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A revolução tranquila da actividade bancária central na China
Autor: Miao Yanliang

15-03-2019

Há quinze anos, Alan Blinder, antigo vice-presidente do Sistema da Reserva Federal dos EUA e professor de economia de longa data em Princeton, escreveu um livro intitulado A Revolução Tranquila, sobre as alterações na actividade dos bancos centrais.

Entre estas, a principal consistiu num movimento de alguns bancos centrais no sentido da comunicação aberta e da transparência, e para longe da sua arreigada tradição de sigilo e surpresa. Um banco central “torna-se moderno”, aproveitando o subtítulo do livro de Blinder, quando começa a falar.

O Fed movimentou-se lentamente neste sentido no virar do século. Começou finalmente a anunciar as suas decisões relativas a taxas de juro em 1994, e iniciou a emissão regular de comunicados de imprensa em 2000 (embora não tenha realizado regularmente conferências de imprensa até 2011). Estas alterações reflectiam um novo reconhecimento, por parte dos responsáveis pelos bancos centrais, do modo como as mudanças nas taxas de curto prazo se desenvolvem pela economia, através das expectativas e dos preços de mercado.

Hoje, o Banco Popular da China (BPC) está a passar pela sua própria revolução tranquila. Como aconteceu com o Fed, o banco central da China está a tornar-se mais comunicativo. Mas a verdadeira revolução em Beijing diz respeito à política cambial, com o BPC cada vez mais a deixar o valor do reminbi ser determinado pelas forças no mercado. Ambos os desenvolvimentos são bem-vindos.

A ofensiva de comunicação do BPC tem muito a ver com o seu novo governador, Yi Gang, que foi nomeado em Março de 2018. No mês passado, o banco realizou a sua primeira sessão informativa de sempre, para explicar os últimos dados económicos e monetários. E o próprio Yi tomou a iniciativa de explicar decisões políticas, designadamente as suas “três setas” para apoio ao financiamento a pequenas e médias empresas. O governador também intervém ocasionalmente sobre a volatilidade do mercado bolsista, embora essas intervenções possam suscitar apreensão entre os tradicionalistas da actividade bancária central.

Uma outra mudança significativa ocorreu em Janeiro, quando o BPC apresentou uma nova versão do seu website em língua inglesa. Anteriormente, só cerca de 2% dos conteúdos do   website   chinês estavam disponíveis em inglês, motivando os investidores estrangeiros a queixar-se de condições desiguais. Mas o novo   website   em inglês do banco cobre praticamente todos os principais aspectos das políticas, desde operações de mercado aberto e decisões, até aos discursos e actividades do governador. Por exemplo, inclui o discurso de Yi do passado mês de Dezembro na Universidade de Tsinghua, sobre o modelo de política monetária da China, juntamente com uma versão em inglês dos seus slides de PowerPoint originais, que não estão disponíveis em chinês no   website   do BPC.

Embora esta comunicação aberta seja seguramente importante, a cada vez mais flexível política cambial é muito mais transformadora. Em 2015-2016, o BPC gastou perto de 1 bilião de dólares das reservas cambiais da China para sustentar um renminbi em desvalorização. Actualmente, o BPC já não intervém regularmente no mercado cambial, e não tem um objectivo em matéria de taxas de câmbio.

Esta flexibilidade tem sido cada vez mais evidente desde o início de 2018. Depois de atingir os CN¥ 6,26 contra o dólar dos EUA em Fevereiro do ano passado, o renminbi deslizou continuamente até os CN¥ 6,97 no fim de Outubro, uma queda de 10% (desde então, já voltou a subir e está actualmente perto dos CN¥ 6,70).

A oscilação acentuada do renminbi contra o dólar em 2018 foi comparável à de outras divisas de Direitos de Saque Especiais (DSE): o euro (10%), o iene (9%) e a libra esterlina (13%). De igual modo, a volatilidade diária do renminbi atingiu no ano passado os 4,3% – cerca de 70% do nível de volatilidade das quatro outras divisas de DSE (incluindo o dólar dos EUA). E, pela primeira vez, a divisa chinesa foi mais volátil que o dólar de Singapura.

Apesar de – ou devido a – oscilações nas taxas bilaterais de câmbio, o renminbi permaneceu relativamente estável contra um cabaz de divisas. O índice do Sistema de Negociação Cambial da China (CFETS), um cabaz de 24 divisas, iniciou e terminou o ano perto de 95. Isto ocorreu com intervenção mínima do banco central. Até o Departamento do Tesouro dos EUA declarou, num relatório de Outubro de 2018, que as intervenções directas do BPC no ano passado tinham sido “limitadas” e que as vendas de moeda estrangeira por bancos estatais tinham sido “modestas”.

Uma taxa de câmbio flexível funciona como um estabilizador automático de duas maneiras. Primeiro, serve de válvula de segurança que responde, e retira pressão, a fluxos de capital e à procura global. Indirectamente, e mais importante ainda, uma taxa de câmbio orientada para o mercado confere mais espaço ao BPC para usar taxas de juro e outras ferramentas de política monetária, como o rácio de reservas obrigatórias (RRO), para ajudar a estabilizar a economia. Isso, por sua vez, estabiliza o renminbi.

Para comprovar isto, olhemos novamente para 2018. Enquanto o Fed aumentou as taxas de juro quatro vezes durante o ano, o BPC contentou-se com um mero aumento de cinco pontos-base em Março, e na verdade reduziu o RRO quatro vezes, no âmbito de uma política de desanuviamento contracíclico direccionado. Apesar destes cortes, o renminbi não entrou em queda livre, como alguns esperariam: o seu valor actual contra o dólar dos EUA é semelhante ao de meados de Dezembro de 2017, quando o BPC seguiu pela última vez o Fed num aumento de taxa em cinco pontos-base.

À medida que o renminbi se torna cada vez mais uma divisa flutuante, as expectativas do mercado ajustam-se em conformidade, e as apostas unidireccionais contra si parecem ser muito mais arriscadas que antes. Em contrapartida, um regresso à intervenção rotineira do BPC no mercado cambial geraria instabilidade. Quando os decisores políticos não permitem que as taxas de câmbio se ajustem, arriscam-se a desencadear uma espiral descendente e desestabilizadora de reservas decrescentes, menos confiança e mais pânico.

A revolução tranquila descrita por Blinder em 2004 está a decorrer em Beijing. É verdade que o BPC ainda tem muito que melhorar nas suas políticas de comunicação e cambial. Mas a sua evolução até aqui é simultaneamente positiva para a China e para os decisores políticos internacionais.

As opiniões aqui expressas são da responsabilidade do autor.

MIAO YANLIANG

Miao Yanliang é membro da China Finance 40, um think tank de Pequim.

 

 

 

 

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