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UM PONTO DE VIRAGEM PARA A AJUDA AO DESENVOLVIMENTO
Autor: Justin Yifu Lin, Yan Wang

10-01-2020

Desde a década de 1960, mais de 4,6 biliões de dólares (em dólares constantes de 2007) em valor bruto de assistência oficial ao desenvolvimento (AOD) bilateral e multilateral foram transferidos para países de baixo rendimento. No entanto, a pobreza extrema e o crescimento estagnado permanecem generalizados. A mensagem é clara: a ajuda Norte-Sul tradicional não é tão eficaz quanto poderia ser e deveria ser.

Um dos grandes problemas que existe é que, nas últimas duas décadas, os doadores ocidentais e instituições de desenvolvimento bilaterais e multilaterais prestaram pouca atenção à necessidade de satisfazer as exigências de transformação estrutural e industrialização, tais como a eliminação de obstáculos nas infra-estruturas nos países que recebem ajuda ao desenvolvimento. Por exemplo, doadores de países desenvolvidos não conseguiram investir o suficiente no sector energético de África desde a década de1990. Esse fracasso levou à desindustrialização em muitos países.

Longe de elaborarem programas de ajuda que forneçam aos países em desenvolvimento as orientações necessárias para desenvolverem os seus sectores transformadores e avançarem tecnologicamente, os governos e as instituições de desenvolvimento ocidentais trataram as políticas industriais como um tabu. Para agravar o problema, o modelo padrão da AOD separa os programas de ajuda do comércio e do investimento privado, dificultando a capacidade dos países de explorarem as suas vantagens comparativas.

Felizmente, existe um caminho melhor: a cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento (CSSD). Como a CSSD combina comércio, ajuda e investimento público e privado para capitalizar vantagens comparativas, é muito mais eficaz do que a AOD para superar os obstáculos à industrialização.

Todo o financiamento para o desenvolvimento deveria seguir esse caminho. Isto significa, antes de tudo, que doadores e instituições de desenvolvimento deveriam adoptar um conjunto mais amplo de categorias de financiamento para o desenvolvimento, com a AOD tradicional como a primeira (FD1). A segunda categoria, FD2, abrangeria outros fluxos oficiais (OFO). A FD3 cobriria empréstimos do tipo OFO – ou seja, empréstimos a longo prazo para fins de desenvolvimento, como investimentos em infra-estruturas. A categoria final, FD4, incluiria investimentos do tipo OFO, como investimentos de capital para o desenvolvimento resultantes de fundos de investimento estratégicos (inclusive verdes).

Essa abordagem facilitaria a transparência, a responsabilização e a selectividade pelos parceiros de desenvolvimento. Além disso, incentivaria os fundos soberanos e os fundos de pensão a investirem nos países em desenvolvimento, facilitando assim as parcerias público-privadas. E abriria o caminho para as conversões da dívida em capital.

Mas, para que essa abordagem funcione, os doadores têm de actualizar o seu entendimento sobre sustentabilidade da dívida, conforme definido no Quadro conjunto para a Sustentabilidade da Dívida do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Em particular, eles precisam de repensar a sua dependência nas últimas décadas da relação dívida/PIB como indicador de referência da sustentabilidade da dívida de um país. Em alguns casos, essa abordagem restritiva desencorajou empréstimos para o desenvolvimento.

Consideremos a China, que foi acusada de se envolver em “diplomacia de armadilha da dívida” por fornecer empréstimos para o desenvolvimento a países já endividados. Um estudo recente do Centro para o Desenvolvimento Global alertou que, devido à dívida emitida pela China, os rácios da dívida em relação ao PIB de oito países devem ultrapassar os 50-60%. Mas, mesmo que isso seja verdade, os riscos são provavelmente exagerados. Afinal, muitos países mantêm rácios comparáveis, sem graves consequências.

De facto, o foco nos rácios da dívida em relação ao PIB é extremamente enganador, por três motivos. Primeiro, esses rácios não fazem distinção entre tipos de dívida (tal como interna  versus  externa). Segundo, eles ignoram o objectivo da dívida – isto é, se é usada para consumo (salários ou pensões) ou investimento. E, terceiro, eles ignoram os efeitos a longo prazo de um projecto financiado por dívida no PIB.

Felizmente, o FMI começou a prestar atenção ao indicador muito mais revelador do “património líquido do sector público” (activos menos passivos). Vejamos novamente o caso da China. Após anos de elevados investimentos em infra-estruturas, o seu governo tem mais activos do que passivos, o que significa que o seu património líquido está bem acima dos 100% do PIB - o mais alto entre as economias emergentes.

O património líquido da China pode ser ainda maior, principalmente por causa de participações (potencialmente) maiores do que o esperado de activos de empresas públicas. Além disso, embora o valor financeiro líquido do governo chinês (que exclui activos não financeiros, cuja avaliação permanece incerta) se tenha deteriorado nos últimos anos, ele permanece positivo, com 8% do PIB em 2017. Os governos sub-nacionais também possuem activos substanciais, incluindo terrenos e infra-estruturas – de centrais hidroeléctrica a rodovias e arquitectura da Internet – que podem ser usados para criar empregos e gerar receitas que apoiem o serviço da dívida.

Assim, conclui o relatório do FMI , embora a China enfrente grandes riscos relacionados com a dívida, o seu balanço não é exactamente frágil. Pelo contrário, ao permitir maiores gastos durante as crises económicas, os activos da China podem servir como um poderoso amortecedor anticíclico.

Isso ressalta o valor do uso da assistência ao desenvolvimento para aumentar o  stock  de activos do sector público de um país – exactamente o que a China tem feito pelos seus parceiros. Em vez de condenar essa abordagem como “diplomacia de armadilha da dívida”, os doadores ocidentais e as instituições de desenvolvimento deveriam imitá-la e planear cuidadosamente projecto conjuntos para garantir que geram crescimento económico a longo prazo.

Essa abordagem, se for incorporada numa estratégia de financiamento mais ampla que envolva o sector privado e estimule as vantagens comparativas dos países, poderá sustentar o progresso do desenvolvimento que iludiu tantos países por tanto tempo. O início da nova década pode e deve ser um ponto de viragem para o desenvolvimento global.

JUSTIN YIFU LIN

Justin Yifu Lin, ex-economista-chefe do Banco Mundial, é decano do Instituto de Nova Economia Estrutural e do Instituto de Cooperação e Desenvolvimento Sul-Sul e decano honorário da Escola Nacional de Desenvolvimento da Universidade de Pequim. Seus livros recentes incluem: Indo além da ajuda: cooperação para o desenvolvimento para transformação estrutural e superando as probabilidades: países em desenvolvimento iniciantes.

YAN WANG

Yan Wang é membro sénior do Instituto de Nova Economia Estrutural da Universidade de Pequim.

 

 

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