que anoitece retomámos o nosso rumo, direitos a Lisboa, mas passando primeiro por Torres Novas, como não havia ainda autoestrada decidi tomar o caminho direito a Almeirim com o intuito de fazer a estrada para Lisboa. Há saída de Almeirim, tivemos um furo, um dos jeitosos companheiros de viagem propôs-se mudar o pneu enquanto os outros com exceção da senhora, fomos tomar qualquer coisa, não demorámos muito, mas quando chegámos perto da viatura, ele tinha partido a chave que a 4L tinha para tirar as porcas pois não era uma cruzeta era uma chave com a medida exata da porca e ele para fazer força colocou-se em cima da chave e ela cedeu ao seu peso. Era altura das Vindimas e aproxima uma carrinha de caixa aberta, uma Toyota Hiace, que reparei que vinha em esforço, isto é vinha numa mudança inferior aquela que era adequada para a velocidade. O condutor para do outro lado da estrada, fora da berma e pergunta-nos se era preciso alguma coisa. Foi simpático, dissemos-lhe o que se passava e quando nos respondeu eu não fiquei com dúvidas nenhuma trazia uma cardina alto lá com ela. Sai da carrinha e tira uma cruzeta que tinha dimensões maiores para que se pudesse tirar os pernes de aperto da roda, apesar de eu lhe ter dito que não dava ele insistiu e nesta situação entendo que as pessoas não devem ser contrariadas. Ele fez questão em experimentar e depois de executar as 4 tentativas possíveis nenhum dos 4 pontos possíveis para tirar os pernes dava porque eram maiores. Aí sugeriu-me que eu fosse com ele até há bomba de gasolina que se encontra há saída de Almeirim. Assim que entrei na carrinha, tive a sensação que tinha entrado dentro do barril de vinho, tal era o cheiro, mas aguentei-me há bronca e posso-lhes dizer que o senhor que conduzia a mesma foi em primeira até à bomba de gasolina onde me emprestaram uma cruzeta que servia, ele esperou por mim e aí foi simpático, mas lá tive que gramar o cheiro intenso a vinho que grassava na carrinha. Ele esperou nós mudámos a roda e com uma voz bastante entremelada disse-nos para lhe darmos a cruzeta que ele entregava-a na bomba de gasolina, eu ainda lhe disse que não, que nós o fazíamos e que ele seguisse viagem mas não insistiu e eu não o contrariei.

Seguimos viagem agora sem roda sobresselente, chegámos há Ponte de Vila Franca de Xira e tomámos a autoestrada para Lisboa, sem mais demoras.

Deixámos a senhora em casa e os outros nossos companheiros de viagem eu e o meu amigo fomos direitinhos há Portugália na Avenida Almirante Reis, beber umas canecas e comer uns pregos acompanhados com travessa de batatas fritas que eram servidas muitas das vezes quando não havia dinheiro para mais como acompanhamento ou pretexto para beber umas imperiais e tínhamos um senhor que já não me recorda o nome, que já não deve estar entre nós mas que nos conhecia e quando não tínhamos dinheiro ele não nos cobrava nada. Outros tempos, em que não haviam telemóveis, nem cartões de multibanco, nem uma autoestrada arte Braga, mas em que as pessoas eram mais solidárias e felizes.

Henrique Pratas

 

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