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A concentração do mercado está a ameaçar a economia dos EUA
Autor: Joseph E. Stiglitz

22-03-2019

As economias avançadas do mundo estão a sofrer de uma série de graves problemas. Nos Estados Unidos, em particular, a desigualdade está no seu nível mais elevado desde 1928 e o crescimento do PIB permanece lamentavelmente morno em comparação com as décadas após a Segunda Guerra Mundial.

Após prometer um crescimento anual de “4,5 e até de 6%”, o presidente dos EUA, Donald Trump, e os seus facilitadores republicanos no Congresso, geraram apenas défices sem precedentes. De acordo com as últimas projeções do Congressional Budget Office, o défice orçamental federal atingirá os 900 mil milhões de euros este ano e ultrapassará a marca de um bilião de dólares por ano, após 2021. E, no entanto, a enorme euforia induzida pelo último aumento do défice já está a diminuir, com o Fundo Monetário Internacional a prever um crescimento nos EUA de 2,5% em 2019 e 1,8% em 2020, abaixo dos 2,9% em 2018.

Muitos fatores estão a contribuir para o problema de baixo crescimento/elevada desigualdade da economia dos EUA. A “reforma” fiscal imposta por Trump e republicanos, fracamente concebida, exacerbou as deficiências existentes no código tributário, canalizando ainda mais rendimentos para os mais ricos. Simultaneamente, a globalização continua a ser mal administrada e os mercados financeiros continuam a ser orientados para a obtenção de lucros (procura de rendimentos, na linguagem dos economistas), em vez de fornecer serviços úteis.

Mas um problema ainda mais profundo e mais fundamental é a crescente concentração do poder de mercado, que permite que empresas dominantes explorem os seus clientes e “espremam” os seus funcionários, cujo poder de negociação e proteções legais estão a ficar enfraquecidos. Os CEO e executivos séniores estão, cada vez mais, a obter salários mais altos para eles próprios à custa dos trabalhadores e do investimento.

Por exemplo, os executivos de empresas dos EUA garantiram que a grande maioria dos benefícios do corte de impostos foi para dividendos e recompras de ações, o que ultrapassou o recorde de 1,1 biliões de dólares, em 2018. As recompras aumentaram os preços das ações e alavancaram o rácio do lucro por ação, na qual a remuneração de muitos executivos é baseada. Enquanto isso, em 13,7% do PIB, o investimento anual permaneceu fraco, enquanto muitas pensões empresariais ficaram subfinanciadas.

As evidências do aumento do poder de mercado podem ser encontradas em quase qualquer lugar para onde se olhe. Grandes margens comerciais estão a contribuir para elevados lucros empresariais. Em setor após setor, de pequenas coisas como comida de gato a grandes coisas como telecomunicações, operadores por cabo, companhias aéreas e plataformas de tecnologia, algumas empresas hoje dominam 75 a 90% do mercado, se não mais; e o problema é ainda mais acentuado a nível dos mercados locais.

À medida que o poder de mercado dos gigantes empresariais foi aumentando, também aumentou a sua capacidade de influenciarem a política da América motivada pelo dinheiro. E como o sistema tornou-se mais viciado a favor das empresas, tornou-se muito mais difícil para os cidadãos comuns procurarem compensações por maus-tratos ou abuso. Um exemplo perfeito disso é a disseminação de cláusulas de arbitragem em contratos de trabalho e acordos de utilizador, que permitem às empresas resolverem disputas com funcionários e clientes através de um mediador compassivo e não em tribunal.

Múltiplas forças estão a impulsionar o aumento do poder de mercado. Uma delas é o crescimento de setores com grandes efeitos de rede, onde uma única empresa - como a Google ou o Facebook - pode facilmente dominar. Outra é a atitude predominante entre os líderes empresariais, que passaram a supor que o poder de mercado é a única forma de garantir lucros duradouros. Tal como o investidor de capitais de risco, Peter Thiel, disse a famosa expressão, “a competição é para os perdedores”.

Alguns líderes empresariais dos EUA demonstraram uma verdadeira ingenuidade na criação de barreiras de mercado para impedir qualquer tipo de concorrência significativa, auxiliados pela descuidada aplicação das leis de concorrência existentes e pela incapacidade de atualizar essas leis para a economia do século XXI. Consequentemente, a percentagem de novas empresas nos EUA está a diminuir.

Nada disto é um bom augúrio para a economia dos EUA. A crescente desigualdade implica a queda da procura agregada, porque aqueles que estão no topo da distribuição da riqueza tendem a consumir uma parcela menor do seu rendimento do que aqueles de meios mais modestos.

Além disso, do lado da oferta, o poder de mercado enfraquece os incentivos para investir e inovar. As empresas sabem que, se produzirem mais, terão de baixar os seus preços. É por isso que o investimento continua fraco, apesar dos lucros recorde das empresas americanas e dos biliões de dólares de reservas em dinheiro. E, além disso, porquê preocuparem-se em produzir algo de valor quando podem usar o seu poder político para obter mais rendas através da exploração do mercado? Investimentos políticos na obtenção de impostos mais baixos geram retornos muito maiores do que os investimentos reais em instalações e equipamentos.

Para piorar as coisas, a baixa pressão fiscal em relação ao PIB da América – apenas 27,1% antes mesmo do corte fiscal da era Trump - significa uma escassez de dinheiro para o investimento em infraestruturas, educação, saúde e investigação básica, necessário para garantir o crescimento futuro. Estas são as medidas do lado da oferta que realmente “chegam” a todos.

As políticas para combater os desequilíbrios de poder economicamente prejudiciais são simples. Ao longo do último meio século, os economistas da Escola de Chicago, ao agirem com base na suposição de que os mercados são geralmente competitivos, restringiram o foco da política de concorrência apenas na eficiência económica e não nas preocupações mais amplas sobre poder e desigualdade. A ironia é que essa suposição tornou-se dominante nas esferas políticas precisamente quando os economistas estavam a começar a revelar as suas falhas. O desenvolvimento da teoria dos jogos e novos modelos de informação imperfeita e assimétrica revelaram as profundas limitações do modelo de concorrência.

A lei precisa de recuperar. As práticas anticoncorrenciais deveriam ser ilegais, ponto final. E além disso, há uma série de outras mudanças necessárias para modernizar a legislação antitrust dos EUA. Os americanos precisam da mesma determinação na luta pela concorrência que as suas empresas demonstraram ter ao lutarem contra ela.

O desafio, como sempre, é político. Mas com as empresas americanas a acumularem tanto poder, há razões para duvidar que o sistema político americano esteja à altura da tarefa da reforma. Acrescente-se a isso a globalização do poder empresarial, e a orgia de desregulamentação e capitalismo de camaradagem sob a administração de Trump, e é claro que a Europa terá de assumir a liderança.

JOSEPH E. STIGLITZ

Joseph E. Stiglitz, Prémio Nobel de Economia, é professor universitário na Columbia University e economista-chefe do Instituto Roosevelt. Seu último livro, Pessoas, Poder e Lucros: Capitalismo Progressivo para uma Era de Descontentamento, será publicado em Abril.

 

 

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