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Estranho Fenómeno
Autor: José Martins

10-01-2014

Por que os preços variam? Para cima ou para baixo? Não pergunte para os economistas. A maioria não sabe responder. Nem os mais ilustres. Mas não é para diagnosticar as causas e consequências das variações dos preços que existe a Ciência Econômica? Não é para isso que existem os economistas? A necessidade dessa resposta é de natureza prática e altamente relevante. Analisar com precisão a variação dos preços fica mais urgente quando ocorre o estranho fenômeno da deflação – simultânea e incontrolável queda dos preços nas principais economias do planeta: USA, Eurozona e Japão.

JUNTA MÉDICA – Por enquanto, a ameaça de deflação mundial se manifesta com os sintomas de uma assustadora e antiga doença, abafada desde os anos 1930, de um “crescimento lento demais”, como afirma o The Wall Street Journal. O jornal noticia um encontro do Fundo Monetário Internacional (FMI) reunindo alguns dos maiores nomes da macroeconomia mundial. Objetivo: diagnosticar as causas e receitar o remédio para essa estranha doença que se abateu sobre a economia mundial nos últimos cinco anos. Resultado da junta médica: nem diagnóstico e muito menos remédio.

“A paciente era a economia global. Ela sofreu um choque financeiro cuja chegada, virulência e efeitos duradouros surpreenderam quase todos os distintos médicos econômicos. Nessa cidadela de conhecimento tradicional —o FMI — tornou-se claro que as reprimendas e remédios antigos são inadequados. A doença prolongada da economia está forçando a revisão de livros didáticos, incluindo um escrito por Stanley Fischer, elaborador de políticas econômicas e professor venerado por Ben Bernanke, presidente do banco central americano, entre outros. A conferência foi realizada em sua homenagem.1 Para os USA e outras grandes economias, a questão mais importante já não é mais como tratar a chegada de uma forte recessão ou controlar uma febre inflacionária. É, em vez disso, como prevenir crises financeiras contagiosas e como gerenciar a doença crônica do crescimento lento demais, uma condição antes considerada isolada no caso da “década perdida” dos japoneses nos anos 90”.

Até pouco tempo atrás, quando se perguntava por que o Japão estava mergulhado na armadilha da deflação desde os anos 1990, os economistas da superficialidade (como Mr. Krugman et caterva) respondiam com ares doutorais que era devido à “característica cultural” dos japoneses de poupar demais e consumir de menos. A “cultura” explicando precisos movimentos materiais! Mas, e agora? Como eles explicariam os Estados Unidos e eurozona, com conhecidas “características culturais” de poupar de menos e consumir de mais, sendo tragados pela mesma armadilha, exatamente a mesma, que aprisiona o Japão?

Kuroda.san – A “década perdida” japonesa dos anos 1990 agora ameaça se reproduzir para a totalidade do globo. Não como uma coisa japonesa, mas como coisa do capital. Por enquanto uma ameaça. Mas suficiente forte para atrapalhar a aposta do presidente do Banco do Japão, Haruhito Kuroda, de por um fim, neste ano de 2013, aos seus 15 anos da persistente deflação. A ambiciosa aposta de inflação anual de 2% de Kuroda corre risco de ser interrompida exatamente pelo fracasso atual dos seus parceiros norte- americanos e europeus de alcançar suas metas de inflação e abafar a queda dos preços em suas economias.

No dia 7 de Novembro, o Banco Central Europeu abaixou sua taxa básica de juros para o nível recorde de 0.25%, a mesma do Fed dos EUA. Pegou o mercado de surpresa. A justificativa do seu presidente, Mario Draghi, é que a moeda da eurozona pode “experimentar um prolongado período de baixa inflação”. Para evitar com a ideia a dura realidade da deflação, esta é chamada ingenuamente (e erroneamente) de “baixa inflação”. Se assim fosse, o problema seria de facílima solução. Como já observamos em boletins anteriores, Ben Bernanke, presidente do Fed, em 18 de Setembro, recuou da intenção de reduzir as compras mensais de títulos no valor de US$ 80 mil milhões com a justificativa de que a inflação anual abaixo de 2% pode colocar a economia em perigo.

