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DOSSIERS
 
UM MUNDO EM CHAMAS E VENTOS CONTRÁRIOS
Autor: Michael Spence

03-09-2021

Há apenas três meses, a economia global parecia estar a caminho de uma recuperação relativamente robusta. O fornecimento de vacinas contra o COVID-19 havia se expandido nos países desenvolvidos, aumentando as esperanças de que se espalharia para os países em desenvolvimento no segundo semestre de 2021 e em 2022. Muitas economias registavam números de crescimento impressionantes com a reabertura de sectores reprimidos pela pandemia. Embora a interrupção nas cadeias de suprimento tivessem causado escassez e altos preços para os principais insumos, esses eram vistos como problemas meramente transitórios.

O mundo parece muito diferente agora. A variante Delta está se espalhando rapidamente, inclusive em países desenvolvidos e entre grupos que até agora eram menos vulneráveis ​​ao vírus. As partes não vacinadas do mundo –  principalmente países de renda média-baixa e baixa –  estão agora mais vulneráveis ​​que nunca. 

Além disso, a cadeia de abastecimento da vacina está falhando. O principal motivo é que os países desenvolvidos têm contratos de opção para comprar muito mais doses de vacina do que precisam (mesmo depois de contabilizar uma expansão em seus programas para vacinar pessoas mais jovens e administrar doses de reforço). Isso aumenta a fila da vacinação, atrasando, assim, a chegada das vacinas em grande parte do mundo em desenvolvimento.

Os “pedidos exorbitantes” do mundo rico precisam ser liberados e disponibilizados para compra por outros países. Um programa para financiar essas compras não seria muito caro em termos globais (na ordem de US$ 60-70 bilhões) e traria benefícios imediatos e de longo prazo no controle do vírus e na prevenção do surgimento de novas e perigosas variantes.

Outro problema é que as cadeias globais de abastecimento foram interrompidas de forma mais severa do que se pensava anteriormente. Agora é evidente que a escassez resultante – em mão de   obra, semicondutores (usados ​​em inúmeras indústrias), materiais de construção, contentores e capacidade de transporte – não vai desaparecer tão cedo. Pesquisas indicam  que os efeitos inflacionários são generalizados por sectores e países e provavelmente actuarão como um persistente obstáculo para a recuperação e o crescimento. 

Para aumentar a incerteza, tem havido mudanças induzidas pela pandemia nas cadeias de suprimentos domésticas e globais que ainda não são bem compreendidas e provavelmente serão difíceis de serem revertidas. Na verdade, as interrupções decorrentes da pandemia são mais amplas e parecem estar exercendo um peso maior sobre a economia do que a recente guerra comercial entre Estados Unidos e China.

Mas o desdobramento mais revelador dos últimos três meses foi o dramático aumento na frequência, gravidade e escopo global de climas extremos: tempestades, secas, ondas de calor, temperaturas médias mais altas, incêndios e inundações. No início deste mês, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas entregou um novo relatório  que foi caracterizado  sem rodeios como o anúncio do “código vermelho para a humanidade”. O consenso da comunidade científica sugere que a brutal experiência deste ano não é uma excepção; é o novo normal do clima. 

Portanto, podemos esperar mais do mesmo (e provavelmente muito pior) nos próximos 20-30 anos. A janela para prevenir os tipos de eventos que vimos neste verão está fechada. O desafio agora é acelerar o ritmo de redução das emissões de gases de efeito estufa para evitar resultados relacionados ao clima ainda mais graves – e potencialmente fatais – nas próximas décadas.

Devido aos ventos contrários económicos e climáticos que o mundo enfrenta, e que irão soprar em um horizonte de tempo mais longo, o crescimento e o desenvolvimento futuros estão em perigo. Além de ser um óbvio obstáculo ao crescimento, as atuais interrupções na cadeia de suprimentos podem contribuir para as pressões inflacionárias que exigirão uma resposta da política monetária. 

Da mesma forma, um vírus em constante mutação que se torna uma característica semi-permanente da vida, retardará o crescimento global e a especialização. Viagens internacionais continuarão a batalhar para se recuperar. E embora as plataformas digitais possam servir como substitutos parciais, os obstáculos à mobilidade acabarão por atingir todos os ecossistemas económicos e financeiros globais que apoiam as inovações.

No passado, eventos climáticos extremos eram raros e locais o suficiente para que os riscos não afectassem realmente as perspectivas macroeconómicas globais. Mas o novo padrão já parece diferente. É difícil pensar em uma região que não esteja sujeita a elevados riscos relacionados ao clima. Um recente documento  do US Federal Reserve adverte que a mudança climática pode aumentar a frequência e a gravidade das contracções económicas, reduzindo assim o crescimento. Além dos recursos destinados a impulsionar a recuperação, essa nova realidade deve finalmente se reflectir nos preços de activos e seguros.

O resultado final é que as mudanças climáticas estão rapidamente se tornando um factor perceptível no desempenho macroeconómico. Embora não tenhamos medidas precisas de fragilidade económica (ou seja, resiliência diante de choques), é difícil não concluir que a economia global, e especialmente algumas de suas partes mais vulneráveis, está se tornando mais frágil. Os países em desenvolvimento de baixa renda já enfrentam desafios significativos no que diz respeito a tendências demográficas, adaptação de modelos de crescimento à era digital e solução de problemas localizados de governança. Adicionem-se restrições fiscais, volatilidade e pressão relacionadas ao clima e a longa fila de vacinas e eis aí os ingredientes para uma tempestade perfeita.

Muito disso já está incluído em nosso futuro imediato. Mas nem tudo. Os mercados de capitais, por exemplo, parecem estar se ajustando à nova realidade, e resolver o desafio do suprimento global de vacinas não é nem impossivelmente complexo nem proibitivamente caro. Tudo o que é necessário é foco multilateral e comprometimento.

A conferência das Nações Unidas sobre mudança climática (COP26) em Glasgow, em Novembro,  será crucial, e ainda mais difícil do que as conferências anteriores sobre mudança climática. O objectivo é fortalecer os compromissos nacionais de descarbonização assumidos em Paris na COP21, para que o agregado global seja consistente com um orçamento de carbono que limite o aquecimento global a 1,5 ° C em relação ao nível pré-industrial.

Finalmente, uma vez que eventos climáticos extremos ocorrerão com mais frequência e no mundo inteiro – atingindo aleatoriamente quase qualquer lugar – os sistemas de seguro social e privado precisarão de uma grande actualização para se tornarem multinacionais em seu escopo. É possível que precisemos de uma nova instituição financeira internacional para fazer isso, trabalhando em estreita colaboração com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

MICHAEL SPENCE

Michael Spence, vencedor do Prémio Nobel de Economia, é Professor Emérito de Economia e ex-reitor da Graduate School of Business da Universidade de Stanford. Ele é Senior Fellow na Hoover Institution, actua no Comité Académico da Luohan Academy e co-preside o Conselho Consultivo do Asia Global Institute. Ele foi presidente da independente Comissão de Crescimento e Desenvolvimento, órgão internacional que de 2006 a 2010 analisou oportunidades de crescimento econômico global, e é o autor de The Next Convergence: The Future of Economic Growth in a Multispeed World.  

 

 

 

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