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PRIORIDADES PARA A ECONOMIA NO COVID-19
Autor: Joseph E. Stiglitz

10-07-2020

Embora pareça algo antigo, não faz muito tempo que as economias do mundo inteiro começaram a se fechar em resposta à pandemia do COVID-19. No início da crise, a maioria dos economistas antecipou uma rápida recuperação em forma de V, supondo que a economia apenas precisasse de um pequeno intervalo. Depois de dois meses de intensos e dedicados cuidados e muito dinheiro, ela continuaria de onde parou.

Foi uma ideia atraente. Mas já estamos em Julho e a recuperação em forma de V é provavelmente uma fantasia. É muito provável que a economia pós-pandemia seja anímica, não apenas nos países que não conseguiram administrar a pandemia (especialmente os Estados Unidos), mas até mesmo naqueles que se deram bem. O Fundo Monetário Internacional projecta que, até o final de 2021, a economia global ficará pouca coisa maior do que era no final de 2019, e que as economias dos EUA e da Europa ainda estarão cerca de 4% menores.

As perspectivas económicas actuais podem ser vistas em dois níveis. A macroeconomia nos diz que os gastos cairão devido ao enfraquecimento dos orçamentos das famílias e das empresas, uma onda de falências que destruirá o capital organizacional e informacional e um forte comportamento de precaução induzido pela incerteza sobre o curso da pandemia e as respostas políticas a ela. Ao mesmo tempo, a microeconomia nos diz que o vírus age como um imposto sobre actividades que exigem contacto humano próximo. Como tal, continuará a conduzir grandes mudanças nos padrões de consumo e produção, o que, por sua vez, trará uma transformação estrutural mais ampla.

Sabemos, tanto pela teoria económica quanto pela história, que os mercados por si só não conseguirão gerenciar essa transição, especialmente considerando-se quão repentina ela foi. Não há uma maneira fácil de converter funcionários de companhias aéreas em desenvolvedores da Zoom. E mesmo que pudéssemos, os sectores que agora estão se expandindo necessitam de muito menos mão-de-obra e muito mais de pessoal habilitado do que aqueles que estão suplantando.

Também sabemos que amplas transformações estruturais tendem a criar um problema keynesiano tradicional, devido ao que os economistas chamam de efeitos de renda e substituição. Mesmo que os sectores sem contacto humano estejam em expansão, reflectindo melhorias em sua atracção relativa, o aumento de gastos associado será superado pela diminuição nos gastos resultantes da queda de renda dos sectores em retracção.

Além disso, no caso da pandemia, haverá um terceiro efeito: o aumento da desigualdade. Como as máquinas não podem ser infectadas pelo vírus, aos empregadores elas parecerão relativamente mais atraentes, particularmente nos sectores contratantes que usam mão-de-obra relativamente não qualificada. E, como as pessoas de baixa renda precisam gastar uma parcela maior de sua renda em bens básicos do que aquelas que estão no topo, qualquer aumento na desigualdade causado pela automação será de contracção.

Além desses problemas, há mais duas razões para o pessimismo. Primeiro, embora a política monetária possa ajudar algumas empresas a lidar com restrições temporárias de liquidez – como ocorreu durante a Grande Recessão de 2008-09 – ela não pode resolver problemas de solvência, nem estimular a economia quando as taxas de juros já estão próximas de zero.

Além disso, nos EUA e em alguns outros países, objecções “dos conservadores” ao aumento dos déficits e níveis de dívida impedem o estímulo fiscal necessário. Por certo, essas mesmas pessoas ficaram mais felizes em cortar impostos para bilionários e corporações em 2017, socorrer Wall Street em 2008 e ajudar os gigantes corporativos este ano. Mas é coisa bem diferente prolongar o seguro-desemprego, prover cuidados à saúde e oferecer apoio adicional aos mais vulneráveis.

As prioridades de curto prazo têm sido claras desde o início da crise. Obviamente, as emergências de saúde devem ser tratadas (por exemplo, garantindo suprimentos adequados de equipamentos de protecção individual e capacidade hospitalar), porque não pode haver recuperação económica até que o vírus seja contido. Ao mesmo tempo, políticas para proteger os mais necessitados, oferecer liquidez para evitar falências desnecessárias e manter vínculos entre trabalhadores e suas empresas são essenciais para garantir um rápido reinício quando chegar a hora.

Mas, mesmo com esses óbvios fundamentos na agenda, há escolhas difíceis a serem feitas. Não deveríamos resgatar empresas – como retalhistas tradicionais – que já estavam em declínio antes da crise; fazer isso criaria apenas "zumbis", limitando, em última análise, o dinamismo e o crescimento. Também não deveríamos resgatar empresas já demasiadamente endividadas para conseguirem suportar qualquer choque. A decisão do Federal Reserve dos EUA de apoiar o mercado de títulos podres com seu programa de compra de activos é quase certamente um erro. De fato, esse é um caso em que o risco moral é realmente uma relevante preocupação. Governos não deveriam proteger empresas de seus próprios desvarios.

Como é provável que o COVID-19 permaneça connosco ainda por muito tempo, há espaço de sobra para garantir que nossos gastos reflictam nossas prioridades. Quando a pandemia chegou, a sociedade americana estava devastada pelas desigualdades raciais e económicas, pelos padrões de saúde em declínio e por uma destrutiva dependência em combustíveis fósseis. Agora que os gastos do governo estão sendo liberados em grande escala, o público tem o direito de exigir que as empresas que recebem ajuda contribuam para a justiça social e racial, melhoria da saúde e mudança para uma economia mais verde e baseada no conhecimento. Esses valores deveriam se reflectir não apenas na maneira como alocamos dinheiro público, mas também nas condições que impomos a seus destinatários.

Como meus co-autores e eu indicamos em um recente estudo, os gastos públicos bem direccionados, particularmente os investimentos na transição verde, podem ser oportunos, intensivos em mão-de-obra (ajudando a minimizar o problema do aumento do desemprego) e altamente estimulantes – proporcionando muito custo-benefício mais eficiente do que, digamos, cortes de impostos. Não há razão económica para que países, incluindo os Estados Unidos, não possam adoptar grandes e sustentados programas de recuperação que os confirmem e os aproximem das sociedades a que pertencem.

JOSEPH E. STIGLITZ

Joseph E. Stiglitz, Prémio Nobel de Economia, é professor universitário na Columbia University e economista-chefe do Instituto Roosevelt. Seu último livro, Pessoas, Poder e Lucros: Capitalismo Progressivo para uma Era de Descontentamento.

 

 

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