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Breve enquadramento teórico dos museus locais e da Nova Museologia como justificação para o novo projecto museológico de Almeirim

15-11-2013

A abordagem que temos vindo a fazer relativa à realidade museológica portuguesa, com especial enfoque no período do Estado Novo, salientando-se pela criação das Casas do Povo, fez-nos concluir que nas décadas de 1940/1950, existiu uma espécie de rede museológica com objectivos pouco estruturadosao nível nacional. Todavia, as décadas que se seguiram, 1950/1960, foram momentos de charneira, a diversos níveis, nomeadamente no campo da museologia, pois assistiu-se ao desenvolvimento das relações entre os profissionais dos museus portugueses e estrangeiros, marcada pela entrada de Portugal para o International Council of Museums [1] ; pela criação da Fundação Calouste Gulbenkian (1956) e do seu Museu [2] ; pelas novas dinâmicas museológicas associadas ao pensamento de João Couto (1892-1968) [3] , no sentido de se dinamizar, divulgar e promover a cultura através dos museus; e pela fundação da Associação Portuguesa de Museologia em 1965, com o seu papel determinante na articulação dos diversos profissionais ligados às problemáticas museológicas e a promoção da museologia através de diversos instrumentos, tais como encontros, cursos e publicações.

Neste contexto de abertura, surge o Decreto-lei n.º 46 758 de 18 de Dezembro de 1965, o Regulamento Geral dos Museus de Arte, História e Arqueologia que definiu alterações significativas no âmbito do estatuto dos museus, da sua definição e da sua função social [4] . Neste duplo sentido, o diploma procurou valorizar a especificidade dos profissionais da museologia ao mesmo tempo que pretendeu adaptar aquelas instituições e aqueles profissionais às novas concepções museológicas. Dentro desta lógica, foi igualmente notória a preocupação do documento legislativo em definir as funções do museu e incentivar a abertura deste ao exterior, reforçando o seu papel social. Assim:

  “O primeiro fim de tais museus ‘é, sem contestação possível, assegurar a conservação das obras de arte (...). Mas o segundo fim de um museu, tão essencial como o primeiro, consiste em expor, valorizar, fazer conhecer e apreciar as obras que nele são conservadas, o que significa que os museus de arqueologia e belas-artes devem desempenhar uma missão científica e artística ao mesmo tempo que uma missão educativa e social. Se o museu não for mais do que uma instituição com finalidade conservadora, poderá então qualificar-se de necrópole. (...) O museu deve ser um organismo cultural ao serviço da comunidade.’” (Decreto-lei n.º 46 758: 1696).

Não obstante a mudança conceptual da definição de museu, impressa pelo diploma legal, que lhe conferiu uma componente social mais reconhecida, certo é que os museus daquele período continuaram a não ter meios humanos e financeiros que permitissem a prossecução daquelas funções. Esta conjuntura era ainda bem evidente em meados da década de 1970, tal como atestam diversas comunicações do Colóquio APOM [5] 76 – “Panorama Museológico Português. Carências e Potencialidades” realizado no Porto em Dezembro de 1976. De entre as diversas falhas apontadas no sistema museológico nacional, entendemos destacar: a necessidade de uma rede museológica concertada; a falta de reconhecimento oficial das potencialidades dos museus; a urgência em implementar legislação e medidas consentâneas com o contexto actual; a indispensabilidade de formar quadros técnicos e definir meios financeiros; e a

necessidade de definir estratégias para a divulgação e valorização das colecções. ( Ferreira, 1979: 45-50). Todavia, a realidade do país não impediu que a discussão teórica existisse. A Associação Portuguesa de Museologia voltou então a desempenhar um papel fundamental (com a realização de colóquios anuais a partir de 1975) na articulação entre os associados e as experiências nacionais e estrangeiras que se fizeram sentir, nomeadamente através da deslocação a Portugal de museólogos internacionais como Per-Uno Agren [6] , Georges Henri Rivière [7]e Hugues de Varine [8], ao longo da década de 1970. Nos seus papéis de consultores, divulgaram novos conceitos, tais como “ecomuseu” e “parque natural” e as suas respectivas experiências francesas neste âmbito.

Este alargamento conceptual propôs novos princípios museológicos, sendo os museus municipais, o seu reflexo mais evidente. Desembocando na noção de “museu comunitário”, esta nova teorização serve o propósito de uma prática museológica mais activa, que se desenvolve a partir de recursos locais, tendo, para isso, como sujeito e objecto, a própria comunidade.

[1] Organismo associado à UNESCO (Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas) que promove as questões relacionadas com a museologia (http://icom.museum/).

