Edição online quinzenal
 
Quinta-feira 25 de Abril de 2024  
Notícias e Opnião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 
DOSSIERS
 
Breve enquadramento teórico dos museus locais e da Nova Museologia como justificação para o novo projecto museológico de Almeirim (continuação)

22-11-2013

Como atrás dissemos, este novo paradigma de museu foi desenvolvido por Rivière e Hugues de Varine (ambos antigos presidentes do International Coucil of Museums), tendo a sua origem em França. Segundo Cristina Pimentel (2005) a sua história inicia-se no contexto da Revolution Nationale, sob a égide do Marechal Pétain [1] , resultando na disciplina da “etnologia folclórica” que se centra no estudo das comunidades rurais, nos seus mais diversos aspectos. Metodologicamente utiliza o trabalho de campo, entre as comunidades e as associações locais, tendo em vista manter o património no seu contexto físico, social e cultural. Noutro contexto político, depois do final da segunda Guerra Mundial, desenvolveu-se o movimento da ecomuseologia, destacando-se a implementação do Ecomuseu do Homem e da Indústria em Le Creusot-and-Montceau-les-Mines [2], interpretado como uma resposta aos pressupostos da etnologia francesa. (Pimentel, 2005: 179)

O contributo de Hugues de Varine na definição de ecomuseu para designar práticas heterogéneas, mas que concorriam para uma nova prática museológica foi fundamental [3] , articulando dois conceitos, tal como salienta:

  “ (...) ‘eco’ refere-se a uma noção de ecologia humana e às relações dinâmicas que o homem e a sociedade estabelecem com a tradição, o seu ambiente e os seus processos de transformação desses elementos, quando eles atingem um certo estado da sua responsabilidade de criadores.” (Varine, 1990: 457) [4]

Ainda que a responsabilidade do conceito seja atribuída a Rivière e a Varine, esta nova posição assume no panorama museológico português diversas réplicas, cumprindo-nos aqui considerar o contributo de Graça Filipe (2000), num dos primeiros desenvolvimentos práticos desta terminologia na sequência do trabalho que concebeu relativamente ao Ecomuseu Municipal do Seixal [5]. Nas palavras de Graça Filipe, “O que nos interessa (…) é também o contributo que possamos dar para a compreensão e a interpretação da instituição museal, como meio ou como uma das formas de relação do homem com a realidade, o que se insere nos objectivos da própria museologia” (Filipe, 2000: 4) As questões fundamentais levantadas por este estudo visam esclarecer também o impacto do Ecomuseu Municipal do Seixal: foi esta “uma espécie de experiência museológica piloto, útil para a experimentação e reflexão de profissionais?” (Filipe, 2000: 2) Nesta perspectiva, salienta-se também a importância da necessidade de se continuarem os estudos sobre estas novas formas museológicas, “Conquanto em Portugal, na prática e institucionalmente, esses estejam reduzidos ao caso do Seixal, vários outros museus se podem justamente reivindicar autênticos campos de aplicação de alguns dos mesmos princípios e conceitos”. (Filipe, 2000: 3) A teorização feita então pela autora estende-se à reflexão sobre as particularidades definidoras de“museus locais”, considerando a conceptualização feita por Maria Olímpia Lameiras-Campagnolo em 1984 [6]:

  “Um museu local tem a sua justificação na necessidade e na vontade por parte de uma comunidade de exprimir através de bens representativos, a coerência cultural e a diversidade de uma dada realidade humana e natural, urbana ou rural, na sua globalidade ou através de um aspecto dominante (ou de um conjunto de aspectos dominantes) da vida dessa comunidade, susceptível de fazer pressentir os seus demais aspectos. Numa perspectiva intensiva e largamente interdisciplinar, um museu local – cuja implantação territorial não corresponde obrigatoriamente a uma das divisões administrativas do país – é simultaneamente instrumento e agente de compreensãointerveniente da população e do território com os quais se encontra em permanente diálogo, testemunho atento do seu comum devir.” (Lameiras -Campagnolo , 1984 apud Filipe, 2000:3-4)

