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CIÊNCIA E SUBTERFÚGIO NA ECONOMIA
Autor: Jayati Ghosh

22-02-2019

A economia tradicional tem uma tendência a decidir sobre algumas conclusões “estabelecidas”, e depois agarra-se a elas, apesar de todas as provas em contrário. Isto já é mau o suficiente, mas o que pode ser pior para um domínio que reivindica ser uma ciência é a falta de insistência na replicabilidade dos resultados empíricos. Isso é norma e é essencial na maioria das ciências naturais; em economia, pelo contrário, há principalmente indiferença e, ocasionalmente, uma resistência feroz a ela. Em alguns casos, os dados que têm de ser usados para replicar as conclusões são negados a outros investigadores.

A razão é muitas vezes profundamente política, por causa dos resultados que são promovidos e divulgados de acordo com visões da economia que apoiam posições ideológicas particulares e posições políticas associadas. Por exemplo, o trabalho empírico que apoia a austeridade fiscal ou a desregulamentação do mercado é citado extensivamente e torna-se a base para o avanço desses resultados específicos da política. Muito raramente esse trabalho está sujeito ao escrutínio - por exemplo, desafiando-se as suas suposições e questionando-se os seus procedimentos estatísticos - que seria a norma para a investigação nas ciências naturais.

Consideremos a alegação feita por Stephen Moore e Arthur B. Laffer de que os cortes nos impostos de Trump nos EUA não apenas se pagariam a si próprios, mas também reduziriam o défice do governo enquanto gerariam mais investimento privado. A alegação deles estava completamente errada, mas de alguma forma a realidade económica parece ter tido pouco impacto sobre aqueles que continuam a acreditar na afirmação da Curva de Laffer de que taxas de impostos mais baixas gerarão maiores rendimentos fiscais.

Agora, um novo artigo de Servaas Storm destrói, efetivamente, outro tropo famoso da economia neoliberal: o argumento de que as “rigidezes” do mercado de trabalho depreciam a produção e o emprego. Uma das investigações empíricas mais citadas para este argumento é um artigo de Timothy Besley e Robin Burgess que utiliza dados de produção de estados indianos para o período entre 1958 e 1992. Besley e Burgess afirmaram que os regulamentos pró-trabalhadores em alguns estados resultaram em menor produção, emprego, investimento e produtividade, e até aumentaram a pobreza urbana, em relação aos estados que não adotaram tais regulamentos.

Esta conclusão sustenta a sabedoria convencional de que a regulação do mercado de trabalho é prejudicial à expansão industrial e que a maneira de aumentar a produção e o emprego na produção é promover mais “flexibilidade” no mercado de trabalho, revogando as leis que protegem os trabalhadores. Essa sabedoria não prevaleceu apenas na Índia; influenciou políticas em conformidade num amplo leque de países em desenvolvimento. Embora vários economistas tenham levantado sérias preocupações sobre a metodologia adotada por Besley e Burgess, as suas críticas nunca ganharam muita força entre os governantes.

Mas a crítica de Storm é mais fundamental, porque o seu estudo relata uma falha em replicar as descobertas de Besley e Burgess e demonstra que a sua conclusão sobre o impacto da regulamentação trabalhista no desempenho do setor da produção não é estatisticamente sólida. Ele acha que os resultados não são apenas inconsistentes com as próprias suposições teóricas dos autores, mas também são internamente contraditórios e empiricamente implausíveis. Storm chega à devastadora conclusão de que “o artigo é um embaraço profissional… ilustra quase perfeitamente como é que uma combinação de pretensão científica e um profundo desejo de respeitabilidade pode levar a um empirismo gratuito em que os precedentes triunfam sobre as evidências”.

Então, como é que Besley e Burgess escaparam, e porque é que esses resultados não foram descartados de forma mais abrangente na literatura e nos círculos políticos? Afinal de contas, este artigo foi publicado numa revista de economia, líder no mercado, com sistema duplo-cego de revisão por pares. Foi usado para justificar uma vaga de desregulamentação no mercado de trabalho em todo o mundo, prejudicando ativamente os trabalhadores. A profunda cumplicidade dos profissionais de economia - e das principais revistas académicas que conferem “respeitabilidade” a essas investigações - precisa de ser denunciada.

Não é segredo que a economia tradicional tem funcionado ao serviço do poder. John Kenneth Galbraith referiu em 1973 que a economia de elite tornou-se a “inestimável aliada daqueles cujo exercício do poder depende de um público aquiescente”. A adoção desse papel por parte dos economistas tornou-se mais forte desde então. Mas também tornou o domínio menos relevante e reduziu a sua legitimidade e credibilidade. Grande parte do público já não vê os economistas como aqueles que fazem as perguntas certas ou procuram respondê-las com integridade.

Para recuperar a credibilidade, a economia precisa de se tornar mais aberta à crítica de suposições, métodos e resultados. As verdades inconvenientes ditas por vozes dissonantes não podem ser ignoradas indefinidamente. Mais cedo ou mais tarde, a realidade terá um efeito poderoso.

JAYATI GHOSH

Jayati Ghosh é professor de Economia na Universidade Jawaharlal Nehru em Nova Delhi, Secretário Executivo da International Development Economics Associates, e membro da Comissão Independente para a Reforma da Tributação Internacional das Empresas.

 

 

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