De acordo com dados da Bloomberg News, o crescimento dos preços ao consumidor está bem abaixo das metas de inflação nos USA, na eurozona, na Suíça e na Suécia. O índice de inflação anual da eurozona caiu para 0.7%, o menor desde Novembro/2009. O Citi Inflation Surprise Index para as 10 economias mais ricas do mundo (G10), calculado pelo Citicorp, mantem-se abaixo de zero desde Maio de 2012! Isso é muito grave. Não há noticia que algo parecido tenha ocorrido em algum momento desde os anos 1930 da última grande crise geral (depressão) da economia mundial. Marx, Engels e Santa Rosa sejam louvados!

Toyoda.san – O efeito mais visível da deflação nas principais economias é uma queda ainda mais acelerada dos salários. E, até a próxima explosão cíclica, um aumento dos lucros. Mas essas variações não acontecem de acordo com relações aleatórias (e muito menos culturais) entre os diversos preços e rendimentos da economia. São relações (necessidades) endógenas de valorização do capital e a luta de classes que determinam os preços e, consequentemente, a repartição dos rendimentos. Assim, a produtividade do trabalho (taxa de mais-valia) e o lucro dos capitalistas podem estar subindo bastante, enquanto os salários dos operários caem mais fortemente.

É exatamente isso que acontece agora no Japão. E ilustra bem esse processo em uma economia em deflação. O salário real na indústria japonesa caiu 1.4% em Setembro, com relação ao ano anterior, marcando o décimo mês de queda nos últimos doze meses, de acordo com as estatísticas do governo.

O mesmo processo de pauperização absoluta observado nos Estados Unidos e eurozona se desenrola há mais tempo e com maior virulência no Japão. As mesmas fontes de estatísticas oficiais acima citadas revelam que o aumento da exploração ocorre também através de um brutal aumento do emprego de trabalhadores em tempo parcial e uma correspondente diminuição do emprego em jornada completa. Futuramente apresentaremos mais detalhes dessa inundação de mais-valia absoluta no Japão.

Segundo reportagem da Kiodo News, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, divulgou, no mês de outubro, a concessão de estímulos aos capitalistas (“empresários”) a primeira etapa de 5 trilhões de ienes em incentivos, para compensar as perdas com o impacto do aumento das taxas de impostos sobre as vendas de 5 para 8%. Esse imposto, altamente regressivo, impacta diretamente no salário real dos trabalhadores, diminuindo seu poder de compra dos meios de reprodução (bens salário). Abe.san apela então às companhias para que aumentem os salários “como o salto inicial para os consumidores gastarem mais e dar um fim à deflação”. Muita bobagem econômica e demagogia midiática em um único apelo. O presidente da Toyota, Akio Toyoda, respondeu à convocação do primeiro ministro, em nome da classe capitalista (e demais parasitas do sistema) como um todo. Declarou com a maior cara-de-pau do mundo que para os capitalistas “é aceitável reajustar os salários, na medida em que ocorrerem os lucros”.

Pura enrolação desses cavalheiros de nobre consciência. Eles nunca perdem a oportunidade para divulgar a “responsabilidade social” das empresas capitalistas. Toyoda-san teria demonstrado melhor as nobilíssimas funções do regime capitalista se não tivesse esquecido de informar à distinta plateia da mídia japonesa que as companhias com ações listadas no Topix index da bolsa de valores de Tóquio – informa a Bloomberg News – prometem premiar seus capitalistas (acionistas) com um crescimento anual dos lucros de mais de 10% nos próximos dois anos.

Por José Martins

Economista, editor do boletim Critica Semanal da Economia do Núcleo de Educação Popular, São Paulo.
Professor na UFSC

 

 

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