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BPP: um caso cheio de casos
Autor: Luís Figueiredo

31-01-2014

Quatro anos depois da falência oficial do banco, o ‘caso BPP’ chega finalmente a tribunal. A primeira das 22 sessões previstas para o julgamento arranca já na próxima semana (4 de Fevereiro), com a leitura das acusações que pendem sobre o ex-homem forte do BPP, João Rendeiro, e de mais outros dois gestores ligados ao banco, Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital, concretamente.

Este é, contudo, um arranque ao pé coxinho, uma vez que se trata apenas de um processo ‘paralelo’ ao mega-processo principal do BPP, que ainda não tem data de julgamento, e que versa em especial sobre o ‘veículo’ Privado Financeiro (PF) criado no universo BPP para investir em acções do concorrente Banco Comercial Português (BCP).

Segundo o Ministério Público, a ‘troika’ do BPP acima citada (Rendeiro, Guichard, e Vital) é acusada do crime de “burla qualificada”, consequência do envolvimento “fraudulento” num aumento de capital da Privado Financeiro, em Marco de 2008.

Muito sucintamente, e de acordo com o processo (ao qual pediram para ser assistentes cerca de 30 antigos clientes do banco), os três arguidos terão ocultado aos investidores a real situação da PF, que se encontrava tecnicamente falida à data do aumento de capital, então com uma dívida de 200 milhões de euros ao banco JP Morgan e um descoberto (sem garantias) de 50 milhões no próprio BPP.

Prática comum

Este caso, ligado ao ‘veículo’ Privado Financeiro, não é, todavia, caso único no universo BPP. De entre as várias sociedades criadas pelo banco para investir na bolsa (Liminorke, Opportunities, Brasil, e outras), uma há que lesou também muitos investidores e que não deu direito a ‘processo paralelo’. Chama-se Kendall Develops (KD), o ‘veículo financeiro’ criado para investir especificamente na área das concessões rodoviárias. A Kendall chegou a deter 5% da Brisa e igual participação na brasileira OHL. Mas tudo mudou no curto espaço de quatro anos, de 2005 a 2009. Vejamos:

A Kendall Develops S.A. foi criada pelo BPP em Abril de 2005, com um capital de 92 milhões de euros. O BPP detinha 10% deste ‘veículo financeiro’, através da sua empresa Pcapital SGPS. Segundo relatórios de contas da própria Kendall (2008, 2009, 2010), a maior parte do capital da sociedade (56,62%) estava disperso por pequenos investidores com montantes inferiores a um milhão de euros. Muitos deles saíram lesados com a quase falência da sociedade, quatro anos depois.

O BPP concedeu também à Kendall um crédito a descoberto (sem garantias) no valor de 50 milhões de euros. Este crédito virá depois a incendiar as relações entre a Kendall e o BPP, uma vez que estes 50 milhões foram depois dados como parte da garantia ao Estado quando este avalizou o empréstimo de 450 milhões de euros concedidos ao BPP por um grupo de bancos.

Contudo, na prática e apesar de apenas deter 10% da KD, o BPP detinha o controlo da sociedade, assegurado quer pelos contratos de consultadoria e administração que estabeleceu com a sociedade, quer ainda através da representação directa que o BPP detinha nos órgãos de administração da KD.

BPI maior investidor

De acordo com os relatórios oficiais de contas da Kendall, o principal investidor da sociedade foi o BPI. O que não deixa de constituir alguma surpresa, embora a finança pareça ter razões que o senso comum desconhece. Só que este veículo em concreto, a Kendall, fora criado pelo BPI_Fernando_Ulrich‘concorrente’ BPP, que com apenas 10% do capital (9,2 milhões de euros) detinha, na verdade, o controlo efectivo da sociedade.

O que levou então o BPI a investir tanto na KD? Ou, estaria o BPI na posse de toda a informação acerca da sociedade, concretamente que mais de metade do capital da empresa era de pequenos accionistas, logo sem qualquer relevância nos jogos de interesses e poder?

O que é facto é que em Fevereiro de 2006, o BPI emprestou 120 milhões de euros à Kendall para esta adquirir uma posição qualificada na Brisa, de cerca de 5%. Meses mais tarde, no final do ano, nova surpresa; o BPI aumentou em 50% o financiamento à Kendall, para 180 milhões de euros. Como garantia do empréstimo recebe da sociedade a penhora as ditas acções, com um rácio de cobertura de 130%. Um belo negócio, sendo que o empréstimo venceria a cinco anos, em Fevereiro de 2011.

BPI executa penhor

Contudo, em 2008, apenas dois anos depois e não menos sem surpresa, o BPI executou o penhor de cerca de dois milhões de acções da Brisa. Resta saber porquê (a falência do Lemon Brothers não serve de desculpa) e, sobretudo, como se desenrolou a execução do penhor, qual o rácio de cobertura das acções, por exemplo? Foi o de 130% ou foi alvo de negociação?

A este primeiro penhor outros se seguiram, não sem antes o BPI ter reclamado à Kendall novas garantias, que se saldaram com o recurso a depósitos, que totalizavam 52 milhões de euros a favor do BPI, no final de 2008.

Mas nem isso demoveu o BPI, que voltou a executar mais duas penhoras, em 2009 (8 milhões de acções) e em 2010 (3 milhões), antes portanto do fim do empréstimo, mas numa altura em que o BPP tinha já sido ‘intervencionado’ pelo Estado. O que não invalida a questão de saber em que termos foram executados estes novos penhores? E no âmbito da revisão de garantias, que ficou acordado entre o BPI e a Kendall?

À beira do precipício

Quiçá ampliada por estas execuções, em Junho de 2009, a Kendall estava tecnicamente falida, com uma situação negativa de 30 milhões de euros. A sociedade estava à beira da insolvência, mas acabou por dar a volta e fechou o ano com um saldo positivo de 28 milhões de euros, o que perfaz uma recuperação de 58 milhões de euros na última metade do ano. Notável. O único senão foi a ‘guerra’ entretanto encetada com o BPP, de que daremos conta em breve.

Luís Figueiredo

 

 

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