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DOSSIERS
 
COMO REPARAR AS FINANÇAS CLIMÁTICAS
Autor: Jeffrey D. Sachs

10-12-2021

A Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima em Glasgow (COP26) ficou muito aquém do que seria necessário para um planeta seguro, principalmente devido à mesma falta de confiança que tem afectado as negociações climáticas globais por quase três décadas. Os países em desenvolvimento acham que a mudança climática é uma crise causada em grande parte pelos países ricos, que, por sua vez, também continuam se esquivando de sua responsabilidade histórica e contínua pela crise. Preocupados em terem de pagar a conta, muitos importantes países em desenvolvimento, como a Índia, não dão muita importância em negociar ou traçar estratégias.

Eles têm muitas razões para isso. O péssimo comportamento dos Estados Unidos ao longo de três décadas não passou despercebido. Apesar dos dignos apelos de acção do presidente Joe Biden e de seu enviado para o clima, John Kerry, Biden não foi capaz de pressionar o Congresso dos Estados Unidos a adoptar um padrão de energia limpa. Biden pode reclamar o quanto quiser sobre a China, mas após 29 anos de inactividade do Congresso desde que o Senado ratificou a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima em 1992, o resto do mundo assiste a verdade: o corrupto e falido Congresso dos EUA continua no bolso das grandes petrolíferas e companhias mineiras internacionais (Big Oil e Big Coal).

Esse financiamento está no cerne da ruptura geopolítica na mudança climática. Os países em desenvolvimento já estão sofrendo inúmeras pressões: a pandemia do COVID-19, fracas economias internas, desastres climáticos cada vez mais frequentes e graves, as múltiplas disrupções da era digital, tensões entre EUA-China e altos custos de empréstimos internacionais. Esses países observam os países ricos tomarem emprestado triliões de dólares nos mercados de capitais a taxas de juros próximas a zero, enquanto eles precisam pagar de 5 a 10%, se conseguiram tomar algum emprestado. Em suma, eles vêem suas sociedades ficando cada vez mais atrás de alguns países de alta renda.

Contra esse pano de fundo de alta ansiedade económica,  países em desenvolvimento vêem os países ricos se recusando a discutir francamente a crise de financiamento que enfrentam quando se trata de mitigar e de se adaptarem às mudanças climáticas ou outras necessidades urgentes. Eles assistem aos países ricos gastando US$ 20 triliões extras ou mais em suas próprias economias em resposta ao COVID-19, porém sem cumprir sua promessa – que vem desde a COP 15 em 2009 – de mobilizar escassos US$ 100 bilhões por ano para acções climáticas nos países em desenvolvimento.

Evidentemente, a hesitação de Biden sobre o financiamento do clima para os países em desenvolvimento é compreensível. Ele seria criticado na nacionalista mídia dos EUA se pedisse mais ajuda dos EUA para os países em desenvolvimento e não ganharia nada com isso no  Congresso. Com a diminuição da influência global dos EUA, os nacionalistas dos EUA se voltaram ainda mais agressivamente contra o resto do mundo.  Os apoiantes do “America First” no Congresso bloqueariam quaisquer novas dotações.

Muitos governos na Europa estão praticamente na mesma posição, precariamente empoleirados entre partidos nacionalistas e internacionalistas. E com os déficits orçamentários geralmente altos nos países europeus após o COVID-19, muitos parlamentos têm pouca disposição para fazer mais – especialmente considerando que a União Europeia já dedica uma parcela muito maior da renda nacional bruta (cerca de 0,5%) ao desenvolvimento oficial de assistência do que os EUA (apenas 0,17%).

Isso nos deixa presos entre a realidade de uma devastadora crise climática global e as políticas nacionalistas dos países ricos, com  o financiamento do clima baseado em contribuições voluntárias dos mais ricos. O resultado é o profundo sub-financiamento crónico de bens públicos globais, como um clima seguro, os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável e as vacinas contra o COVID-19. Líderes como Biden podem pleitear a responsabilidade de seus legislativos, mas os legisladores consideram politicamente mais conveniente protestar contra os “indignos” estrangeiros

Os fracassos financeiros na COP26 são trágicos e absurdos, indo além do fracasso geral em mobilizar os prometidos US$ 100 biliões por ano. Vale observar que o tão elogiado Fundo de Adaptação ao Clima, estabelecido para ajudar os países em desenvolvimento a atender às suas necessidades de adaptação, arrecadou US$ 356 milhões  em promessas na COP26, ou cerca de cinco centavos por pessoa nos países em desenvolvimento do mundo. O financiamento para “perdas e danos”, ou seja, para se recuperar e reconstruir dos desastres climáticos, foi ainda pior, com os países ricos concordando apenas em manter um “diálogo” sobre o assunto.

