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OS BANCOS CENTRAIS E O IMINENTE AJUSTE DE CONTAS FINANCEIRO
Autor: Willem H. Buiter

15-10-2021

Desde o início de 2020, os bancos centrais das economias avançadas tiveram de escolher entre tentar obter a estabilidade financeira, a inflação baixa (normalmente 2%) ou a actividade económica real. Sem excepção, optaram pela estabilidade financeira, seguida da actividade económica real, com a inflação por último.

Como resultado, o único banco central de economias avançadas a aumentar as taxas de juro desde o início da pandemia COVID-19 foi o Norges Bank da Noruega, que subiu a sua taxa de juro de zero para 0,25%, no dia 24 de Setembro. Embora tenha dado a entender que um aumento adicional da taxa possa ocorrer em Dezembro, e que a sua taxa básica de juro possa chegar a 1,7% no final de 2024, isso é apenas mais um indício da extrema relutância dos decisores da política monetária em implementar o tipo de aumento de taxa necessário para atingir uma meta de inflação de 2% de forma consistente.

A enorme relutância dos bancos centrais em prosseguir com políticas de taxas de juro e de balanço patrimonial compatíveis com as suas metas de inflação não deveria ser surpresa. Nos anos entre o início da Grande Moderação, em meados da década de 1980, e a crise financeira de 2007-08, os bancos centrais das economias avançadas não tiveram influência suficiente na estabilidade financeira. Um exemplo importante foi a perda do Banco da Inglaterra de todos os poderes de supervisão e regulamentação quando lhe foi concedida a independência operacional em 1997.

O resultado foi um desastre financeiro e um grave declínio cíclico. Confirmando a lógica do provérbio “gato escaldado de água fria tem medo”, os bancos centrais responderam à pandemia de COVID-19 com a adopção de políticas agressivas sem precedentes para garantir a estabilidade financeira. Mas foram também muito além do que era necessário, fazendo tudo o que podiam para apoiar a actividade económica real.

Os bancos centrais estavam certos em dar prioridade à estabilidade financeira em detrimento da estabilidade de preços, considerando que a própria estabilidade financeira é um pré-requisito para a estabilidade de preços sustentável (e para outro objectivo de alguns bancos centrais, o pleno emprego). O custo económico e social de uma crise financeira, principalmente com a alavancagem privada e pública tão alta como está hoje, diminuiria o custo de ultrapassar persistentemente a meta de inflação. Obviamente, as taxas de inflação muito altas devem ser evitadas, porque também podem tornar-se uma fonte de instabilidade financeira; mas se prevenir uma calamidade financeira requer alguns anos de alta inflação de um único dígito, o preço vale bem a pena.

Espero (e prevejo) que os bancos centrais – especialmente a Reserva Federal dos EUA – estejam preparados para responder de forma apropriada se o governo federal dos EUA não cumprir o seu “limite de endividamento” no dia 18 de Outubro ou por volta desse dia. Um estudo recente de Mark Zandi, da Moody’s Analytics, conclui que um incumprimento da dívida soberana dos Estados Unidos poderia destruir até seis milhões de empregos nos Estados Unidos e dizimar até 15 biliões de dólares da riqueza privada dos Estados Unidos. Essa estimativa parece-me optimista. Se o incumprimento soberano fosse prolongado, os custos provavelmente seriam muito maiores.

Em qualquer caso, um incumprimento soberano dos EUA também teria um impacto global dramático e devastador, afectando tanto as economias avançadas como os mercados emergentes e em desenvolvimento. A dívida soberana dos EUA é amplamente detida a nível mundial e o dólar dos EUA continua a ser a principal moeda de reserva do mundo.

Mesmo sem uma ferida auto infligida, como uma falha do Congresso dos EUA em aumentar ou suspender o limite de endividamento, a fragilidade financeira é predominante hoje em dia. Os balanços patrimoniais domésticos, corporativos, financeiros e governamentais atingiram níveis recordes neste século, tornando os quatro sectores mais vulneráveis ​​a choques financeiros.

Os bancos centrais são os únicos atores económicos capazes de enfrentar as crises de financiamento e liquidez dos mercados que agora fazem parte do novo normal. Não há resiliência suficiente nos balanços dos bancos não centrais para lidar com uma venda urgente de activos de alto risco ou uma corrida aos bancos comerciais ou a outras instituições financeiras sistemicamente importantes que detenham passivos líquidos e activos com falta de liquidez. Isto é válido tanto na China como nos Estados Unidos, na zona do euro, no Japão e no Reino Unido.

A bolha imobiliária da China – e o endividamento das famílias associado – provavelmente implodirá mais cedo ou mais tarde. O promotor imobiliário, Evergrande, perigosamente endividado, pode muito bem ser o catalisador. Mas mesmo que as autoridades chinesas consigam evitar um colapso financeiro total, uma crise económica profunda e persistente será inevitável. Adicionemos a isso um declínio acentuado na potencial taxa de crescimento da China (devido à demografia e às políticas hostis às empresas) e a economia mundial terá perdido um dos seus motores.

Nas economias avançadas (e em muitos mercados emergentes), os activos de risco, especialmente acções e imóveis, parecem estar materialmente sobrevalorizados, apesar das recentes pequenas correcções. A única maneira de evitar este desenlace é acreditar que as actuais taxas de juro reais a longo prazo (que são negativas em muitos casos) estão nos seus valores fundamentais ou próximo deles. Desconfio que tanto a taxa de juro real segura a longo prazo como os prémios de risco variados estão a ficar artificialmente em baixa através de crenças distorcidas e bolhas duradouras, respectivamente. Se assim for, as actuais avaliações de activos de risco estão totalmente desligadas da realidade.

Sempre que as inevitáveis ​​correcções de preços se materializarem, os bancos centrais, supervisores e reguladores precisarão de trabalhar em estreita colaboração com os Ministérios das Finanças para limitar os danos à economia real. Será necessária uma desalavancagem significativa em todos os quatro sectores (famílias, empresas não financeiras, instituições financeiras e governos), para reduzir a vulnerabilidade financeira e aumentar a resiliência. A reestruturação ordenada da dívida, incluindo a reestruturação da dívida soberana em vários países em desenvolvimento altamente vulneráveis, precisará de fazer parte da restauração tardia da sustentabilidade financeira.

Os bancos centrais, actuando como credores de último recurso (LLR) e criadores de mercado de último recurso (MMLR), serão mais uma vez as peças fundamentais naquilo que seguramente será uma sequência caótica de eventos. As suas contribuições para a estabilidade financeira global nunca foram tão importantes. As metas de inflação de 2% e emprego máximo podem esperar, mas a estabilidade financeira não. Como as operações dos LLR e MMLR são conduzidas na zona crepuscular entre a falta de liquidez e a insolvência, estas actividades dos bancos centrais têm características quase fiscais marcantes. Assim, a crise que agora aguarda nos bastidores irá inevitavelmente diminuir a independência dos bancos centrais.

WILLEM H. BUITER

Willem H. Buiter é professor adjunto de relações públicas e internacionais na Universidade de Columbia.

 

 

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