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Episódios da minha vida (1)

13-01-2017 - Henrique Pratas

Existem coisas da minha vida que ainda não partilhei convosco, mas acho que posso partilhar duas delas que eu vivi e a vida é isto maus amigos interagirmos uns com os outros.

Um belo dia vinha eu de Castelo Branco, isto no final dos anos 80 principio dos anos 90, mas um companheiro e amigo de trabalho, o único que até hoje tenho mantido uma amizade grande, porque ele andou na marinha mercante, para não fazer o serviço militar obrigatório enveredou por ingressar na marinha mercante e por lá andou até cumprir o período de tempo que o Estado Novo o obrigava a andar em vez de cumprir o serviço militar, não sei se eram 15 anos ou menos já não me recordo.

Mas o que me recordo muito bem, escrevia eu vínhamos de Castelo Branco para Torres Novas onde a empresa para onde trabalhávamos tinha instalações, tomámos este caminho porque decidimos ir a Cernache do Bonjardim, para ver como é que eram as condições de trabalho do pessoal oficinal em pleno Inverno e nem eu nem ele gostamos de falar de cor ou propor alterações que nós não entendêssemos que eram as mais adequados. Quanto às instalações em Cernache do Bonjardim, as condições eram o pior possíveis, o espaço era vedado mas não deixámos de reparar que num dos cantos havia uma aberta: Como eu e ele temos alguma sensibilidade para a gestão das pessoas, ficámos a mancar para o ver o que é que acontecia, até que vimos um dos operários esgueirar-se através da rede e passados 10 minutos estava de volta, ficámos alerta para tentar perceber, como vos referi o frio era muito e as condições para exercer as funções péssimas. Passadas umas tantas saídas, questionámo-nos e como temos à vontade com as pessoas e elas acreditavam em nós aproximamo-nos de um deles que tínhamos confiança, então amigo, foi espairecer, não respondeu ele prontamente fui beber um copo de aguardente, que com este frio não há condições para trabalhar e se não bebemos nada que nos faça aquecer morremos aqui de frio. Registámos a observação e mais outras e quando chegámos há sede da empresa da Lisboa fizemos as propostas de melhoria quer nas instalações quer nas condições de trabalho, envolvendo a Medicina no Trabalho, para que esta fizesse o devido acompanhamento.

Mas antes de chegarmos a Torres Novas fizemos uma paragem técnica para repor energias e falarmos do que tínhamos visto e a forma como iriamos abordar a situação, o meu amigo conhecia a Adega das Ratas com aquela porta de madeira pesada, que uma pessoa para entrar tinha que fazer uma força dos diabos, o espaço está devidamente decorado na altura com loiça típica das caldas, pipos de vinho e teias de aranha, porque aquilo não devia ser limpo há séculos, mas era limpo sem grande luxo mas adequado para beber um ou vários copos, comer um ou mais queijos e chouriço. Eu em determinado momento pensei estamos lixados nunca mais saímos daqui, porque entravam pessoas e escrevo pessoas porque não era só homens eram também mulheres e nós ali no meio daquela azáfama, íamos conversando com as pessoas elas pagavam-nos copos e nós retorquíamos e eu a pensar ai Jesus, o que vale é que Torres Novas é já aqui ao lado.

Eu, entretanto meti conversa com um senhor que já ali estava há horas, bem bebido, bem comido e até este momento não lhe tinha ouvido a voz, obviamente que a personagem estava encostada ao balcão, para que este não caísse. Homem de poucas fala com aquele ar saudável de quem vive no campo com os rosto com boas cores, nesta altura mais tingidas para a cor do vinho tinto e sem esperar dispara-me, “o senhor já viu isto andam a fechar as tabernas e a abrir livrarias, mas a maior parte das pessoas não sabem ler, não entendo nada disto”. Perante sábia observação não lhe disse rigorosamente nada, a não ser tem toda a razão e disse para o meu amigo vamos embora se não isto complica-se mais do que já está, como nos ouvíamos um ao outro sem obediências, nem servilismos, fomo-nos embora. Quando chegámos há viatura que nos havia de levar a Torres Novas, o meu amigo que não gostava nada de conduzir, disse-me vai tu a conduzir que a mim não me apetece, está bem. Antes de arrancarmos contei-lhe o que o homem me tinha dito e ele muito rapidamente interroga-me e não tem razão? Claro que sim, ainda me disse para já aí o carro que eu quero lá ir falar com o homem, aí eu disse-lhe agora não já chega. Na curta viagem que fizemos com o maior cuidado não parámos de comentar o que o homem tinha dito, uma coisa tão simples e ninguém entendia e aquela alminha que estava ali encostada ao balcão proferiu uma verdade absoluta.

Se nos tempos de hoje há analfabetos, ao tempo havia muito mais e a grande questão que ali se tinha colocado foi abrir livrarias para quê se as pessoas não sabem ler, ficámos estarrecidos com a visão da personagem.

Tem sido desta forma e deste modo que tenho calcorreando o País de lés a lés, vou falando com as pessoas e só vos posso dizer o que eu tenho aprendido com gente simples, humilde, mas que sabe o que quer. Adicionei este conhecimento adquirido aos meus estudos académicos e foram os que vos falei que me deram mais consistência para entender o que de facto é o nosso País, aprende-se muito fora de quatro paredes, ao vivo e a cores.

Hoje fico-me por aqui para não alongar mais o texto, mas tenho outras passadas noutros locais, nomeadamente em Luanda e no Maputo que vocês provavelmente terão dificuldade em acreditar.

Henrique Pratas

 

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