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A MÁ GESTÃO DAS EXPECTATIVAS DE INFLAÇÃO
Autor: Howard Davies

04-02-2022

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Banqueiros centrais não são obrigados a ter o dom da escrita. A capacidade de construir parágrafos elegantes não costuma estar na descrição de trabalho deles. Até recentemente, muitos dos principais formuladores de políticas monetárias operavam com base no princípio “quanto menos falado, mais depressa consertado”. Montagu Norman, presidente do Banco da Inglaterra de 1920 a 1944, vivia pelo lema “nunca explique, nunca peça desculpas”. Da mesma forma, o ex-presidente da Federal Reserve dos EUA Alan Greenspan notou com orgulho  certa vez que tinha “aprendido a murmurar com grande incoerência”.

Mas esses pontos de vista são antiquados hoje. Altos funcionários do BOE fizeram, em média, um total de meros 13 discursos  por ano na década de 90. Na última década, a média foi superior a 80, e a curva de tendência aponta para cima. Padrão semelhante pode ser notado em outros bancos centrais.

Não é que banqueiros centrais agora anseiem por ser figuras públicas; muitos, em particular, preferem o Método Norman. Porém, se acredita que um regime de metas de inflação funcione por meio da gestão clara e confiável das expectativas. Convença os atores económicos de que você atingirá seu alvo na maior parte do tempo, e eles farão parte do seu trabalho para você, moderando suas demandas salariais e mantendo preços estáveis.

Ou seja, a comunicação de um banco central importa; para os formuladores de políticas monetárias, não é um item opcional. E a experiência deles nos últimos meses tem sido infeliz. Há pouco tempo, em Setembro, o presidente do Fed, Jerome Powell, estava dizendo ao mundo que o aumento da inflação, que começou a ser sentido no verão passado, era “transitório”. A palavra foi adoptada pela presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, e em Novembro já era amplamente usada em todo o mundo ocidental.

Em Dezembro, contudo, com a inflação americana em  7%, a mensagem tinha mudado, e “transitório” saiu de moda. Powell agora estava nos dizendo que “provavelmente (era) uma boa hora para aposentar o termo”, enquanto a secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, sua antecessora no Fed, admitiu que “não era uma descrição apropriada”.

Raramente um termo financeiro teve vida tão curta. “Transitório” está sepultado hoje no cemitério lexicográfico dos bancos centrais, ao lado de “orientação para a frente”. Sic transit, como diriam os romanos.

E essa vergonhosa guinada linguística importa? Receio que sim.

Os discursos são apenas uma parte do combo de comunicações que os bancos centrais usam para influenciar as expectativas de inflação. Autoridades monetárias também vêm abraçando com entusiasmo as mídias sociais, especialmente o Twitter, onde o Fed tem hoje mais de 800 mil seguidores, e o BCE mais de 650 mil, em perfis que frequentemente exaltam as virtudes da inflação baixa.

Mas há novas e preocupantes evidências de que essa mensagem não está colando, e de que os bancos centrais não têm tanta confiança quanto gostam de imaginar. Na verdade, menos de 20%  dos lares nos EUA sabem que o Fed vem mirando uma taxa de inflação de 2%. Surpreendentemente, quase 40% acreditam que o órgão está mirando uma inflação de 10% ou mais.

Muitos também acreditam que a inflação recente tem sido maior do que indicam as estatísticas oficiais. Aqui, alguns deles podem estar certos, uma vez que diferentes camadas sociais enfrentam diferentes taxas de inflação. Por exemplo, a alta nos preços de alimentos e energia afecta de modo desproporcional as famílias mais pobres.

Bancos centrais gostam de focar no chamado núcleo inflacionário, que exclui factores de longo prazo - especificamente, altas nos preços dos alimentos e da energia – que as autoridades monetárias não podem controlar. Isso pode levar os formuladores de políticas a ver um aumento da inflação como “transitório”. Só que a expectativa de preço ao consumidor, em comparação, é formada pelo índice de inflação que ele de fato experimenta, e os preços de alimentos e energia são parte significativa dos orçamentos de muitas famílias.

É provavelmente por isso que consumidores e famílias americanas acham que a inflação do ano que vem será maior do que imaginam os economistas americanos. Em média, os economistas prevêem uma taxa de inflação de 3,7%  ao longo do próximo ano. Gestores empresariais esperam que seja um pouco maior, a 4,1%, enquanto as famílias esperam que os preços subam 4,7%. As expectativas de médio prazo das famílias também são maiores. Sem dúvida esse pessimismo influenciará as demandas salariais, como já estamos vendo.

Quem vai estar certo, no fim das contas? Logo saberemos. Os bancos centrais podem apontar para alguns argumentos persuasivos sugerindo que a inflação cairá ao longo do ano que vem. Por exemplo, apesar da maior demanda de resfriamento, normalmente os custos de energia caem no verão do hemisfério norte.

Mas as perspectivas para os custos de energia são altamente incertas, além de influenciadas por riscos geopolíticos imprevisíveis, e não só por oferta e demanda, que podem ser modeladas mais facilmente. O indicador mais útil a esse respeito pode ser o número de tropas  russas em massa na fronteira ucraniana, o que não é uma estatística normalmente recolhida pelos bancos centrais.

Por enquanto, a posição dos bancos centrais não é desesperadora; a hiper-inflação não está logo ali. O Fed pode argumentar que o nível de preços só voltou para onde estaria se os formuladores de políticas tivessem cumprido de modo preciso uma meta de inflação anual de 2% em cada ano desde 2000. Na zona do euro, os preços ainda estão 10% abaixo desse nível.

Porém, os custos de se perder o controle das expectativas de inflação ao consumidor, o que os principais bancos centrais parecem ter feito, podem ser altos. A evolução dos acordos salariais ao longo do próximo trimestre será crucial. Se os aumentos salariais acelerarem, bancos centrais serão obrigados a responder com firmeza ou perder ainda mais credibilidade, de modo que as taxas de juros estarão subindo com economias ainda lutando para sair da pandemia. Sorte de Powell ter sido reconduzido ao cargo recentemente, já que ele não deve ganhar nenhum concurso de popularidade em 2022.

HOWARD DAVIES

Howard Davies, o primeiro presidente da Autoridade de Serviços Financeiros do Reino Unido (1997-2003), é presidente do NatWest Group. Foi director da London School of Economics (2003-11) e actuou como vice-governador do Banco da Inglaterra e director-geral da Confederação da Indústria Britânica.

 

 

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