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20 cêntimos

14-03-2014 - João Adelino Faria

Ele chegou devagarinho ao pé de mim. Teve medo de me assustar. Disse-me que sabia que eu não tinha culpa da situação a que ele tinha chegado. Que apesar da minha profissão sabia que eu nada podia fazer por ele, que já não havia solução. Não deveria ter ainda 30 anos. Estava cansado de enviar candidaturas de emprego para todo o lado, mas ninguém lhe respondia. Sempre com os olhos postos no chão, era a imagem de quem já perdeu tudo, menos a dignidade. Por fim, a tremer, com aquela sinceridade que denuncia verdade, pediu-me envergonhado: “Será que me pode dar 20 cêntimos para enganar a fome?”

Sei que não sou o único. Sei que muitos dos que me estão a ler provavelmente já viveram situações semelhantes, ou piores do que esta, nos últimos tempos. Sei que esta é uma história que passou a ser banal neste país, mas não posso aceitar que o seja!

Depois de dar àquele rapaz o dinheiro que tinha à mão, entrei no carro, atordoado. Ainda voltei para trás para lhe perguntar o nome, dar mais dinheiro e saber qual era a sua história, mas a fome ou a vergonha já o tinham feito desaparecer no café mais próximo.

Quando cheguei à televisão olhei para o alinhamento do Telejornal. Meticulosamente arrumadas estavam notícias de declarações do governo, da oposição, da oposição à oposição. Seguiam-se os números da economia, as glórias do futebol, as estatísticas sobre a situação dos portugueses e as festas do Carnaval. Tudo aquilo são notícias importantes, relevantes, mas será que mostram a verdadeira realidade do país? Porque é que a história deste rapaz que me apareceu na rua não cabe num noticiário ou nas páginas principais deste jornal?

Os alinhamentos noticiosos em Portugal dão de facto informação importante para quem quer estar informado, esclarecido ou tão-só entretido. São uma verdadeira orgia para quem tem apetite de pura informação. Há de tudo, talvez em demasia, para todos.

No entanto, se quisermos ver e conhecer os portugueses reais, vamos ter grande dificuldade se apenas espreitarmos pelo ecrã de televisão ou as páginas dos jornais. A maioria dos noticiários está transformada em caixas de ressonância, de declarações políticas, económicas e sindicais. Muitos jornalistas estão a ficar verdadeiros moços de recados. Os nossos noticiários parecem cada vez mais retratos do país - que parece estar melhor - mas cada vez menos radiografias dos portugueses, que parecem estar bem pior.

Portugal já não é, definitivamente, o que é mostrado nos noticiários. Recuso aceitar a ditadura dos estudos de mercado. Recuso a ideia de que os portugueses, quando se sentam a jantar, não querem ver na televisão mais desgraças porque já lhes chegam as que têm na vida. Se assim é, para que serve o jornalismo?

Parece que estamos adormecidos, entorpecidos pelo murro no estômago que esta crise nos deu a todos. A violência foi tal que só agora começamos a perceber quantos ossos nos partiram.

É urgente que seja o jornalismo a acordar primeiro. Temos de ser nós a denunciar, a investigar, a inquietar. Outra vez! Temos de voltar a ser jornalistas. Sem demagogia, temos de voltar a ter coragem de pôr nos noticiários histórias de pessoas que já só pedem 20 cêntimos... para comer.

Pivô e jornalista da RTP

 

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