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COMO EVITAR A IMINENTE CRISE DA DÍVIDA SOBERANA
Autor: Joseph E. Stiglitz, Hamid Rashid

07-08-2020

Enquanto a pandemia de COVID-19 segue enfurecida, mais de 100 países de baixo e médio rendimento ainda terão de pagar um total de 130 mil milhões de dólares do serviço da dívida este ano – cerca de metade destina-se a credores privados. Com muita actividade económica suspensa e receitas fiscais em queda livre, muitos países serão forçados a cair em incumprimento. Outros reunirão recursos escassos para pagar aos credores, cortando nas despesas sociais e de saúde tão necessárias. Outros ainda recorrerão a empréstimos adicionais, de forma a evitar ou adiar o problema, que agora parece ser aparentemente mais fácil por causa da inundação de liquidez por parte dos bancos centrais de todo o mundo.

Desde a década perdida da América Latina na década de 1980 até à crise grega mais recente, há muitos recordações dolorosas sobre o que acontece quando os países não conseguem pagar as suas dívidas. Uma crise global da dívida nos nossos dias levará milhões de pessoas para o desemprego e alimentará a instabilidade e a violência em todo o mundo. Muitos tentarão encontrar emprego no estrangeiro, sobrecarregando potencialmente os sistemas de controlo de fronteiras e imigração na Europa e na América do Norte. Outra crise migratória dispendiosa desviará a atenção da necessidade urgente de fazer face às alterações climáticas. Essas emergências humanitárias estão a tornar-se a nova norma.

Este cenário de pesadelo é evitável se agirmos agora. As origens da iminente crise da dívida são fáceis de entender. Devido à flexibilização quantitativa, a dívida pública (principalmente títulos soberanos) dos países de baixo e médio rendimento mais do que triplicou desde a crise financeira global de 2008. Os títulos soberanos são mais arriscados do que a dívida “oficial” com instituições multilaterais e agências de ajuda de países desenvolvidos porque os credores podem descartá-los por capricho, provocando uma forte depreciação cambial e outras perturbações económicas de longo alcance.

Em Junho de 2013, estávamos preocupados que “os mercados financeiros tacanhos, ao trabalharem com governos que também não são abertos a ideias novas”, estivessem a “preparar as bases para a próxima crise da dívida mundial”. Agora, chegou o dia do ajuste de contas. No passado mês de Março, as Nações Unidas pediram o alívio da dívida para os países menos desenvolvidos do mundo. Vários países do G20 e o Fundo Monetário Internacional suspenderam o serviço da dívida durante este ano e pediram aos credores privados que seguissem o exemplo.

Sem surpresa, esses apelos caíram em saco roto. O recém-formado Grupo de Trabalho para Credores Privados de África, por exemplo, já rejeitou a ideia de alívio da dívida modesto, mas amplo, para os países pobres. Como resultado, grande parte, se não a maioria, dos benefícios do alívio da dívida provenientes dos credores oficiais será devida aos credores privados que não estão dispostos a providenciar qualquer alívio da dívida.

O resultado é que os contribuintes nos países credores mais uma vez acabarão por socorrer atores privados que correram riscos excessivos e com empréstimos imprudentes. A única forma de evitá-lo é ter uma paralisação abrangente da dívida que inclua os credores privados.  Mas, sem uma ação firme dos países onde os contratos de dívida são redigidos, é improvável que os credores privados aceitem esse tipo de acordo. Estes governos têm, portanto, de invocar as doutrinas de necessidade e force majeure para impor paralisações abrangentes no serviço da dívida.

Mas as paralisações não resolverão o problema sistémico do endividamento excessivo. Para isso, precisamos urgentemente de uma profunda reestruturação da dívida. A história mostra que, para muitos países, uma reestruturação que seja insuficiente e tardia, apenas prepara o terreno para outra crise. E a longa luta da Argentina para reestruturar a sua dívida perante credores privados recalcitrantes, de vistas curtas, obstinados e insensíveis mostrou que as cláusulas de acção colectiva projectadas para facilitar a reestruturação não são tão eficazes como se esperava.

Frequentemente, uma reestruturação inadequada é seguida por outra reestruturação no espaço de cinco anos, com um enorme sofrimento por parte dos que estão no país devedor. Até os credores perdem, a longo prazo.

Felizmente, existe uma alternativa subutilizada: a recompra voluntária de dívida soberana. As recompras de dívidas são difundidas no mundo corporativo e revelaram-se eficazes tanto na América Latina na década de 1990 como, mais recentemente, no contexto grego. E têm a vantagem de evitar os termos severos que normalmente acompanham as trocas de dívida.

O principal objectivo de um programa de recompra seria reduzir os encargos da dívida, garantindo descontos significativos (margem de avaliação) no valor nominal dos títulos soberanos e minimizando a exposição a credores privados de risco. Mas um programa de recompra também poderia ser projectado para promover as metas de saúde e climáticas, exigindo que os beneficiários gastassem o dinheiro na criação de bens públicos que de outra forma deveria estar destinado ao serviço da dívida.

Tal como explicámos num artigo recente, publicado pelo Center for Economic Policy Research, um mecanismo multilateral de recompra poderia ser gerido pelo FMI, que pode usar recursos já disponíveis, a sua função Novos Acordos para Empréstimo e fundos suplementares de um consórcio mundial de países e instituições multilaterais. Os países que não precisam da respectiva atribuição integral de direitos de saque especiais, a unidade de conta do FMI, podem doá-los ou emprestá-los para o novo mecanismo. Uma nova emissão de direitos de saque especiais, para a qual existe uma clara necessidade, poderia fornecer ainda recursos adicionais. Para garantir a redução máxima da dívida para uma determinada despesa, o FMI poderia realizar um leilão, anunciando que recompraria apenas uma quantidade limitada de títulos.

A longo prazo, é necessário um mecanismo de reestruturação da dívida previsível e baseado em regras, espelhado na legislação dos Estados Unidos relativa às falências municipais (“Capítulo 9”). Isso estaria em sintonia com as recomendações da Comissão de Peritos das Nações Unidas sobre as Reformas do Sistema Monetário e Financeiro Internacional pós-2008.

A objecção usual para essas propostas é que elas destruiriam o mercado de capitais internacional. Mas a experiência mostra o contrário. Não se pode espremer água de uma pedra. Haverá reestruturação – a única questão é se será ordenada. As nossas propostas ajudariam a alcançar esse objectivo e, assim, fortaleceriam o mercado de capitais.

Em última análise, contudo, a nossa preocupação não deve ser a saúde dos mercados de capitais, mas o bem-estar das pessoas nos países em desenvolvimento e mercados emergentes. Há uma necessidade urgente de alívio da dívida agora, no meio da pandemia. Tem de ser abrangente – incluindo credores privados – e mais do que apenas uma suspensão da dívida. Temos as ferramentas para fazê-lo.  Só necessitamos da vontade política. 

As opiniões aqui expressas são unicamente as dos autores e não reflectem a opinião da ONU ou dos seus Estados-membros.

JOSEPH E. STIGLITZ

Joseph E. Stiglitz, Prémio Nobel de Economia, é professor universitário na Columbia University e economista-chefe do Instituto Roosevelt. Seu último livro, Pessoas, Poder e Lucros: Capitalismo Progressivo para uma Era de Descontentamento.

HAMID RASHID

Hamid Rashid, ex-diretor-geral de assuntos económicos multilaterais do Ministério de Relações Exteriores do Bangladesh, é chefe de observatório económico global do Departamento de Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas.

 

 

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