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DOSSIERS
 
TREINANDO PARA A ECONOMIA PANDÉMICA
Autor: Barry Eichengreen

24-07-2020

A covid-19 não vai embora, e outros vírus perigosos podem estar a caminho. Isso significa que é hora de encarar a dura realidade: muito dos efeitos da pandemia em nossas economias e sociedades serão persistentes, e até mesmo permanentes.

Algumas destas mudanças já são evidentes. Há menos demanda pelos serviços presenciais de restaurantes, hotéis, empresas aéreas, lojas físicas e grandes centros de entretenimento, e menos oportunidades de emprego nestes estabelecimentos e sectores. Há mais demanda por tudo que seja online, além de serviços de saúde, cuidados infantis e a domicílio. Números significativos de trabalhadores, portanto, terão de mudar, e estreantes no mercado de trabalho vão precisar de novas habilidades profissionais.

Os economistas tendem a presumir que, quando algo for necessário, vai acontecer - que “o mercado cuida.” Os trabalhadores vão reconhecer a necessidade de novas qualificações, por esta lógica. Empresas que se beneficiam de uma força de trabalho com essas capacitações vão transmiti-las.

É um pensamento ilusório. O aprendiz padrão não sabe como vai estar a economia no verão de 2022, quando concluir um programa técnico de dois anos. Esta pessoa não sabe que qualificações serão exigidas dos profissionais de saúde na era da telemedicina e do sequenciamento genómico.

Não só isso, esta pessoa não tem certeza de onde ir para conseguir a experiencia adequada. É alguém com limitações financeiras. Vai ter ouvido falar de instituições lucrativas do chamado ensino superior que prometem ensinar aos estudantes habilidades de programação, mas que não os dão condição de terminar seus cursos, muito menos de arranjar um emprego.  

As empresas, por sua vez, têm condições limitadas de oferecer treino no local de trabalho, particularmente em dias como os de hoje, quando também elas estão sob stress financeiro. Além disso, elas têm pouco incentivo para fazê-lo, uma vez que os funcionários, uma vez treinados, estão livres para sair. Os custos podem ser divididos pagando menos aos aprendizes do que a outros trabalhadores dos níveis mais baixos. Porém, os salários de muitas vagas no sector de saúde, cuidados domiciliares e de idosos, em especial nos Estados Unidos, já estão nos níveis mais baixos.

De modo mais geral, sabemos que indivíduos e empresas, deixados por sua própria conta, investem menos em capital humano. A contribuição da educação e d experiencia ao crescimento económico, e à sociedade de maneira geral, é maior do que o custo de sua aquisição. Esta externalidade positiva não é algo que os funcionários e empresas, decidindo sozinhos, têm incentivo adequado para levar em consideração.

O governo, portanto, deveria desenvolver seus próprios sistemas de teino. Infelizmente, o histórico de treino do sector público é decepcionante.

O Conselho de Assessores Económicos dos EUA avaliou estes sistem as pouco antes da pandemia (não que alguém tenha reparado) e descobriu que eles não são muito eficientes em ensinar habilidades e melhorar perspectivas laborais. Em linhas gerais, quanto maior o programa, piores os resultados. E este padrão não se resume aos EUA: experiências com sistemas de recapacitação em larga escala, como a da ex-Alemanha Oriental na década de 90, são especialmente desoladoras.

Mas nós podemos aprender com o fracasso dos programas anteriores. O histórico deles revela que o treino funciona melhor quando está estreitamente ligado a um emprego ou profissão real. A estruturação do programa deve se basear em previsões oficiais detalhadas sobre os tipos de empregos que estão por vir e quais qualificações vão exigir. De modo semelhante, o treino funciona melhor quando empresas e sectores colaboram na elaboração de programas, já que os funcionários são uma fonte de informação sobre as capacitações necessárias. Na fase de implementação, treino no local de trabalho - em outras palavras, aprendizagem - é essencial, e não só para empregos no sector industrial. Ainda que pensemos em aprendizes como operadores de máquinas e canalizadores, cada vez mais eles são a uxiliares de enfermagem e corretores de seguros.

Aqui a Europa tem uma vantagem, graças aos sindicatos fortes que podem colaborar com as associações patronais para organizar aprendizados, e também porque lá o vínculo trabalhador-empresa é relativamente forte. Nos EUA, o progresso vai ser mais difícil. O presidente Donald Trump de fato emitiu um decreto executivo em 2017 criando uma força - tarefa para cuidar do aprendizado. Só que as recomendações dela  – eliminar programas de treinos redundantes e optimizar a interacção empresas-governo – foram fraquíssimas.

De facto, as empresas americanas vêm investindo menos em treino hoje do que no passado, o que reflecte um tempo de permanência menor nos empregos. Imaginar que elas vão organizar milhões de aprendizados espontaneamente é um delírio.

O que é preciso são deduções e subsídios fiscais. Dezasseis Estados americanos já concedem créditos para empresas que oferecem treino. O governo federal deveria fazer o mesmo. Este crédito federal poderia ser estruturado nos moldes do bom e velho crédito fiscal para pesquisa e desenvolvimento. Afinal, treino é só outro nome para desenvolvimento.

Por fim, nós deveríamos financiar de modo adequado colégios e escolas técnicos e profissionalizantes. Nos EUA, isso significa faculdades, que oferecem cursos em todas as áreas, de terapia ocupacional a design computadorizado. Infelizmente, os orçamentos destas faculdades, financiados pelos Estados e municípios, vêm sendo dizimado pela crise, situação agravada pela relutância do Congresso em fornecer auxílio aos governos estaduais e municipais.

A transição para o mundo em gestação pela covid-19 sempre seria difícil. A principal pergunta agora é se os legisladores darão os passos que têm mais chance de facilitá-la.

BARRY EICHENGREEN

Barry Eichengreen é professor de economia na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e ex-conselheiro sénior de política do Fundo Monetário Internacional. Seu último livro é The Temptation Populist: Economic Grievance and Political Reaction in the Modern Era.

 

 

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