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Dos coletes amarelos ao New Deal Verde
Autor: Joseph E. Stiglitz

18-01-2019

Não é novidade que grandes segmentos da sociedade ficaram profundamente descontentes com o que eles veem como “the establishment”, especialmente a classe política. Os protestos dos “coletes amarelos” em França, despoletados pela manobra do presidente Emmanuel Macron de aumentar os impostos dos combustíveis em nome do combate às alterações climáticas, são apenas o mais recente exemplo da escala desta alienação.

Há boas razões para o descontentamento atual: quatro décadas de promessas de líderes políticos de centro-esquerda e centro-direita, defendendo a fé neoliberal de que a globalização, o financiamento, a desregulamentação, a privatização e uma série de reformas relacionadas trariam uma prosperidade sem precedentes, não foram cumpridas. Embora uma pequena elite pareça ter-se saído muito bem, grandes faixas da população desceram da classe média e mergulharam num novo mundo de vulnerabilidade e insegurança. Até os líderes de países com desigualdade baixa, mas crescente, sentiram a fúria do seu povo.

Olhando os números, a França parece melhor do que a maioria, mas o que importa são as perceções, não os números; mesmo em França, que evitou algum do extremismo da era Reagan-Thatcher, as coisas não estão famosas para muita gente. Quando se reduz os impostos sobre os muito ricos e se aumenta sobre os cidadãos comuns para se cumprir as exigências orçamentais (seja da longínqua Bruxelas ou de investidores em boa situação financeira), não é de surpreender que alguns estejam zangados. O refrão dos coletes amarelos exprime as suas preocupações: “O governo fala sobre o fim do mundo. Nós estamos preocupados com o fim do mês”.

Há, em suma, uma grande desconfiança nos governos e nos políticos, o que significa que pedir sacrifícios hoje em troca da promessa de uma vida melhor amanhã, não será aprovado. E isso é especialmente verdade para as políticas de “trickle down”: cortes de impostos para os ricos que supostamente devem beneficiar todos os outros.

Quando eu estava no Banco Mundial, a primeira lição na área da reforma de políticas era que a sequência e o ritmo importam. A promessa do New Deal Verde, que agora está a ser defendida pelos progressistas nos Estados Unidos, possui bem estes dois elementos.

O New Deal Verde tem como premissa três observações: Primeira, há recursos não utilizados e subutilizados - especialmente talentos humanos - que podem ser usados de forma eficaz. Segunda, se houvesse mais procura por trabalhadores com competências baixas e médias, os seus salários e padrões de vida aumentariam. Terceira, um bom ambiente é uma parte essencial do bem-estar humano, hoje e no futuro.

Se os desafios das alterações climáticas não forem vencidos hoje, enormes fardos serão impostos à próxima geração. Não é correto que esta geração passe esses custos à próxima. É melhor entregar dívidas financeiras, que podemos de alguma forma gerir, do que confrontar os nossos filhos com um desastre ambiental possivelmente incontrolável.

Há quase 90 anos, o presidente dos EUA, Franklin D. Roosevelt, reagiu à Grande Depressão com o seu New Deal, um pacote ousado de reformas que abordou quase todos os aspetos da economia americana. Mas o que está a ser invocado agora é mais do que o simbolismo do New Deal. O que está a ser invocado é o seu propósito animador: pôr novamente as pessoas a trabalhar, da mesma forma que FDR fez pelos EUA, com o desemprego esmagador daquela época. Naquele tempo, isso significava investimentos em eletrificação rural, estradas e barragens.

Os economistas debateram a eficácia do New Deal - as suas despesas foram, provavelmente, demasiado baixas e não sustentáveis o suficiente para gerar o tipo de recuperação que a economia precisava. No entanto, deixou um legado sustentável, transformando o país num momento crucial.

O mesmo é válido para um New Deal Verde: pode fornecer transportes públicos, ligando as pessoas aos emprego, e reformar a economia para vencer o desafio das alterações climáticas. Simultaneamente, estes investimentos criarão postos de trabalho por si só.

Há muito que se reconhece que a descarbonização, caso seja efetuada corretamente, seria um ótimo criador de empregos, à medida que a economia se prepara para um mundo com energias renováveis. É claro que alguns empregos – por exemplo, os postos de trabalho dos 53 mil mineiros de carvão nos EUA – deixarão de existir e serão necessários programas para requalificar esses trabalhadores para outros empregos. Voltando ao refrão: a sequência e o ritmo importam. Teria feito mais sentido começar com a criação de novos empregos antes de os antigos empregos serem destruídos, para garantir que os lucros das empresas de petróleo e carvão eram tributados e os subsídios ocultos que recebiam eram eliminados, antes de perguntarem aos condutores que mal conseguem sobreviver com o que pagam.

O New Deal Verde transmite uma mensagem positiva do que o governo pode fazer, por esta geração de cidadãos e pela próxima. Pode oferecer hoje aos que mais sofrem, aquilo que eles mais precisam – bons empregos. E pode fornecer as proteções das alterações climáticas que são necessárias para o futuro.

O New Deal Verde terá de ser ampliado, e isso é especialmente verdade em países como os EUA, onde muitos cidadãos comuns não têm acesso a uma boa educação, cuidados de saúde adequados ou a uma habitação digna.

O movimento popular que está por trás do New Deal Verde oferece um raio de esperança ao establishment seriamente maltratado: deveriam aceitá-lo, fortalecê-lo e torná-lo parte da agenda progressista. Precisamos de algo positivo para nos salvar da horrível vaga de populismo, nativismo e protofascismo que está a varrer o mundo.

JOSEPH E. STIGLITZ

Joseph E. Stiglitz, Prémio Nobel de Economia, é professor universitário na Universidade de Columbia e economista-chefe do Instituto Roosevelt. Seu livro mais recente é Globalização e seus descontentes revisitados: anti-globalização na era do Trump.

 

 

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