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ESPANHA ASSUME A LIDERANÇA NOS TÍTULOS PERPÉTUOS
Autor: George Soros

01-05-2020

O Conselho Europeu realizará uma cimeira virtual no dia 23 de Abril para ponderar como é que a União Europeia deve lidar com as consequências económicas da pandemia do COVID-19. A proposta de Espanha é de longe a mais cuidadosamente ponderada e inovadora que será apresentada. Deveria ser o primeiro ponto da agenda da reunião.

A principal inovação que Espanha apresentará é a emissão de títulos perpétuos da UE. A ideia não é nova. A Grã-Bretanha emitiu títulos consolidados, ou Consols, pela primeira vez em 1752, e depois usou-os para financiar as Guerras Napoleónicas e da Crimeia, a Lei de Abolição da Escravatura, o Empréstimo de Socorro Irlandês e a Primeira Guerra Mundial. O Congresso dos Estados Unidos autorizou a emissão de Consols em 1870 para consolidar as dívidas acumuladas na Guerra Civil.

Mas os títulos perpétuos nunca foram ponderados pela UE. Agora, Espanha propõe os títulos perpétuos como uma medida extraordinária para lidar com uma situação extraordinária. Eles seriam extremamente eficazes.

Estamos, actualmente, sob o ataque de um novo coronavírus desconhecido e os títulos perpétuos fornecer-nos-iam os recursos financeiros necessários para vencer essa batalha. Também estamos envolvidos numa outra batalha que ameaça destruir a nossa civilização: as alterações climáticas. Proponho que os títulos perpétuos sejam usados para financiar também essa batalha.

Tal como o próprio nome indica, o capital em dívida dos títulos perpétuos nunca tem de ser reembolsado, embora em circunstâncias diferentes possa ser apropriado resgatá-los. Em 2015, por exemplo, o Reino Unido resgatou os consols britânicos e os títulos de guerra na totalidade. Uma emissão de 1 bilião de euros (1,1 biliões de euros) com cupão de 0,5% teria um custo de 5 mil milhões de euros em juros por ano. Isto daria aos 5 mil milhões de euros uma alavancagem de duzentas vezes mais. Até mesmo os autores do “documento oficioso” de Espanha podem não ter percebido as implicações; eles dedicam grande parte da sua proposta no modo como os juros dos títulos perpétuos podem ser pagos.

Mas isso não é problema. Os governos da UE poderiam facilmente garantir 5 mil milhões de euros para pagar a emissão de 1 bilião de títulos perpétuos, seja por unanimidade ou através de uma coligação de boas vontades. Não há necessidade de encontrar novas fontes de receita.

A venda de 1 bilião de euros em títulos perpétuos com um rendimento de 0,5% também não é um problema. O título mais longo actualmente em circulação (títulos austríacos a 100 anos) rende pouco menos de 0,5%. É claro que pode levar algum tempo para os mercados se familiarizarem com a ideia de títulos perpétuos. Mas a emissão de títulos perpétuos não precisa de ser vendida de uma só vez; pode ser vendida em tranches e os investidores a longo prazo, como companhias de seguros de vida, agarrá-los-ão. Uma vez concluídas as tranches, serão vendidos a um preço mais elevado do que os títulos austríacos.

Há um debate sobre a dimensão da emissão de títulos perpétuos. A presidente da Comissão da UE, Ursula von der Leyen, procura obter 1 bilião de euros, mas o documento oficioso espanhol propõe até 1,5 biliões de euros. Isto oferece uma oportunidade de incluir a segunda ameaça à nossa civilização: as alterações climáticas. Esta ameaça era a principal preocupação da sociedade civil e a principal preocupação da Comissão Europeia, até ao dia em que o novo coronavírus ofuscou tudo o resto. Mas não nos devemos esquecer das alterações climáticas.

O objectivo principal de se emitir 1,5 biliões de euros em títulos perpétuos tem de ser o combate à pandemia, mas se ficar sob controlo, poderá sobrar algum dinheiro para combater as alterações climáticas; caso contrário, uma emissão de títulos em separado poderá ser tida em conta. Deve-se enfatizar, no entanto, que tanto a pandemia como as alterações climáticas são ocorrências excepcionais que exigem políticas excepcionais; os títulos perpétuos não devem ser usados em circunstâncias normais.

Tenho mais duas observações a fazer. Uma diz respeito à seguinte passagem no documento oficioso espanhol: “O Fundo poderia estar consagrado no âmbito do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) abaixo do limite máximo de recursos próprios, mas acima do limite máximo de despesas”.

Não é claro se isso significa que o QFP deve estar subordinado aos objectivos da emissão de títulos perpétuos ou se a emissão de títulos perpétuos deve estar subordinada ao QFP. Tendo em conta as dificuldades de se concordar com o QFP, se a última interpretação estiver correcta, os títulos perpétuos podem ser emitidos muito tarde ou até nunca.

O documento oficioso afirma que a “transferência de fundos deveria ser antecipada”, a partir de 1 de Janeiro de 2021, “e deveria ser executada durante os próximos 2 a 3 anos, a fim de impulsionar as economias dos países afectados”. Isto parece indicar que a primeira interpretação está correcta. Não obstante, uma maior clareza seria altamente desejável.

A minha outra observação diz respeito à Itália, onde a opinião pública está a ir na direcção do abandono do euro e da UE. O que é que resta da Europa sem a Itália? Essa questão ressalta a importância do uso de títulos perpétuos – e deveria induzir o Conselho Europeu a avançar ainda mais depressa do que está a planear actualmente.

GEORGE SOROS

George Soros é presidente da Soros Fund Management e da Open Society Foundations. Pioneiro da indústria de fundos de hedge, ele é autor de muitos livros, incluindo A alquimia das finanças, O novo paradigma para os mercados financeiros: a crise de crédito de 2008 e o que ela significa e A tragédia da União Europeia: desintegração ou Renascimento? Seu livro mais recente é Em defesa da sociedade aberta (Public Affairs, 2019).

 

 

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