Esse voluntarismo financeiro precisa acabar. Precisamos de uma fórmula global que atribua responsabilidades a todos os países ricos. Pelo menos nesse caso, a comunidade global teria uma referência para exigir acções de países retardatários na acção ​​como os Estados Unidos.

Aqui está uma abordagem simples e viável. Para ajudar a financiar a transição para energia limpa (mitigação) e resiliência climática (adaptação) nos países em desenvolvimento, cada país de alta renda seria taxado em US$ 5 por tonelada de dióxido de carbono emitida. Os países de renda média alta, em US$ 2,50 por tonelada. Essas tributos de CO 2  começariam o mais rápido possível e aumentariam gradualmente, dobrando em cinco anos.

Os países poderiam facilmente pagar essas modestas quantias com os rendimentos dos impostos sobre o carbono e leilões de licenças de emissão e ambos deveriam ter um preço muito mais alto  por tonelada de CO 2   do que o imposto.

Países de alta renda actualmente emitem cerca de 12 biliões de toneladas  de CO 2  por ano, e os países de renda média alta estão emitindo cerca de 16 biliões de toneladas por  ano, então os pagamentos de carbono somariam cerca de US$ 100 biliões no início, e dobrariam após cinco anos. Os fundos seriam direccionados a países de baixa e média baixa renda, bem como a determinados países com vulnerabilidades climáticas especiais (como pequenos estados insulares que enfrentam a elevação do nível do mar e ciclones tropicais mais intensos).

Supondo-se que metade dos fundos (inicialmente US$ 50 bilhões) sejam distribuídos como doações directas e o restante seja injectado nos bancos multilaterais de desenvolvimento (BMDs), como o Banco Mundial e o Banco Africano de Desenvolvimento, na condição de novo capital para apoiar o financiamento do clima. Os BMDs usariam o novo capital para levantar fundos nos mercados de capitais, alavancando os novos US $ 50 bilhões em talvez US $ 200 biliões em títulos verdes, que repassariam aos países em desenvolvimento para projectos climáticos.

Dessa forma, a modesta taxa de carbono levantaria cerca de US$ 250 biliões em novos financiamentos climáticos anuais e dobraria para cerca de US$ 500 biliões após cinco anos.

Para financiar perdas e danos, uma taxa adicional seria aplicada, não às emissões actuais, mas à soma das emissões anteriores, a fim de alinhar as perdas e danos de hoje com a histórica responsabilidade pelas mudanças climáticas de hoje. Os EUA, por exemplo, são responsáveis ​​por cerca de 20% de todas as emissões de CO  2  desde 1850. Se um novo Fundo Global de Perdas e Danos buscar levantar, digamos, US$ 50 biliões por ano, a participação anual dos EUA seria de US$ 10 biliões.

Concordar com esses princípios de receita certamente não será fácil, mas será muito melhor lutar por um novo sistema baseado em regras do que apostar o futuro do planeta no voluntarismo. A COP26 mostrou definitivamente que pedir aos políticos nacionais que votem em fundos voluntários para bens públicos globais é um beco sem saída. Os políticos dos países ricos tiveram muitos anos para implementar o financiamento climático prometido, mas fracassaram. Um sistema baseado em regras, com justa e transparente divisão de encargos, é o modo de garantir o financiamento de que precisamos para a segurança e a justiça planetária.

JEFFREY D. SACHS

Jeffrey D. Sachs, professor da Universidade de Columbia, é director do Centro para o Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Columbia e presidente da Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Ele serviu como conselheiro de três Secretários-Gerais da ONU e actualmente actua como Advogado ODS sob o Secretário-Geral António Guterres. Seus livros incluem The End of Poverty Common WealthThe Age of Sustainable DevelopmentBuilding the New American EconomyA New Foreign Policy: Beyond American Exceptionalism, e, mais recentemente, The Ages of Globalization.

 

 

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