[2] Segundo esta perspectiva, Raquel Henriques da Silva (2002) salienta que “a elaboração, desde 1959, do projecto do Museu Calouste Gulbenkian (…) abria à cultura portuguesa, pela sua capacidade económica, a diversidade das suas iniciativas desenvolvimentistas, a clara opção pela modernidade e a sua independência em relação à ideologia do regime. (…) (p.86). As colecções dispersas de Gulbenkian estiveram na origem da implementação de um museu de raiz, associado à Fundação, que se traduziram num projecto arquitectónico de grande impacto na malha urbana da cidade de Lisboa. Concebido pelos arquitectos Alberto Pessoa, Rui Atouguia, Pedro Cid e Gonçalo Ribeiro Telles (na vertente paisagística), este projecto foi acompanhado pelos igualmente arquitectos Leslie Martin, Franc Albini, Carlos Ramos, Francisco Keil do Amaral, José Sommer Ribeiro; pelo museólogo Georges Henri Rivière – notável figura da nova museologia – e por Maria José Mendonça – conservadora do MNAA - equipa esta também responsável pelo programa museológico. Se no espaço e no estilo se revelou uma inovação, aliada ao consistente plano arquitectónico e paisagístico, não é menos verdade que reflectiu uma certa vertente modernista internacional, de forte influência nórdica e italiana, no modo como foram reconsiderados os princípios clássicos europeus, posição herdada do I Congresso Nacional de Arquitectura (1948). No que concerne ao Museu e no que nos importa aqui avaliar, este articulou de forma funcional, todos os seus serviços. No que diz respeito às técnicas expositivas, era já nesta altura um reflexo “dos notáveis progressos da museologia internacional entretanto ocorridos que (…) proclamavam o Museu como lugar de cultura visual, de forte marcação estética, onde os vários conjuntos de peças, mas também cada uma delas, deveria ser capaz de entrar em diálogo silencioso com o visitante.(…) (Silva: 2002: 87) Porém, sendo considerada uma instituição museológica de referência no contexto nacional, “não influencioudirectamente o meio museológico português mas foi, a partir da sua abertura, um repto positivo às profundas, ainda que menos eloquentes, transformações em curso que, na verdade, de algum modo o influenciaram também, através dos contributos das suas conservadoras formadas na ‘escola do Dr. João Couto’ que era o Museu Nacional de Arte Antiga.” (Silva, 2002: 88)

[3] Museólogo no Museu Machado de Castro transita para o Museu Nacional de Arte Antiga como conservador em 1924. Fundou o Laboratório de Investigação Científica para exame de obras de arte, sendo também o primeiro representante nacional nas conferências internacionais do International Coucil of Museums. Foi com João Couto que se iniciou a noção de serviço educativo nos museus. Vd. Costa, 1996.

[4] Reforçamos que o museu estando ao serviço da comunidade deve munir os públicos, através da sua acção pedagógica, de instrumentos (tais como catálogos, roteiros, visitas acompanhadas) de forma a facilitar o entendimento das suas mensagens.

[5] Associação Portuguesa de Museologia.

[6] Importante museólogo sueco (1930-2008), antigo presidente do International Coucil of Museums, desempenhou um papel determinante no seu país e além-fronteiras, nomeadamente através da sua intervenção no Museu Regional de Vasterbotten, durante os anos setenta do século XX, da mesma forma que criou o curso de museologia da Universidade de Umea, em 1983, e a revista Nordisk Museologi em 1993, com repercussões a nível internacional. Em Portugal, desempenhou um papel preponderante na Missão UNESCO (Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas) e revelou-se mais tarde, um visionário relativamente à Rede, através das suas propostas de 1979. O seu contributo completou-se ainda com o aprofundamento do papel social dos museus e dos seus profissionais junto das comunidades locais.

[7] Georges Henri-Rivière estudou o curso de Museologia na École du Louvre entre 1925 e 1928. O seu percurso profissional foi marcado pelo cargo de director do International Coucil of Museums entre 1948 e 1965 e pelo seu papel de conselheiro no mesmo organismo em 1968. Destacamos o seu envolvimento em diversos projectos museológicos, entre ao quais, a exposição sobre arte antiga americana no Musée des Arts Décoratifs em 1928; a reformulação do Musée du Trocadero para Musée de l´Homme, reaberto em 1938, com esta nova denominação; e a abertura do Musée des Arts et Traditions Populaires em 1937. A sua importância no domínio da reformulação museológica foi marcada pela definição do conceito de Ecomuseologia, sobre o qual se publicou após a sua morte em 1989 na revista Museum, o célebre artigo “Ecomuseus – uma definição evolutiva”.

[8] Hugues de Varine, nascido em 1935, especializou-se em História e Arqueologia na Universidade de Paris, Sorbonne. De entre os cargos que desempenhou destacamos a coordenação entre 1958 e 1960 do centro de documentação da missão cultural francesa na Embaixada de França em Portugal; a direcção do International Coucil of Museums entre 1965 e 1974; e a direcção do Instituto Franco-Português, entre 1982 e 1984. Juntamente com Georges Henri-Rivière é tido como o fundador da Ecomuseologia e da Nova Museologia.

Obra de leitura obrigatória no âmbito da abordagem museológica de Rivière.
(Fonte: imagem retirada da Internet)

(Continua na próxima edição.)

Milheiro*, Marta (2013) Contributos para uma candidatura à Rede Portuguesa de Museus – o caso do Museu Municipal de Almeirim (trabalho de Projecto para obtenção do grau de Mestre em Museologia).

*Licenciada em História da Arte e Mestre em Museologia pela FCSH - Universidade Nova de Lisboa.

 

 

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