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Praxes da Praxe

31-01-2014 - Francisco Pereira

Hoje optei por um artigo mais intimista, vou contar-vos a minha experiência com praxes e praxismo. Antes do relato, afirmo que não gosto de praxes, não gosto das imbecilidades que várias vezes presenciei, não gosto de trajes académicos e de outras parvoíces académicas que apenas enaltecem a estupidez e a imbecilização do ser humano.

Depois de concluir a escola primária, entrei no 1º ano com então se chamava, aí pelos idos de 79 ou 80 do século passado, entenda-se, aí confrontei-me pela primeira vez com essa coisa das praxes, nada demais, medir o perímetro da escola com um fósforo, cortarem o cocuruto do cabelo, a famosa “coroa”, uma espécie de tonsura que era depois pintada, pode ir do tamanho de uma moeda até ao redondo de um pires de café, o que era raro. Havia depois o “encher o borracho”, em que a pobre vítima praxada enchia a boca de ar e o praxador jogava a manápula aberta em garra num movimento rápido de cima para baixo acertando nos lábios distendidos e nas bochechas cheias de ar do praxado provocando dor e o riso dos restantes. Apesar de ser uma parvoíce a coisa até era inócua, lá atiravam um ou outro para dentro de um pequeno lago, mas ao fim da um ou dois dias, estava tudo sanado e acabavam-se as tretas praxistas.

Lá por 1984 ou 85, acabado o preparatório rumei a Santarém, onde rumava toda a gente, de todas as terriolas ao redor da capital do distrito, que almejava terminar o ensino Secundário. As praxes no Sá da Bandeira eram ainda complicadas, as famosas “coroas” maiores e mais requintadas, medições com palitos, funerais, processo que implicava um “morto”, as carpideiras e um cortejo fúnebre que dava a volta à escola.

Fui escapando incólume, ninguém se meteu comigo, o ar rufia e o metro e oitenta, ajudavam, a sorte acabou-se passado quase um mês numa ida à casa de banho fui “caçado” por um praxista, um tipo com quase vinte anos de idade que ainda vegetava no secundário, valeu um conterrâneo que já frequentava o último ano e que declarou, “…neste gajo ninguém toca que é da minha terra…” e a coisa ficou assim, não fui praxado e nos anos que lá fiquei até concluir o 12º ano nunca praxei ninguém.

Aos 17 foi voluntário para o serviço militar, a recruta durou 5 meses, para além de umas praxadelas, normais, fazerem-nos fardar para sair e 5 minutos depois voltarmos ao fato de macaco e seguir a noite inteira na instrução nocturna. Concluída a recruta, fui para Tancos, aí conheci o lado mais odioso, asqueroso e imbecil das praxes, durante os 4 meses seguintes, éramos praxados todas as noites, até um dia em que três de nós fartos daquilo, ripostamos e na cena de pugilato seguinte, acabaram-se as praxes! Não narro o que nos faziam porque não interessa, mas muitas coisas eram degradantes, estúpidas e nada dignas de pretensos oficiais e cavalheiros, que mais não eram que uns cachopos labregos.

Já na década de 90, entrei na Universidade. Durante seis meses, frequentei as aulas, poucas vezes, em regime diurno, durante uma aula, uma parola vestida de farpelas académicas aborda-me e diz que tenho de sair da sala, porque sou caloiro e os caloiros tem de ir para o pátio para as praxes, em bom almeirinense vernáculo mandei a rapariguita a um sítio e que fosse chatear o Camões.

Uns minutos depois, já terminada a aula, tendo a professora já saído entra a mesma ave rara e berra … caloiros para o pátio depressa e pouco barulho…, fiquei onde estava, sentado a acabar de arrumar as minhas coisas, o alvoroço era enorme com os restantes alunos a debandar, fiquei quase sozinho na sala, entretanto entra a rapariguita, desta vez secundada por dois marmanjos todos trajados de parvos, chegou perto de mim, olhou para um dos rapazes e disse, “olha, (nome omitido) é este que não quer ir”.

O rapazelho colocou o seu ar de mau, franziu o sobrolho e disse-me peremptório, “ … caloiro tá de pé que as praxes são para todos…”, olhei para ele, deixei-me ficar sentado e disse-lhe, olhando do olhos, “ó puto vai bardamerda”.

Levantei-me, saí da sala, passei pelos três parolos e fui embora, nunca mais ninguém me disse nada, entretanto também mudei para o horário pós laboral, porque arranjei emprego. Tive um ano depois outro quid pro quo, com o mesmo rapazelho, que era sobrinho de um antigo primeiro-ministro, devia ser por isso que tinha a mania que era mauzão, coitado, era sobretudo um parolo, um triste, a quem avisei que para a próxima lhe coseria a boca a murro!

As praxes são genericamente estúpidas, não integram ninguém em nada, a integração deveria fazer-se baseada em companheirismo, entreajuda, elevação moral e intelectual ao invés dos bacanais e das orgias regadas a álcool destas parvoíces académicas. O ensino superior deveria ser sinónimo de educação, civismo, urbanidade, partilha de saber e respeito pelo próximo, infelizmente e a começar por muitos dos catedráticos que por lá vegetam a fingir que dão aulas, o ensino superior, de superior pouco possui, e as praxes são o exemplo acabado do miserabilismo e indigência intelectual que transpira das Universidades.

Numa recente reunião que juntou representantes das Associações Académicas, Universidades e Ministro da Educação, redundou numa, mais uma, farsa, ressalvasse a boa atitude do Ministério em convocar tal reunião, quisessem as tais Associações ser intelectualmente honestas e apresentariam apenas uma proposta, praxes só para quem quisesse e manifestasse expressamente esse desejo e ainda assim dentro de limites éticos, morais, intelectuais e de respeito se é que essas Associações sabem o que tais palavras querem dizer. Por mim continuo a acreditar que as praxes são uma merda estúpida!

Francisco Pereira

 

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