Este pressuposto segue precisamente a ideia de Riviére, de que geograficamente descentralizado, o ecomuseu deve ser um organismo que seja capaz de representar o percurso temporal, numa perspectiva histórica, do território e da comunidade a que pertence, bem como a sua dimensão espacial. Entendemos que este movimento da nova museologia ou de uma “museologia de acção” (Filipe, 2000: 4) encontrou no associativismo uma base de sustentação, na forma das associações locais de defesa do património, dado que após 1974, este conceito foi a terminologia adequada a alguns projectos museológicos que se desenvolveram. Segundo Cristina Pimentel (2005): “(...) os ecomuseus portugueses foram, pelo menos formalmente, herdeiros da mentalidade corporativa (...)” (p. 186). Reforçando ainda esta ideia citamos Cristina Bruno (1996) que nos diz:

“(...) é evidente que as mudanças ocorridas em Portugal após ‘25 de abril’ deram um outro rumo às questões patrimoniais, propiciando a consolidação de trabalhos regionalizados e comunitários. A nova ordem política favoreceu a participação popular e as ideias da Nova Museologia encontraram um amplo cenário para a sua aplicação.” (pp. 75-76)

(Continua na próxima edição.)

Hugues de Varine
Georges-Henri Riviére
(1897-1985)

[1] A Revolution Nationale foi um projecto desenvolvido durante o período em que a França foi invadida pelos alemães (14 de Julho de 1940) e pela consequente divisão do país em zonas livres e zonas ocupadas. Uma vez transferido para Vichy, o governo francês, na pessoa do Marechal Philippe Pétain, desenvolve o projecto, que no âmbito cultural contou com a colaboração de Georges Henri Rivière (director do Museu Nacional das Artes e Tradições Populares - MNATP) e da disciplina de “etnologia folclórica”, próximada política cultural do Estado Novoem Portugal, através da defesa de valores relacionados com a tradição e a ruralidade para a reconstrução do país (Pimentel, 2005: 177-178).

[2] O Ecomuseu do Homem e da Indústria em Le Creusot-and-Montceau-les-Mines, inaugurado em 1974, abrangia uma área de 500 km 2, entre duas comunidades diferentes, Le Creusot, cidade industrial e Montceau-les-Mines, uma cidade mineira. Pretendeu ser um museu cujo acervo seria tudo o que existia dentro daquela área geográfica, tal como Hughes de Varine escreveu: “Essa nova instituição seria o produto dessa comunidade e de sua população e se interessaria pela totalidade de seu meio ambiente, de seu patrimônio e de seu desenvolvimento.” (p.65)

[3] Vd. Varine, 2000: 61-90.

[4] Tradução da autora. No original: “(...) ”eco” se refere à une notion d’ecologie humaine et aux relatons dynamiques que l’homme et la société établissent avec leur tradition, leur environnement et les processos de transformation des ces éléments, loursqu’ils ont atteint un certain stade de leus responsabilité de créateurs.” (Varine, 1990: 457)

[5] Vd. Filipe, 2000.

[6] Na comunicação “As Relações entre Antropologia e Museologia no Diálogo entre Museus Locais e Museu Centrais”, apresentada no Seminário Museus e Etnologia em Portugal – História, Realidades e Perspectivas do Departamento de Antropologia da Universidade Nova de Lisboa

Milheiro*, Marta (2013) Contributos para uma candidatura à Rede Portuguesa de Museus – o caso do Museu Municipal de Almeirim (trabalho de Projecto para obtenção do grau de Mestre em Museologia).

*Licenciada em História da Arte e Mestre em Museologia pela FCSH - Universidade Nova de Lisboa.

 

 

Subscreva a nossa News Letter
CONTACTOS
COLABORADORES
 
Eduardo Milheiro
Coordenador
Marta Milheiro
   
© O Notícias de Almeirim : All rights reserved - Site optimizado para 1024x768 e Internet Explorer 5.0 ou superior e Google Chrome