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As reformas de que a China necessita
Autor: Shang-Jin Wei

09-11-2018

Neste ano completa-se uma década desde que irrompeu a crise financeira. Para os Estados Unidos, 2018 é muito diferente de 2008. A economia passou do colapso iminente para o sobreaquecimento iminente, graças às enormes reduções de impostos decretadas quando o crescimento já se encontrava sólido. A atitude perante a China também se alterou de forma radical. O reconhecimento de que a cooperação com a China era necessária para gerir a procura global foi substituído pelo proteccionismo e pela hostilidade.

Porém, para a China, 2018 parece-se com 2008 num aspecto importante: os choques negativos originários dos Estados Unidos representam uma ameaça significativa ao seu crescimento económico. Em 2008, o choque consistiu numa redução da procura das suas exportações, devida ao colapso do Lehman Brothers e à crise financeira global subsequente. Hoje, é a guerra comercial iniciada pela administração do presidente dos EUA, Donald Trump.

Os riscos que a China enfrenta não estão completamente fora do seu controlo. A situação pode ser agravada se o país repetir as respostas políticas de 2008 – nomeadamente, se se basear exclusivamente em grandes estímulos fiscais e monetários para sustentar a procura.

Embora a resposta das autoridades de há uma década tenha evitado uma recessão acentuada, também preparou o caminho para muitos outros problemas, nomeadamente os altíssimos níveis de dívida dos governos locais e das empresas estatais (EE), a expansão do sector bancário paralelo (NdT: no original, shadow banking), a reemergência da capacidade excedentária em vários sectores, e um declínio na robustez relativa das empresas privadas. A administração Trump invocou algumas destas consequências como justificações para a sua guerra comercial.

Nestas circunstâncias, a China pode ser tentada a insistir no estímulo à procura agregada, com medidas de curto prazo como o direccionamento de mais investimento em infra-estruturas através dos governos locais, e com o aumento da cedência de crédito a empresas estatais. Mas essa abordagem poderia criar uma outra década de problemas. A melhor estratégia seria concentrar-se em reformas estruturais.

Para começar, as empresas privadas precisam de saber que estão a competir com as EE em condições de igualdade, no que diz respeito à regulamentação e à aplicação da lei, ao acesso ao crédito bancário e a outros recursos, e às oportunidades de conseguirem contratos com o governo. As empresas não-estatais têm sido a mais importante fonte de crescimento nas últimas quatro décadas, e é por isso encorajador que o governador do Banco Popular da China, Yi Gang, tenha salientado o princípio da “neutralidade competitiva” num   discurso recente. Até agora, este termo não foi repetido pela liderança de nível superior. Mas o governo deveria adoptá-lo formalmente, como princípio orientador da governação económica.

Do mesmo modo, no que respeita ao comércio e investimento externos, a China deveria adoptar um princípio de “neutralidade governamental”, para regulamentar a cooperação e as negociações contratuais, e nomeadamente a transferência de tecnologia, entre empresas estrangeiras e nacionais. Numa perspectiva mais ampla, deveria continuar a reduzir as barreiras ao comércio e ao investimento enfrentadas pelas empresas estrangeiras na China, dando seguimento à anunciada flexibilização das restrições sobre empresas financeiras estrangeiras que operem no país. Estas medidas elevariam o rendimento real das famílias chinesas, ao aumentar o seu poder de compra, ao mesmo tempo que fortaleceriam a competitividade do sector empresarial do país, ao pressionar as empresas nacionais menos eficientes. A própria experiência da China após a sua adesão à Organização Mundial do Comércio sugere que uma maior abertura, em última análise, traz mais prosperidade às suas famílias.

A terceira reforma estrutura de que a China necessita é a instauração de uma maior flexibilidade no mercado de trabalho. Desde meados da década de 1990 que a taxa contributiva obrigatória para os sistemas públicos de pensões, de saúde, e outras prestações tem sido oficialmente muito elevada – cerca de 50% sobre os salários, um valor mais elevado que a taxa de contribuição mediana nos países da OCDE. E, porém, há muito que uma deficiente execução significa que as empresas nacionais ignoram em grande parte estes custos. A partir de 2008, no entanto, as autoridades começaram a aplicar vigorosamente a taxa contributiva, pressionando as empresas. Adicione-se o requisito de que as empresas devem oferecer um contrato sem termo a qualquer pessoa após dois contratos a prazo consecutivos, e pagar chorudas indemnizações se precisarem de reduzir a mão-de-obra. Como consequência, a capacidade da economia gerir choques negativos e de ajustar a composição do emprego foi severamente afectada.

Dados os níveis de produtividade e o estágio de desenvolvimento da China, seria mais apropriada uma taxa contributiva obrigatória combinada perto dos 35-40%. A adopção desta taxa, juntamente com outras medidas para melhorar a flexibilidade do mercado de trabalho, poderia melhorar consideravelmente a resiliência económica da China.

Uma reforma final que faria muito por fortalecer a economia da China seria uma redução temporária das taxas de imposto sobre o rendimento das sociedades e o valor acrescentado. Sugiro uma redução temporária de impostos por dois motivos. Uma redução temporária colocaria muito menos pressão no orçamento público que uma redução permanente, ao mesmo tempo que daria mais incentivos às empresas para investirem. Nesse sentido, uma tal redução equivaleria em simultâneo a uma reforma do lado da oferta e a uma gestão da procura agregada.

Os líderes da China estão conscientes da necessidade da maioria destas reformas; na verdade, transformaram a reforma do lado da oferta no seu mantra político oficial. Mas, até agora, têm-se concentrado na redução da capacidade excedentária e na desalavancagem, em vez de medidas que aumentem a confiança dos empreendedores privados, que reduzem a vulnerabilidade da economia aos choques, e que apoiem o crescimento. Dado que duas destas reformas – a neutralidade competitiva e uma maior abertura às empesas privadas nacionais e às empresas internacionais – também ajudariam a aplacar os EUA, o momento para agir não poderia ser melhor.

SHANG-JIN WEI

Shang-Jin Wei, ex-economista-chefe do Banco Asiático de Desenvolvimento, é professor de Economia e Negócios Chineses e professor de Finanças e Economia na Universidade de Columbia.

 

 

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