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A DOUTRINA ECONÓMICA NEOPOPULISTA DE BIDEN
Autor: Nouriel Roubini

13-08-2021

Cerca de meio ano sob a gestão de Joe Biden, é hora de considerar como a doutrina económica de seu governo se compara à do ex-presidente Donald Trump e às dos governos democratas e republicanos anteriores.

O paradoxo é que a “doutrina Biden” tem mais em comum com as políticas de Trump do que com as do governo de Barack Obama, no qual o actual presidente trabalhou anteriormente. A doutrina neopopulista que emergiu sob Trump está agora tomando forma completa sob Biden, marcando uma ruptura brusca com a crença neoliberal seguida por todos os presidentes, de Bill Clinton a Obama.

Trump concorreu como um populista - se solidarizando com os trabalhadores brancos deixados para trás -, mas governou  mais como um plutocrata, cortando impostos corporativos e enfraquecendo ainda mais o poder do trabalho em relação ao capital. No entanto, sua agenda continha alguns elementos verdadeiramente populistas, em especial quando comparada à abordagem radicalmente pró-grandes empresas que os republicanos durante décadas vêm perseguindo.

Embora os governos Clinton, George W. Bush e Obama fossem diferentes, cada um à sua maneira, a posição básica deles sobre as principais questões de política económica era a mesma. Por exemplo, todos defendiam acordos de liberalização comercial e privilegiavam um dólar forte, vendo nisso uma forma de reduzir os preços de importações e de apoiar o poder de compra das classes trabalhadoras diante do aumento da renda e da desigualdade de riqueza.

Cada um desses governos anteriores também respeitou a independência do Federal Reserve dos EUA e apoiou o compromisso do órgão com a estabilidade de preços. Cada um seguiu uma política fiscal moderada, recorrendo a estímulos (cortes de impostos e aumento de gastos), em grande parte como resposta às desacelerações económicas. Por fim, os governos Clinton, Bush e Obama estavam todos relativamente confortáveis com as Big Tech, as grandes empresas e Wall Street. Cada um presidiu em meio à desregulamentação dos sectores de bens e serviços, criando as condições para a actual concentração de poder oligopopulista nos sectores corporativo, tecnológico e financeiro.

Ao lado da liberalização do comércio e dos avanços tecnológicos, essas políticas impulsionaram os lucros corporativos e reduziram a participação da mão de obra na renda total, acentuando assim a desigualdade. Os consumidores americanos se beneficiaram do fato de que empresas ricas em lucros poderiam repassar alguns dos ganhos obtidos com a desregulamentação (por meio de preços menores e inflação baixa), mas os benefícios pararam aí.

As doutrinas económicas de Clinton, Bush e Obama foram todas fundamentalmente neoliberais, reflectindo uma crença implícita na economia do gotejamento. Porém, as coisas começaram a se mover em uma direcção mais neopopulista e nacionalista com Trump, e essas mudanças vêm se cristalizando sob Biden.

Embora Trump pesasse mais a mão com seu proteccionismo, Biden, apesar disso, vem buscando políticas comerciais nacionalistas semelhantes, voltadas ao comércio interno. Ele manteve as tarifas do governo Trump à China e a outros países, e introduziu políticas de aquisições “compre-americano” mais rígidas, além de políticas industriais para restabelecer os principais setores de produção. Igualmente importante, o desacoplamento sino-americano mais amplo e a corrida pelo domínio no comércio, tecnologia, dados, informações e nas indústrias do futuro têm continuado.

De modo semelhante, embora Biden não tenha seguido Trump formalmente ao exigir um dólar mais fraco e intimidado o Fed para financiar os grandes déficits orçamentários criados pelas políticas dele, seu governo também promulgou medidas que exigem uma cooperação mais estreita do Fed. De fato, os Estados Unidos entraram em um estado de facto, senão de jure (de acordo com a lei, em latim), de monitorização permanente da dívida - política económica que começou com Trump e com o presidente do Fed, Jerome Powell.

