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O fosso digital está a impedir o desenvolvimento
Autor: Mukhisa Kituyi

02-11-2018

É fácil supor que o acesso à economia digital seja omnipresente e que as compras on-line sejam a evolução natural do comércio. Por exemplo, em julho, a Amazon vendeu mais de 100 milhões de produtos a consumidores de todo o mundo, durante o seu evento anual “Prime Day”, um sucesso de 4,2 mil milhões de dólares que incluiu vendas de sal de mesa na Índia, Coca-Cola Zero em Singapura e escovas de dentes na China.

Mas números como estes ocultam o facto de que, para muitas pessoas nos países em desenvolvimento, o caminho para o comércio eletrónico está repleto de buracos.  Simplificando, o crescimento do comércio eletrónico não é automático e a propagação dos seus benefícios não é garantida.

Alguns dos obstáculos são logísticos. Na minúscula ilha de Tuvalu, no Pacífico Sul, por exemplo, menos de dez ruas na capital, Funafuti, têm nome e apenas cerca de 100 casas têm um endereço postal. Mesmo que todos em Tuvalu tivessem acesso à Internet (o que não acontece; somente   13% da população do país tinham banda larga em 2016, de acordo com o Banco Mundial), a entrega de produtos comprados   on-line   seria difícil.

Noutros lugares, milhares de milhões de pessoas não têm contas bancárias e cartões de crédito, e em muitos países em desenvolvimento, a legislação de defesa do consumidor não se estende aos bens comprados   on-line .  Estes desafios são particularmente graves para as pessoas na África Subsariana, nos estados insulares remotos e em vários países sem acesso ao mar.

Em contrapartida, na maioria das economias desenvolvidas, os sistemas postais que funcionam bem e as estruturas jurídicas sólidas significam que os produtos podem ser comprados   on-line   e entregues sem pensar duas vezes.

Mas o comércio eletrónico é apenas uma faceta da economia digital em evolução. A inovação, a produção e as vendas estão a ser transformadas por plataformas de tecnologia, análises de dados, impressão 3D e a chamadaInternet das Coisas   (IdC). Até 2030, espera-se que o número de dispositivos ligados à IdC chegue aos   125 mil milhões, contra os 27 mil milhões em 2017. Além disso, esse ritmo acelerado de   tethering   (o uso de um telemóvel como ligação à Internet sem fios, ao qual pode ligar outros dispositivos) digital está a ocorrer mesmo que   metade da população mundial   continue a não estar ligada à Internet.

Se este assunto não for tratado, a distância abissal entre os países subconectados e os hiperdigitalizados aumentará, exacerbando as desigualdades existentes.  Os níveis de digitalização podem até mesmo influenciar se os países são capazes de alcançar os   Objetivos de Desenvolvimento Sustentável   estabelecidos pela comunidade internacional para combater desafios como a fome, as doenças e as alterações climáticas. É por isso que acredito que deve ser feito mais para se apoiar os países pobres enquanto eles se esforçam para se integrar na economia digital.

Como é que essa economia se desenvolverá, é difícil de prever. Mas já sabemos que as medidas tomadas pelos governos, doadores e parceiros de desenvolvimento determinarão o caminho a seguir. Um esforço – o projeto   Going Digital, lançado pela OCDE em 2017 – está a ajudar os países a aproveitarem as oportunidades e a prepararem-se para a rutura tecnológica. As áreas de foco incluem concorrência, defesa do consumidor, inovação e empreendedorismo, seguros e pensões, educação, governação e comércio. É uma abordagem holística que os especialistas em cooperação para o desenvolvimento devem imitar.

Além disso, até ao final da próxima década, as tecnologias de informação e comunicação (TIC) impulsionarão o crescimento económico e potencializarão os ganhos de produtividade. Para prosperarem, as pessoas precisarão de novas competências e novos conhecimentos, e os países precisarão de políticas atualizadas para proteger os utilizadores   on-line . As pequenas empresas, inclusive as que pertencem e são geridas por mulheres, estarão especialmente vulneráveis ao ambiente empresarial em mudança.

Infelizmente, apenas   1% de todo o financiamento   fornecido pela   Ajuda ao Comércio - uma iniciativa dos membros da Organização Mundial do Comércio para ajudar os países em desenvolvimento a melhorarem as suas infraestruturas comerciais - está atualmente a ser atribuído a soluções TIC. Da mesma forma, os bancos multilaterais de desenvolvimento estão a investir apenas   1% da sua despesa total   em projetos TIC e só cerca de 4% deste investimento limitado está a ser gasto no desenvolvimento de políticas, um trabalho crucial se se pretender que as economias digitais sejam bem regulamentadas.

Na minha organização, a   Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento, estamos a criar estratégias para ajudar os países em desenvolvimento a alavancarem os seus ativos e a melhorarem as capacidades digitais. Uma iniciativa,   “eTrade for all” , visa facilitar aos países em desenvolvimento a obtenção de assistência financeira e técnica. Desde o início do programa, há dois anos, quase 30 parceiros globais foram recrutados e uma   plataforma   on-line   ligou governos a organizações e doadores para partilharem recursos, competências e conhecimentos.

O G20 também está a marcar a sua posição nesta questão; em agosto, juntei-me aos ministros do G20 na Argentina para discutir o que pode ser feito para difundir os benefícios da transformação digital. Escusado será dizer que a reunião não poderia ter chegado em melhor altura.

Ainda assim, embora os programas e as cimeiras possam oferecer aos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos do mundo um ponto de partida para começarem a pressionar por uma maior ligação em rede, é necessário mais apoio se quisermos alguma vez eliminar o fosso digital. Com milhares de milhões de pessoas ainda abaixo do primeiro degrau na escala digital, a escalada até à prosperidade está a tornar-se mais desafiante do que nunca.

Mukhisa Kituyi

Mukhisa Kituyi é Secretário-Geral das Nações Unidas para a Conferência do Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).

 

 

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