Sob esse arranjo, se a inflação subisse moderadamente, o Fed teria que adoptar uma política de negligência benigna, porque a alternativa - uma política monetária anti-inflacionária rígida - desencadearia um crash do mercado e uma recessão severa. Essa mudança na postura do Fed representa outra ruptura brusca com relação à era 1991-2016.

Além disso, dados os grandes déficits gémeos da América, o governo Biden desistiu de buscar uma política de dólar forte. Embora não favoreça um dólar mais fraco de modo tão declarado quanto Trump, ele certamente não se importaria com uma mudança na moeda que pudesse restaurar a competitividade dos EUA e reduzir o crescente déficit comercial do país.

Para reverter a desigualdade de renda e riqueza, Biden favorece grandes transferências directas e impostos menores para os trabalhadores, desempregados, parcialmente empregados e aqueles que ficaram para trás. Novamente, esta é uma política que começou sob Trump, com os US$ 2 triliões da Lei de Auxílio, Socorro e Segurança Económica do Coronavírus (CARES, na sigla original em inglês) e a lei de incentivo de US$ 900 bilhões aprovada em dezembro de 2020. Sob Biden, os EUA aprovaram outro pacote de estímulo de US$ 1,9 trilião e agora estão considerando US$ 4 triliões para gastos adicionais em infra-estrutura, genericamente definidos.

Embora Biden esteja pressionando por uma tributação mais progressiva do que Trump, a capacidade de seu governo de aumentar impostos é limitada. Portanto, como no caso de Trump, grandes déficits fiscais serão mais uma vez financiados principalmente com dívidas que o Fed uma hora será forçado a monitorizar. Biden também estará canalizando uma reacção pública contra as grandes empresas e as Big Tech que começou com Trump. Seu governo já tomou medidas para restringir o poder corporativo por meio de fiscalização anti-truste, mudanças regulatórias e, eventualmente, legislação. Em cada caso, o objectivo é redistribuir parte da renda nacional do capital e dos lucros para a mão de obra e os salários.

Biden, portanto, logo de cara lançou uma agenda económica neopopulista mais próxima de Trump que do governo Obama. Mas essa mudança doutrinária não é surpreendente. Sempre que a desigualdade se torna excessiva, os políticos - tanto de direita quanto de esquerda - tornam-se mais populistas. A alternativa é permitir que a desigualdade sem freios se torne uma fonte de insatisfação social ou, em casos extremos, guerra civil ou revolução.

Era inevitável que o pêndulo da política económica dos EUA balançasse de neoliberal para neopopulista. Mas essa mudança, embora necessária, trará seus próprios riscos. Dívidas públicas e privadas robustas significam que o Fed permanecerá na armadilha da dívida. Além disso, a economia será vulnerável a choques negativos de oferta oriundos da desglobalização, desacoplamento EUA-China, envelhecimento da sociedade, restrições à migração, contenção do sector corporativo, ciber ataques, mudança climática e pandemia de covid-19.

Políticas fiscais e monetárias frouxas podem ajudar a aumentar a participação do trabalho na renda, por ora. Porém, com o tempo, os mesmos factores podem desencadear uma inflação mais alta ou mesmo estagflação (se esses choques negativos agudos de oferta surgirem). Caso as políticas económica focadas em diminuir a desigualdade levem a altas insustentáveis nas dívidas pública e privada, o cenário pode estar montado para o tipo de crise da dívida estagflacionária  sobre a qual eu alertei no início deste verão.

NOURIEL ROUBINI

Nouriel Roubini, presidente da Roubini Macro Associates, é um ex-economista sénior para assuntos internacionais no Conselho de Consultores Económicos da Casa Branca durante o governo Clinton. Ele trabalhou para o Fundo Monetário Internacional, o Federal Reserve dos EUA e o Banco Mundial, e foi Professor de Economia na Stern School of Business da New York University. Seu site é NourielRoubini.com, e ele é o anfitrião do NourielToday.com.

 

 

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